Como motivar DOADORES?

Por on 15/05/2025

A maior dificuldade das organizações do Terceiro Setor no Brasil é o acesso a doações / recursos financeiros para poderem executar os seus projetos sociais.

Para conseguir recursos por meio de licitação de empresas públicas ou privadas, ou ainda via recursos internacionais, é imprescindível competência técnica, cumprimento de certos critérios legais e/ou rede de networking, atinentes apenas às grandes organizações sociais.  

O fato é que a grande maioria das OSCs (Organizações da Sociedade Civil) no nosso país sobrevive à mingua de recursos. Sendo que, por outro lado, e normalmente a pouca distância dessas OSCs, convivem famílias e empresas que teriam condições e estariam dispostas a doar.

O que se vê no Brasil é que ao mesmo tempo em que há carência por doações para o terceiro setor, há também um potencial de doadores ainda muito pouco explorado.  O que fazer para unir essas duas pontas, que deveriam estar sempre conectadas e em sinergia?

O artigo vai apontar que (i) as famílias querem doar seletivamente para poucas organizações, querem conhecer de perto o trabalho social delas para poderem sentir confiança; e (ii) as empresas, por meio do seu investimento social, querem sobretudo fortalecer o seu ambiente de negócios, mas também precisam criar e manter vínculos com as comunidades onde atuam.

I – O que motiva a doação dos indivíduos e famílias?

Sob a ótica das pessoas e das famílias, cabe fazer a distinção entre doação e investimento de impacto.No primeiro caso (Doação ou Filantropia), a pessoa /família destina os seus recursos para uma OSC ou grupo comunitário apenas com o foco no retorno social, ou impacto social, a ser gerado. Ou seja, do ponto de vista do bolso do doador são os chamados “recursos a fundo perdido”.  Já no segundo caso (Investimento de Impacto), a pessoa / família aplica os seus recursos em um ‘fundo gestor de impacto’ ou em uma ‘empresa de impacto` com duas finalidades bem distintas: (i) obter retorno / rentabilidade econômica para si próprio a partir daquele capital empatado, e (ii) contribuir para gerar o impacto social anunciado.

Nesse ítem I, vamos nos restringir às doações dos indivíduos e famílias.

A esse respeito vale a pena enumerar aqui os principais achados da pesquisa de grupo focal realizada com doadores de 20 diferentes estados dos Estados Unidos, intitulada “O ambiente das Doações: Entendendo Como os Doadores Tomam as suas Decisões de Doações”, que foi publicada em janeiro/2022 e conduzida pela Escola de Filantropia Lilly Family da Universidade de Indiana ( The Giving Environment: Understanding How Donnors Make Giving Decisions).

1 – Os doadores pretendem manter a sua taxa de doação consistente nos próximos anos e doar seletivamente para organizações e causas.

Afirmaram que querem ser mais “estratégicos” em suas doações e selecionarem menos organizações para doar e fazerem doações maiores. As organizações selecionadas tendem a ser principalmente organizações com as quais os participantes têm uma conexão ou relacionamento pessoal, e que conseguem demonstrar impacto positivo em sua comunidade local.

2 – Estar ciente do problema social e/ou das necessidades da organização pode moldar fortemente as decisões de doação e motivar as pessoas a doarem em resposta a crises ou necessidades percebidas.

3 – Eventos como a pandemia da Covid-19 e os movimentos por equidade racial e justiça social despertaram um desejo crescente nos doadores para poderem ter um impacto maior e de longo prazo nessas questões, por meio de suas doações. “Como queremos que as coisas evoluam, no mundo e nos EUA?”

4 – Os doadores manifestam o desejo cada vez maior de que as OSCs passem a comunicar o impacto dos seus programas / serviços sociais, e que eles (doadores) sejam informados de maneira mais envolventes e pessoal.

Embora os doadores entrevistados tenham descrito, de modo geral, o desejo de doar mais, eles também tendem a buscar organizações “que se esforçam mais para educar os doadores sobre o que está sendo feito com o seu dinheiro e como isso está fazendo a diferença“. 

Pessoas / famílias que doam localmente tendem a se concentrar mais em algumas poucas organizações do que em muitas diferentes, especialmente em se tratando de comunidades próximas a elas.

Muitos doadores mencionaram que as suas doações evoluíram de reativas para mais proativas, expressando o seu desejo crescente por um engajamento personalizado com as organizações beneficentes, e relatando que são mais propensos a doar para organizações que se comunicam regularmente, ao invés de apenas em momentos de crise.

5 – Conexões pessoais e relacionamento anterior com as organizações donatárias podem ser importantes impulsionadores para as doações.

6 – Como fatores mais influentes para moldar as decisões de doação são aqueles relacionadas a valores pessoais e experiências anteriores, e não aqueles relacionados à ´identidade social`. Por ‘identidade social’ entenda-se o ambiente social em que a pessoa foi criada em termos de religião, influência do grupo, experiências profissionais e de carreira.

7 – Embora os doadores entrevistados não tenham relatado diminuição recente em suas doações individuais, “a falta de consciência e de conhecimento dos doadores sobre os programas e questões das organizações filantrópicas foi considerado como o principal responsável por menores taxas de doações”.

Os captadores de recursos enfatizaram a necessidade de as organizações mostrarem claramente o impacto de seu trabalho e de darem aos doadores uma causa tangível para apoiar – pois a percepção de falta de impacto (da organização) pode ser responsável, sim, pelo declínio nas doações.

8 – Necessidade de as OSCs  se adaptarem às expectativas dos novos tempos, incluindo, por exemplo, a aceitação de pagamentos digitais e a mudança na forma como interagem com os doadores. Importante criar conteúdo mais envolvente nas redes sociais (site e instagram), incluindo imagens e vídeos para aumentar o engajamento. No que se refere ao ‘marketing por e-mail`, foi enfatizado a importância de as OSCs conseguirem se destacar entre as centenas de e-mails que os doadores recebem ao longo do dia.

9 – Embora tenha havido alguns relatos de diminuição nas doações, os captadores de recursosentrevistados expressaram preocupação sobre a sustentabilidade daquele recente aumento nas doações, acreditando que este padrão tenha sido temporário, advindo da crise da Covid-19 e da comoção pelo assassinato pela polícia de George Floyd.

Os doadores entrevistados concordam com a importância de as organizações filantrópicas desenvolverem relacionamentos com novos doadores, além de estratégias de engajamento, como convidar os doadores para visitá-los pessoalmente para que conheçam o seu trabalho.

10 – Importância de manter a confiança dos doadores nas organizações filantrópicas.

O doador que conhece o trabalho da organização (que apóia) sente confiança no trabalho que ela executa. Porém, alguns doadores se referiram a uma visão negativa da opinião pública (EUA, 2020) em relação à filantropia. Daí porque os captadores voltaram a enfatizar a importância de se seguir construindo confiança no trabalho das organizações sociais ao longo do tempo. “A confiança é algo que se constrói devagar, porém se perde rápida e abruptamente”.

Resumindo, a pesquisa da Universidade de Indiana (EUA) evidenciou quais são os principais fatores que motivam os indivíduos e famílias a doarem para as organizações filantrópicas, a saber:

  • Querem doar seletivamente para poucas organizações;
  • Querem doar para organizações que tenham sinergia com os seus valores pessoais
  • Querem conhecer de perto o problema social e as necessidades específicas da organização;
  • Querem poder fazer a diferença e “sentirem” que realmente estão tendo impacto social junto aos grupos e comunidades vulneráveis para os quais estão contribuindo;
  • Querem ser comunicados sobre como o recurso doado está sendo aplicado, e os resultados que estão sendo alcançados;
  • Querem desenvolver vínculos pessoais e/ou conhecer de perto como a organização filantrópica atua;
  • Querem ser comunicados de forma a elucidar o compromisso e a competência da organização apoiada;
  • Querem poder sentir confiança na organização apoiada – e poderem passar essa confiança para atraírem outros potenciais doadores;
  • Querem perceber o quão sustentável é o trabalho da organização filantrópica apoiada a ponto de poderem deixar um legado para ela.

Na realidade, esses achados da Universidade de Indiana já são percebidos por vários dos doadores brasileiros, porém foram reforçados  por essa pesquisa.  Que esses argumentos sirvam para reforçar as estratégias das organizações do Terceiro Setor no Brasil, de modo a conseguirem mobilizar cada vez mais recursos e apoio junto às pessoas e famílias no país.

II – O que motiva a doação das empresas?

Até bem recentemente, por volta do ano 2000, as empresas faziam as suas doações, movidas basicamente pelo sentimento de caridade e de assistência social às pessoas em situação de vulnerabilidade que lhe pediam ajuda. Predominava a máxima de que o que uma das mãos fazia (a da filantropia da empresa), a outra mão (a dos negócios) não precisava ficar sabendo.

Mas a partir deste milênio começou a ganhar força a ideia de que a filantropia corporativa, para além de ajudar as comunidades necessitadas, poderia ser usada também para primeiro, fortalecer a imagem / reputação da empresa e, segundo ser estratégico para o próprio negócio em si. Os grandes pensadores dessa nova abordagem, mais abrangente, foram Michael Porter e Mark Kramer (The Competitive Advantage of Corporate Philanthropy, HBR dec.2002).

Como percebi naquela época que a ação social corporativa começava de fato a ganhar impulso no Brasil, e na condição de “observadora crítica”, fiquei fortemente estimulada a desenvolver a minha tese de doutorado sobre esse tema.  Pois, uma vez que a filantropia estava passando a desempenhar um papel no contexto do negócio (ou do “business”), tornava-se relevante, a partir daquele momento, avaliar se o que a empresa anunciava fazer para as comunidades carentes e para o negócio, ela estava realmente fazendo.  

Foi daí que nasceu a minha tese de doutorado,  “Ação social das empresas privadas: uma metodologia para avaliação de resultados” , defendida junto à Fundação Getulio Vargas /Ebape em 2004. E que mais à frente, se desdobrou em dois outros livros – Ação social das empresas privadas: como avaliar resultados? A metodologia EP2ASE  (FGV, 2005), e Projetos sociais corporativos: Como avaliar e tornar essa estratégia eficaz (Atlas, 2010) .                                                                                                                         

O ponto a destacar aqui é que diferente do caso anterior dos indivíduos e das famílias, em que há uma distinção de sentido entre doação e investimento de impacto, no caso das empresas, a partir do ano 2000 a doação feita por elas perde aquele caráter de ajuda aos desfavorecidos, para adquirir o sentido único de Investimento Social Privado.  

Assim, nesse ítem II do artigo, o foco é na doação das empresas com esse sentido de investimento social corporativo. Nessa condição de ‘investimento`, a doação das empresas pressupõe retorno econômico para o negócio e retorno social para as comunidades atendidas.  Então, quais os motivadores para as doações das empresas?

No meu livro mencionado acima (Projetos sociais corporativos: Como avaliar e tornar essa estratégia eficaz), no capítulo 6 eu analiso quais são essas motivações, no âmbito do conceito da ‘eficácia privada` dos projetos sociais corporativos, executados diretamente ou financiados pela empresa. E no capítulo 8, eu trato sobre como incluir esses motivadores no planejamento, avaliação e comunicação junto aos públicos relevantes da empresa.

Sem dúvida, de 2000 para cá, o principal motivador para as doações das empresas tem sido em questões sociais que possam ter a maior sinergia possível com o chamado “contexto competitivo” da empresa. Pois, só dessa forma as doações das empresas conseguem gerar retorno social e potencializar o seu retorno econômico.

Por exemplo, ao investir em projetos sociais que atuam na capacitação dos jovens das comunidades do entorno, esse investimento social pode reverter na formação de mão de obra qualificada para a empresa. Da mesma forma, quando a filantropia corporativa contempla o desenvolvimento de empreendedores, que atuam (ou com chances de virem a atuar) na cadeia produtiva de suprimentos da companhia, essa também representa uma estratégia com efeito direto na produtividade da empresa.  Ou seja, o “onde” investir os recursos filantrópicos da empresa e o “como” investi-los (a escolha das organizações filantrópicas parceiras na execução dos projetos sociais) é que vão definir o fôlego da filantropia em alavancar os negócios.

Porém, como bem alertaram Porter e Kramer, o orçamento filantrópico das empresas não pode ser integralmente alocado em questões sociais do seu contexto competitivo.  Isto porque as empresas, na condição de “boas cidadãs”, precisam também responder a necessidades sociais pontuais, trazidas pela comunidade ou por organizações comunitárias.

As empresas também precisam conquistar e manter a sua “licença para operar” nos territórios em que atuam. Para isto, devem construir relacionamentos e desenvolver parcerias com os governos, empresas e instituições filantrópicas locais, no âmbito de um esforço coletivo para o enfrentamento das graves questões sociais atinentes às localidades em que atuam, como problemas de violência e tráfico de drogas. (figura abaixo).

Enfim, procurei reforçar que o que move as doações das empresas no Brasil é o seu desejo de ser uma empresa cidadã, de criar laços com outros atores relevantes em suas áreas de atuação, mas sobretudo é o objetivo de contribuir para o fortalecimento do seu ambiente de negócio. Assim, os esforços para a mobilização de recursos das organizações filantrópicas devem se guiar por esses pressupostos em suas solicitações junto ao setor corporativo – ou seja, na seleção das empresas para as quais demandar doações e em como abordar essas empresas.

TAGS
POSTS RELACIONADOS

DEIXE UM COMENTÁRIO

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.