No último Business Roundtable em 19 de agosto último, que é o encontro anual dos CEOs das maiores empresas norte-americanas, houve uma reviravolta. Eles defenderam abandonar a “supremacia do shareholder” (acionista) pelo foco nos stakeholders (públicos relevantes) das corporações, o que teve repercussão em âmbito mundial. A justificativa foi que “se as empresas não reconhecerem que o sucesso do nosso sistema depende de crescimento inclusivo a longo prazo, muitos passarão a levantar questões legítimas sobre o papel das grandes corporações em nossa sociedade”. Afinal, essa dicotomia shareholder X stakeholder já não estava mais do que superada?
Hoje em dia só se fala em empresa com impacto. Até mesmo no Brasil. Aliás, convido o leitor a ler a reportagem especial dessa semana da Revista do Valor – Lucro Com Causa, o novo normal dos negócios.
Na realidade o que está, e sempre esteve, em jogo é o papel da empresa na sociedade, ou melhor, a percepção da empresa pela sociedade.
Assim, do início do século XX até por volta de 1970, a empresa tida como inovadora, dinâmica e comprometida com a sociedade operava nos setores de, por exemplo, petróleo, siderurgia e automobilística. Essas empresas foram capazes de propiciar uma melhora substancial no conforto e na qualidade de vida da população em geral, nunca dantes experimentado. Se os seus empregados ficavam exauridos e a natureza esburacada tal se devia aos efeitos colaterais do progresso, e era o preço a se pagar. Naquela época o que tinha que ser garantido era o lucro dos acionistas, senão a empresa morria. Nesse período, a Teoria do Shareholder dominou altaneira.
Porém, ao longo das décadas de 1970 e 1980, o recrudescimento dos movimentos sociais nos EUA por direitos civis, por melhores condições de trabalho, de consumo, preservação do meio ambiente, direitos das mulheres fez alterar significativamente o modo como as empresas eram percebidas pela sociedade. Elas passaram a ser fortemente criticadas por exploraram todos os grupos da sociedade em benefício exclusivo dos seus acionistas, estes sim cada vez mais ricos e prósperos. E, como se sabe, a desigualdade de tratamento tem efeitos deletérios perversos.
Foi quando, no meio acadêmico, começou a ganhar força a Teoria dos Stakeholders, segundo a qual a empresa de sucesso cuida, não apenas dos seus acionistas (shareholders), mas de todos os públicos relevantes envolvidos com a empresa (stakeholders), ou seja, devendo incluir também os seus empregados, clientes, fornecedores, meio ambiente e comunidades do entorno.
Daí porque, nos anos 1990-2005, a Responsabilidade Social Corporativa (RSC) tornou-se um valor organizacional cobiçado e em ascensão. Para isto, foram criados Índices e balanços, para medir comportamentos socialmente responsáveis; e também Prêmios e Certificações para conferir o devido reconhecimento. No Brasil, alguns exemplos foram os Indicadores Ethos de RSE (2000), o Balanço Social e o Selo Ibase (1999), o Fundo (de ações) ABN AMRO-Real (2001), e o Prêmio Valor Social (2001).
Por volta de 2005, o termo RSC já havia se tornado desgastado e criticado, pois ficou associado a atitudes defensivas das empresas e de mero cumprimento (compliance) de normas. Outra roupagem teve que ser vestida pelas empresas para fugir a essas novas críticas da sociedade. Ainda baseadas na Teoria dos Stakeholders, as empresas passaram a se guiar por um novo conceito, o da Sustentabilidade Empresarial, entendido como o compromisso (commitment) de longo prazo da empresa com os seus stakeholders. Exemplificando, no Brasil foi criado em 2005, na então Bovespa, o ISE – Índice de Sustentabilidade Empresarial, para agrupar as ações das empresas tidas como sustentáveis.
Porém, novamente se constatou que muito pouco mudara, na percepção da sociedade, em relação ao papel das corporações. Tanto que em 2011 “continuava generalizada a visão de que a empresa prosperava às custas da comunidade que a cercava. E, para piorar, quanto mais era adotada a responsabilidade empresarial, mais a empresa foi sendo responsabilizada pelos problemas da sociedade”.
Foi quando nova revolução se deu no pensamento acadêmico com a proposição do conceito do Shared Value (ou Valor Compartilhado), por Porter e Kramer. De acordo com a Teoria do Valor Compartilhado, a empresa deve criar valor econômico em paralelo com a criação do valor social. Assim, ao mesmo tempo em que a empresa atua para aumentar a sua competitividade, ela atua para melhorar as condições socioeconômicas das comunidades em que atua. Sob essa nova ótica, a geração do valor social não pode ocupar posição periférica no contexto da empresa, como acabou ocorrendo na Teoria dos Stakeholders.
Sobretudo de 2015 para cá, o mundo corporativo foi absorvendo a abordagem do valor compartilhado, sob uma nova denominação ou valor organizacional – o da empresa com impacto (ou empresa com causa; ou empresa com propósito). Hoje em dia, quase todas as empresas já trazem na ponta da língua qual é o seu propósito social. Pois o propósito (social ou ambiental) se transformou na senha para que a empresa seja valorizada pela sociedade e consiga captar novos investidores.
Será que vai mudar a percepção da sociedade em relação ao papel das empresas? Não será a ´empresa com impacto` apenas uma nova roupagem para continuar vestindo a “supremacia dos shareholders”? E o rei vai continuar nu..…
Concluindo, procurei mostrar que, ao longo dos últimos anos, a empresa foi sempre trocando o discurso, ou a roupagem, de acordo com as críticas da sociedade que foram surgindo. E com o tempo acabavam aflorando as inconsistências entre o discurso e a prática das empresas, e lá vinha novo discurso…..
O fundamental é perseguir a coerência entre a retórica e a prática, isto é, de fato buscar atingir o que se anuncia. Mas só anunciar o que for realmente desejável, realista e viável de ser alcançado pela empresa.