Quando nós, doadores, fazemos uma doação para uma instituição filantrópica, o nosso desejo é que os recursos doados (sejam em dinheiro, voluntariado ou em bens) caiam em solo fértil e produzam muitos bons frutos. À semelhança da Parábola do Semeador, que Jesus contou a seus discípulos.
“O semeador saiu a semear sua semente. Ao semeá-la, uma parte da semente caiu ao longo do caminho, foi pisada e as aves do céu a comeram. Outra parte caiu sobre a pedra e, tendo germinado, secou por falta de umidade. Outra caiu no meio dos espinhos, e os espinhos nascendo com ela, abafaram-na. Outra parte, finalmente, caiu em terra fértil, germinou e deu fruto ao cêntuplo”. (na Bíblia em Lucas, 8:5-8)
Assim, quando doamos, o desejo é que o retorno social proveniente daquela doação seja potencializado, no sentido de contribuir para gerar o maior impacto social possível em termos de transformação de vidas.
Seguindo na analogia da Parábola do Semeador, a instituição filantrópica é como se fosse a terra – e há diferentes tipos de terra. Já as sementes são os recursos doados. Então, os filantropos, assim como os semeadores, se vêm frente a difíceis desafios:
Desafios do Semeador:
- Como escolher a terra fértil que melhor se adapta às sementes?
- Ou como preparar a terra para ela ficar fértil?
Desafios e Dilemas do Filantropo para a alocação de sua filantropia:
- Como escolher uma organização filantrópica “fértil” que é capaz de fazer o uso efetivo das doações?
- Ou como ajudar a preparar uma organização filantrópica para ela se tornar “fértil”?
Dentre os vários desafios e dilemas com os quais os filantropos no Brasil têm se deparado ultimamente, enumero alguns deles:
- Doar para equipar e fortalecer a instituição filantrópica (atividades-meio), isto é, para garantir que a terra se torne e se mantenha fértil, sempre capaz de frutificar e gerar impacto social?
- Ou doar para fortalecer o trabalho social propriamente da instituição filantrópica (atividades-fim)?
- Na teoria, essa distinção na alocação das doações entre atividades-meio e atividades-fim pode parecer simples e óbvia, mas não é. Suponha, por exemplo, a destinação para pagamento de pessoal de uma instituição filantrópica voltada para o desenvolvimento de crianças: como fazer a distribuição entre a remuneração dos professores e a remuneração dos captadores de recursos? Vai depender de uma série de fatores, como a fase de vida da organização.
- Doar para as organizações filantrópicas com base na confiança, isto é, tendo por pressuposto que as lideranças dessas instituições conhecem “melhor do que ninguém” as nuances do problema social e as estratégias mais adequadas para traçar soluções? Será que esse pressuposto vale para todas as circunstâncias? O que se tem observado, não raras vezes, é que os líderes dessas organizações conhecem bem o jeito de ser da comunidade, mas eles desconhecem as boas práticas para gerenciar projetos e interagir com outros públicos para além da comunidade.
- Doar com base em prestação de contas e em resultados? Só que em projetos sociais os resultados são subjetivos e há diferentes maneiras “aceitas” para eles serem operacionalizados e avaliados. Também a comparação de desempenho entre projetos sociais não é tão direta como nos projetos econômicos, haja vista a influência do contexto e das características do público atendido. Assim, até que ponto esse tipo de exigência se justifica, para dar transparência ao uso das doações mas sem cair no exagero das medições desnecessárias?
- Se os recursos da filantropia são escassos e as demandas sociais são grandes, como decidir entre doar para uma organização filantrópica nascente, em que as chances do fracasso são grandes, ou doar para uma organização filantrópica já estabelecida com efetividade reconhecida?
Enfim, dessa analogia com o Semeador, é importante que nós, Doadores, fiquemos atentos à Instituição Filantrópica (ou ao tipo de Terra) à qual estamos destinando as nossas Doações (as sementes). Pois há o risco de as doações serem simplesmente inutilizadas logo de início e não terem a menor valia (as aves comem a semente); ou de produzirem resultados muito aquém do seu potencial (terra pedregosa); ou ainda de serem utilizadas em estratégias que podem parecer boas à primeira vista, mas que não se sustentam no médio prazo (terra com espinhos).