Empresário filantropo ou Empresa sustentável – qual importa mais?

Por on 14/02/2020

Sob a ótica do potencial de transformação, qual das duas opções é mais efetiva: ser um empresário filantropo ou ter uma empresa sustentável? É um questionamento latente, que sempre volta à tona, hoje com bons exemplos como Bill Gates (EUA) e Elie Horn (Brasil).

No final do século XIX, Andrew Carnegie se tornou um dos homens mais ricos do planeta ao criar a indústria do aço nos EUA, tal o sucesso da sua empresa, a Carnegie Steel Company. Aos 60 e poucos anos de idade, ele vendeu a empresa e passou a se dedicar inteiramente à filantropia. No artigo que publicou “O Evangelho da riqueza” (1889), ele é categórico em dizer que o homem rico tem a obrigação de devolver à sociedade toda a riqueza que acumulou. Se foi um empresário competente e ficou rico, ele deve usar essa mesma competência como filantropo, para encontrar a melhor maneira para destinar a sua fortuna em benefício da comunidade.

E assim Carnegie agiu em vida: doou 90% da sua riqueza e teve como foco a criação de bibliotecas públicas, ou seja, atuou diretamente na educação como forma de dar oportunidade aos que não a tinham. Morreu triste, porque queria ter conseguido doar em vida 100% da sua fortuna.

Baseado nos parâmetros daquela época, podemos dizer, sim, que a Carnegie Steel foi um exemplo de empresa sustentável (financeiramente) – inovadora, forte expansão, super lucrativa e acionistas felizes com os resultados alcançados. E Andrew Carnegie também foi um filantropo de visão e propósito, concentrando a sua atuação na educação.

Só que sob o olhar dos padrões atuais, Carnegie seria tido como o anti-modelo: um filantropo generoso às custas de ter sido um empresário mesquinho e mau. Ele explorava ao extremo os seus trabalhadores com salários baixos, jornada de mais de 12 horas/dia e condições de trabalho subumanas.

O que ocorreu foi que, do final do século XX para cá (1990 em diante), e passado o auge da industrialização, as empresas em geral começaram a ser fortemente criticadas e pressionadas pela forma danosa com que vinham se relacionando com os seus vários públicos, com o foco apenas nos resultados para os donos/acionistas. O conceito de empresa sustentável se viu forçado a se ampliar : ser sustentável passou a significar estar comprometido (ou responsável por) com todos os públicos relevantes com os quais a empresa se relaciona, ou seja, não apenas os acionistas mas também os seus funcionários, meio-ambiente, comunidade, fornecedores e clientes.

Não resta dúvida de que o conceito de ‘empresa sustentável` se tornou atualmente mais exigente. E os desafios seguem enormes, tendo em vista o ambiente de concorrência selvagem que continua existindo entre as empresas.

Basta ver que um dia desses, duas companhias telefônicas estavam “me” disputando na oferta de um mesmo serviço (plano de telefonia e internet). Cena, aliás, bastante comum no Brasil de hoje. Eu optei pela empresa com o menor preço, independente de conhecer o comportamento de cada uma delas com os seus stakeholders. Fazendo aqui um mea culpa: será que fui uma ‘consumidora sustentável`?

Em sua recente passagem pelo Brasil, ao tratar da questão entre ´empresa sustentável` e filantropia, Halla Tómasdóttir, CEO do movimento mundial  das  empresas B , foi categórica ao afirmar que

É interessante questionar se aqueles que ganharam muito dinheiro (empresários), possivelmente o fizeram à custa da natureza e das comunidades. E só porque tiveram a capacidade de ganhar muito dinheiro não significa que sejam as pessoas certas para formatar as políticas públicas. …. Ao invés de fazer negócios de forma prejudicial e depois doar dinheiro, não deveríamos transformar a estratégia central dos negócios para que sejam sustentáveis e voltados para o desenvolvimento das pessoas e do futuro? (Valor, 27.09.2019)

Concordo plenamente com ela. Dado o contexto atual, de finitude iminente dos recursos naturais e dos rápidos avanços tecnológicos em curso, não faz sentido persistir com aquele modelo “predador” de antes. No longo prazo, esse modelo se tornou insustentável. No curto prazo, pode até significar custos mais elevados (para a empresa) esse compromisso de investir no bom relacionamento da empresa com cada um dos seus públicos.

O ponto central é que, quando a empresa atua com o foco ampliado na geração de valor compartilhado (social, ambiental e econômico), ao executar o seu próprio core business ela passa a ter também um papel relevante para a transformação social desejada.

Como alertou Halla Tómasdóttir acima, o risco da filantropia conduzida individualmente pelo próprio empresário é o da alocação dos recursos segundo a causa social “do coração” do filantropo e de sua vontade, que muitas vezes não representam as prioridades sociais do momento e nem a melhor estratégia. Nesse caso, pode haver desperdício de recursos.

Concluindo, ´empresa sustentável` E empresário filantropo é a combinação ideal.  Quanto mais envolvimento das pessoas em prol do bem-estar geral, melhor. Também é válida a combinação ´empresa sustentável` e ´empresário não filantropo`, pois demonstra que no seu dia-a-dia o empresário já age com consciência e responsabilidade social, cumprindo o seu papel de bom cidadão.

O que não pode acontecer é empresário filantropo, cuja empresa adota práticas pouco sustentáveis. Pois nesse caso a empresa (na qual o empresário / acionista tem poder de decisão) age como lobo disfarçado em pele de cordeiro.  A menos, é claro, que a força dos “consumidores sustentáveis” a obrigue a mudar de comportamento.

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.