Terceiro Setor: combater a Pobreza ou a Desigualdade?

Por on 26/05/2025

Em organizações do Terceiro Setor que atuam com populações em situação de vulnerabilidade (sejam elas crianças, jovens ou idosos), é comum os fundadores e/ou gestores dessas organizações expressarem os seus propósitos com frases do tipo:

  1. Queremos atuar para combater as desigualdades e injustiças sociais nesses territórios
  2. Queremos atuar para combater a pobreza nesses territórios

Será que ambos os propósitos são viáveis, considerando tratar-se de organizações do terceiro setor?

Sobre essa discussão antiga entre DESIGUALDADE e POBREZA, o artigo de Fábio Giambiagi, publicado no jornal O Globo, 10.01.2025, é bastante claro e didático e, por isto, recomendo a leitura.

No texto, Giambiagi exemplifica com o caso concreto da China.  Diz ele que, “em 1970, era um país no qual a imensa maioria da população tinha uma renda paupérrima, com uma distribuição de renda bastante homogênea. Hoje, mais de 50 anos depois, o país é uma potência, com muitos milionários e uma classe média pujante. A distribuição de renda piorou muito, mas todos os chineses melhoraram de vida. Será que algum chinês iria querer voltar a viver com a sua renda dos anos 1960?”

Outro exemplo (fictício) que Giambiagi menciona é o de um prédio com 100 moradores, todos igualmente muito pobres. Suponha que um desses moradores ganhe na loteria e passe a viver dos rendimentos de sua nova fortuna. Então, de um momento para o outro, a desigualdade de renda piora sensivelmente nesse prédio, sendo que a pobreza em nada se altera – com exceção da situação do felizardo.

O ponto a destacar é que injustiça social e desigualdade de renda se combatem com políticas públicas, seja por meio de políticas econômicas de crescimento econômico e de tributação; e de políticas sociais de melhora do ensino nas escolas do ensino básico da rede pública, nas condições de saneamento, moradia, acesso à tecnologia de informação e conhecimento, medidas de transporte público, e de condições de atendimento de saúde para todos.

Isto porque só as políticas públicas, assentadas em bases democráticas, é que têm poder de atuação capaz de incidir de fato nas raízes e questões estruturais que (re)produzem os problemas sociais. Haja vista a situação atual do Brasil, em que as graves questões de desigualdade e injustiça social com as quais convivemos hoje, estão associadas ao nosso processo histórico de colonização e crescimento baseados na escravidão.

Assim, só as políticas públicas é que têm condições de interferir ao longo dos processos produtivos, e de definir diretrizes e leis que regulam a remuneração dos fatores produtivos em âmbito das unidades federativas e, em última instância, o padrão de distribuição de renda.  

Já as organizações do Terceiro Setor (aí incluídas as Organizações da Sociedade Civil – OSCs e movimentos comunitários) entram como coadjuvantes do Poder Público, atuando junto ou de modo complementar, valendo-se do seu profundo conhecimento e interação com o território. Em linguagem figurada, é como se o Poder Público fosse o “maestro” da orquestra, e as organizações do Terceiro Setor fossem os “instrutores das diferentes especialidades de músicos”.

Então, as OSCs e movimentos comunitários devem procurar fazer muito bem o que elas se propõem a fazer, ou seja, atingir o(s) objetivo(s) específico(s) para o(s) qual(is) foram criadas  – como:  dar voz aos esquecidos; atender às famílias desassistidas em extrema vulnerabilidade; propiciar oportunidades de esporte e educação para crianças e adolescentes; oferecer oportunidades de reforço escolar e orientação psicológica para adolescentes; propiciar capacitação técnica e oportunidades de formação empreendedora para jovens; oferecer oportunidades de lazer para as famílias; abrir oportunidades de formação e geração de renda para os desempregados; possibilitar redes de tratamento e atenção para idosos e pessoas com algum tipo de deficiência física e/ou psíquica.

E, dessa forma, elas (as organizações do Terceiro Setor) devem se guiar rumo à sua missão maior que, em última instância, é a de contribuir, cada uma em sua área específica de atuação, para combater a pobreza e as situações de exclusão e sofrimento dos territórios em que atuam.  

TAGS
POSTS RELACIONADOS

DEIXE UM COMENTÁRIO

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.