Escolher uma ONG com credibilidade é fácil no Brasil?

Por on 13/06/2019

Bem interessante a entrevista recente do José Luiz Setúbal na revista Veja. Um dos sete filhos de Olavo Setúbal (fundador do Banco Itaú), ele é médico pediatra e, atualmente aos 62 anos de idade, já doou mais de 20% do seu patrimônio em vida. Em 2010 criou a Fundação que tem o seu nome (Fundação José Luiz Egydio Setubal – FJLES), cuja missão é “promover a saúde infantil por meio da assistência, e da geração e disseminação do conhecimento” de modo a apoiar as políticas públicas.

É preciso estimular a filantropia no Brasil…..

Juntamente com Elie Horn, criador do Instituto Cyrela, eles formam a dupla dos grandes estimuladores da filantropia no Brasil. E, o mais importante, dão o exemplo por meio de atitudes concretas em suas vidas, procurando unir a filantropia com as suas expertises.

Na entrevista à revista, o médico chama a atenção para dois fatos importantes. Primeiro, no Brasil, comparativamente a outros países, se doa pouco (ver também: CAF – WGI, 2018). E, segundo, proporcionalmente à sua capacidade de doação, o rico no Brasil doa menos do que o pobre.

A seu ver, iniciativas como The Giving Pledge, estimuladas por Bill Gates e Warren Buffet, não conseguem mobilizar os muito ricos (bilionários)  em nosso país, como nos Estados Unidos ou na França. A principal razão é o medo  de expor os familiares a sequestros e assaltos, tendo em vista a falta de segurança pública em nosso país.

Outra razão é cultural, pois o brasileiro rico tem vergonha de expor o seu nome como doador, tido como “coisa de novo rico”, ou seja, de pessoa que quer aparecer como sendo rico. Como admite o médico, a abordagem deveria ser o extremo oposto: o Brasil precisa justamente é de iluminar esses bons exemplos, para estimular a filantropia nas classes mais abastadas e nas grandes empresas.

Um fator comumente alegado para o baixo nível das doações em nosso país é a dificuldade em escolher uma ONG com credibilidade, que tenha um trabalho social relevante e efetivo. Para Setúbal essa explicação é desculpa e não convence, pois basta “escolher (a organização) com o mesmo rigor usado para contratar o CEO de sua empresa”. Ou indo além nesse exemplo, com o mesmo rigor com que se escolhe a babá para os filhos pequenos, ou o substituto no armazém quando o patrão não está.

Mas, será que é mesmo possível adotarmos algum rigor na escolha da organização para a qual pretendemos nos comprometer em contribuir, por meio das nossas doações?

Discordância e sugestão

Tendo a discordar aqui do Dr. José Luiz Setúbal. No Brasil, a grande dificuldade está no acesso às informações das organizações filantrópicas: o que elas fazem? Como elas fazem? Quem elas atendem? Qual a fonte de recursos? Quais os serviços oferecidos atualmente? Quais os resultados alcançados? Qual a sua história? Quem são os dirigentes e gestores? Que tipo de contribuição elas precisam? Como contribuir?

Não se pode negar que várias dessas informações  estão disponíveis com primor nos sites de algumas poucas organizações do terceiro setor, porém a grande maioria dessas organizações não tem site ou, quanto muito, um site bastante precário. Também, por outro lado e com certa frequência, recebemos ligações de telemarketing solicitando doações e apelando para a nossa compaixão frente ao sofrimento que nos é relatado.

O ponto é: não basta termos acesso às informações dessa ou daquela organização. Pois, até que ponto um site bem desenvolvido é tão somente uma peça de marketing? Ou até que ponto um pedido de ajuda por telefone é apenas mais um golpe de pilantras?

Precisamos, sim, de informações das organizações filantrópicas dadas de modo confiável, comparável e abrangente. Não precisam ser muitas informações, mas poucas e relevantes – ou seja, o mínimo de informações necessárias para que os potenciais doadores comecem a trilhar na direção da organização que eles poderão vir a apadrinhar.  Em outras palavras, o que precisamos inicialmente é de uma plataforma com as informações básicas de todas as organizações filantrópicas do país.

Nesse sentido, acredito que o Mapa das Organizações da Sociedade Civil, coordenado pelo IPEA, poderia ser um bom ponto de partida. Essa plataforma virtual já contém, para todas as OSCs brasileiras, alguns poucos dados da base CNPJ da Receita Federal (número do cnpj, endereço e área de atuação) e do antigo Ministério do Trabalho (empregos com carteira) que já foram compulsoriamente transferidos para ela. Porém, o nível de inclusão dos dados no Mapa, que é de caráter voluntário, ainda é muito baixo. A grande maioria das organizações não preenche os seus dados nesse Portal.

Daí porque a minha sugestão é a de que, fazendo uso da infra-estrutura tecnológica do Portal que já existe, dever-se-ia buscar selecionar, a partir dos indicadores já incluídos no Mapa,  um cardápio mínimo de indicadores relevantes, e depois criar estímulos para que todas as organizações passassem a alimentar regularmente esses indicadores.

Isso posto, em um primeiro momento o doador recorreria a esse Portal para uma triagem inicial das organizações que atendam a seus critérios pessoais para doação – que podem ser em função da causa social, do tipo de trabalho que realizam, da localização, do tipo de contribuição que elas necessitam, do acesso às organizações, do tipo de prestação de contas, das referências aos dirigentes, dentre outros critérios.

E, em um segundo momento, o doador entraria em contato direto com os representantes dessas organizações pré-selecionadas para conhecê-las de perto e, assim, poder decidir com qual delas ele vai assumir o compromisso daí para frente,  de uma doação sistemática, isto é, regular e pré-definida. Nessa fase, a organização deve ser capaz de apresentar evidências da solidez e eficácia do seu trabalho social

Como se vê, para seguirmos a recomendação do Dr. José Luiz Setúbal  do “rigor na escolha da ONG a apoiar”, duas pré-condições se fazem necessárias: (i) acesso a uma plataforma com as informações básicas de todas as organizações filantrópicas do país; e (ii) cada organização deve ter uma base de dados capaz de apoiar e demonstrar o que ela faz, como faz e que resultados atinge.

Infelizmente essas duas pré-condições ainda não estão dadas no Brasil – é um caminho em que precisamos avançar!

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2 Comentários
  1. Responder

    Joseluiz

    13/06/2019

    Olá Maria Cecília
    Não creio que você discorde de mim, só teve mais espaço para expor suas ideias. O jornalista colocou no papel o resumo de 3 horas de conversa, realmente fez um milagre

    • Maria Cecilia Prates Rodrigues
      Responder

      Maria Cecilia Prates Rodrigues

      14/06/2019

      José Luiz,
      ótimo saber que concordamos.
      De fato, é um caminho importante que precisamos começar a avançar aqui no Brasil, para que as organizações do terceiro setor consigam mobilizar mais recursos junto ao setor privado – pessoas e empresas.

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.