Dan Pallotta (TED) demonstrou com firmeza e exemplos que a maneira como doamos para as organizações filantrópicas está “mortalmente errada”. Apesar de ser um vídeo de 2013, esse vídeo continua sendo muito citado nas rodas de inovação e impacto social. Pallotta é um ativista de causas humanitárias (AIDS, câncer, ….), formado por Harvard University, com vários livros e artigos publicados sobre o setor não lucrativo. Segundo ele, usamos estímulos totalmente distintos para financiar as organizações lucrativas (business) e as organizações não-lucrativas (nonprofits). A consequência é que as primeiras crescem e ganham escala, enquanto as segundas se tornam limitadas e quase que incapacitadas de gerarem o resultado social pretendido. Será que Pallotta está correto na crítica que faz?
De que organização estamos falando?
Em sua crítica, Dan Pallotta se refere às organizações filantrópicas. Importante saber que uma organização filantrópica é um tipo de organização sem fins lucrativos (OSFL) ou do Terceiro Setor, que tem o foco específico em pessoas em situação de exclusão e vulnerabilidade social que não conseguem ser atendidas por meio do mercado, na maior parte das vezes precisando de atendimento gratuito. É um subconjunto dentro das organizações (privadas) sem fins lucrativos. Dan Pallotta estima que nos EUA as “filantrópicas” (também chamadas por “charities” ou humanitárias) são responsáveis por apenas 20% do total dos recursos alocados no setor sem fins lucrativos como um todo.
Exemplificando: a Fundação Dom Cabral e o Hospital Felício Rocho são Organizações privadas Sem Fins Lucrativos (OSFLs), respectivamente nas áreas de educação superior e saúde, porém não são filantrópicas – os serviços ofertados por eles são pagos diretamente pelos próprios clientes ou empresas conveniadas / planos de saúde, de forma a cobrir os seus custos e financiar a sua expansão. Já a ONG Fundo para Crianças , o Instituto Ramacrisna e o Sistema Divina Providência são OSFLs filantrópicas, ambas com a missão de apoiarem comunidades em situação de vulnerabilidade social.
Ao aportar recursos em uma organização filantrópica, o que levar em consideração?
Segundo Pallotta, assim como as grandes empresas do setor lucrativo usam os recursos dos seus acionistas para financiarem certas práticas (e em razão disso é que cresceram exponencialmente!), também as organizações não-lucrativas filantrópicas precisam ter liberdade para usarem os recursos dos seus investidores sociais / doadores para garantirem os mesmos estímulos, a saber:
- Remunerar bem a quem empreende / colabora nessas organizações, e assim poder reter também os melhores “talentos saídos das universidades”. Porque esses talentos sonham em “poder fazer a diferença”, mas precisam também proporcionar qualidade de vida para si e sua família. Caso contrário, esses talentos acabam indo embora para o setor lucrativo.
- Divulgar bastante o trabalho desenvolvido pela organização, assim como a Coca-Cola sempre fez. Pois só com um marketing bem-feito é que essas organizações conseguirão atrair/captar novos recursos e apoiadores e avançar com o seu trabalho. Porém, não é o que vem ocorrendo. Raramente os investidores sociais/doadores querem ver os seus recursos canalizados para custear atividades-meio da organização (“overhead”), e só querem vê-los aplicados diretamente nos “necessitados”.
- Investir tempo para poder experimentar novas práticas, novas tecnologias e novos modos de fazer as coisas – e em contrapartida ter que reduzir bastante o atendimento no público-alvo. A Amazon, por exemplo, já foi autorizada a não pagar rendimentos aos seus investidores por 6 anos, para poder construir o seu domínio de mercado.
- Assumir riscos, ter o direito de errar, de ficar aquém das metas, pois é assim que a organização vai construindo a sua curva de aprendizagem. Por exemplo, a Disney pode investir uma fortuna em um filme que fracassa depois, e não é criticada por isto.
Para Pallotta, todo investidor social/doador precisa ter essa consciência de que a organização filantrópica só irá crescer e evoluir se os recursos aportados nela puderem ser usados em atividades-meio como remuneração, divulgação, experimentação e tomada de riscos. Pois só investindo nessas atividades-meio é que as organizações filantrópicas conseguirão fazer melhor (o que já fazem) e escalar (para fazerem o bem a muitas mais pessoas). E, como vimos, ele cita alguns exemplos, todos relacionados a grandes empresas dos EUA como a Coca-Cola, Disney, Amazon e Apple.
Essas recomendações se aplicam ao Brasil?
A resposta é sim, porém vai depender do estágio de evolução da organização filantrópica.
A meu ver, essa ênfase (de Pallotta) na alocação do investimento social /doação em atividades-meio só começa a fazer sentido depois que o modelo de atendimento da organização tenha dado evidências suficientes de estar adequado ao seu público-alvo (ou “necessitados” como ele diz) , de estar sendo bem executando e gerando os resultados pretendidos junto às pessoas atendidas.
A organização deve começar pequeno, focando nos seus objetivos e atividades-fim. No estágio inicial, todos os esforços e recursos investidos (dos doadores) devem priorizar a concepção e implementação da sua proposta de valor (ou “teoria da mudança”), fazer as adaptações necessárias, até ver se (e quando) ela se consolida ou não. Só então buscar crescer e, aos poucos, ir investindo nas atividades-meio necessárias para amplificar esse “bem”.
Antes desse ponto mínimo de maturidade do empreendimento, é grande o risco de desperdiçar os recursos dos investidores sociais /doadores. Pois qual é o sentido de fazer propaganda de um produto/serviço que só conseguiu avançar pouco além de uma boa intenção? Ou por que remunerar bem a seus colaboradores, se a organização ainda não demonstrou a que veio, e está rodeada por pobreza e carências?
No Brasil um exemplo de organização filantrópica em estágio adequado para fazer bom uso de todos esses estímulos propostos por Dan Pallotta é a Gerando Falcões e, pelo que percebo, já o faz com maestria. A Gerando Falcões começou como Ong em 2011; e hoje já atua em rede pelas favelas e periferias do Brasil todo “para fazer da pobreza um item de museu”.
Já no outro extremo, a OSC (organização da sociedade civil) de esporte para crianças e jovens na favela da Rocinha (RJ), Mudando o Placar , ilustra bem o caso de um trabalho social que está começando pequeno (2022), com muito poucos recursos, se estruturando, e que nessa fase inicial não reúne os quesitos necessários para demandar (dos seus doadores/investidores) esses estímulos recomendados por Pallotta. Porém, vislumbro que muito em breve a organização reunirá essas condições. E mais, com elevada possibilidade de se transformar em tecnologia social para, por meio do esporte, contribuir para “mudar o placar” das oportunidades de crianças e adolescentes nas favelas do Brasil todo.