Filantropia: relação (também) com os problemas ambientais?

Por on 21/05/2019

Filantropia tende a vir quase sempre associada à busca de solução para os problemas sociais. Filantropia tende a ser vista como uma ação privada de apoio a outra(s) pessoa(s) que precisa(m), seja por meio de doação de dinheiro, tempo, conhecimento e experiência.

Porém, é menos comum  ver a filantropia com o foco na solução de problemas ambientais. Talvez porque os problemas ambientais sejam percebidos como sendo da esfera do setor público, pois dizem respeito a bens de domínio público (rios, florestas, ar, montanhas, oceanos, et…)   Possivelmente também porque indivíduos isolados, como é o caso dos filantropos, percebem que o poder de contribuição deles é relativamente pequeno frente às questões de meio-ambiente, e que eles podem ter um efeito multiplicador maior e mais visível quando cuidam dos problemas sociais.

Há a impressão de que a filantropia contribui pouco para as causas ambientais.

 

Filantropos e Meio Ambiente

Jeremy Grantham é um bem sucedido co-fundador e gestor do fundo GMO sediado em Boston (EUA). Em 1997, ele e a esposa empenharam 98% da fortuna bilionária deles na criação da  Grantham Foundation , voltada para a proteção do meio ambiente.

Segundo Financial Times (09.05.2019), ele está muito preocupado com as mudanças climáticas que vêm ocorrendo.  Para Grantham, elas representam uma ameaça real, e o pior, a humanidade ainda não se deu conta, “parecem cegos, com uma grande facilidade para esconderem a cabeça na areia” e não verem a realidade em volta deles “A questão central é se o nosso planeta é capaz de continuar a sustentar nossa espécie”.

O alerta contundente dele vai para os colegas filantropos sediados nos Estados Unidos, que doam “meros desmoralizados” 2% de suas fortunas para as causas ambientais. “Qual o sentido de doar para as universidades ou museus ou orquestras se tudo vai acabar muito mal, com o fim da humanidade?”

Será que Jeremy Grantham tem razão?

 

A gravidade dos problemas ambientais

A gravidade dos problemas ambientais, exemplificada nos dois casos a seguir, aponta para a necessidade urgente de parcerias em favor do meio-ambiente. Atente para o fato de que foram casos divulgados em um mesmo jornal, e em um mesmo dia da semana passada  (Valor Econômico, 13.05.2019). Imagina, então, se o período da pesquisa fosse estendido por um prazo maior, quantos casos graves de adversidade ambiental não detectaríamos?

 

Caso 1 – Secas prolongadas na África. Necessidade de inovações. 

Aparentemente não temos qualquer problema de escassez de água, pois as águas dominam 75% do nosso planeta. Porém, 97% da água visível no planeta está nos oceanos e é salgada; dos 3% restantes, 2,2% estão na forma de gelo; 0,6% embaixo da terra, 0,1% na atmosfera; e apenas  0,1% da água do planeta está nos rios e lagos, imediatamente ao alcance das mãos. Sem dúvida, foi sempre assim. Só que agora os impactos da mudança do clima, do crescimento populacional, da  urbanização acelerada e do crescimento agrícola estão tornando cada vez mais graves e prolongadas o problema das secas e estiagens.

José Graziano da Silva, diretor brasileiro da ONU/FAO, analisou (leia artigo) o caso da região do Sahel, uma faixa no centro da África onde vivem quase 500 milhões de habitantes em situação de extremada pobreza (ou seja, mais do dobro da população do Brasil). Eles têm sofrido com secas cada vez mais prolongadas e intensas, agravando a fome e o sofrimento na região.

A FAO, organização multilateral, deu início à implementação de um projeto-piloto de 1 milhão de cisternas no Sahel, a partir da experiência do Semi-Árido brasileiro. “A convivência com as adversidades climáticas está cada vez mais necessária; ela exigirá inovações técnicas e sociais articuladas pelo princípio de que não existe vida sem água e  que  a água deve ser gerida como um bem comum”, alertou o diretor.

Essas cisternas exemplificam uma tecnologia social para conviver com as secas. Outro tipo de inovação seria a dessalinização e o aproveitamento da água do mar. Outro modo de convivência é a educação para o uso responsável da água.

 

Caso 2 – Desmatamento na Amazônia. Uso de tecnologia e governo.

Nesse início de maio, foi realizado na Universidade de Harvard (EUA)/ Centro David Rockefeller o Congresso “Amazonia and our Planetary Futures: a Conference on Climate Change”, com o apoio do Instituto Arapyaú e do Instituto SocioAmbiental (ISA), ambos brasileiros.

A boa notícia do evento (leia reportagem) foi o lançamento (jun.2019) do MapBiomas, um instrumento capaz de produzir, em segundos, relatórios técnicos indicando áreas de desmatamento, com a localização precisa, a data da ação e o CNPJ do proprietário. “Com a nova plataforma digital, os fiscais não precisarão gastar tempo (enorme) fazendo laudos, que agora saem em tempo real. Podem concentrar esforços para agir…. Ou seja, se o governo brasileiro quiser, a partir de junho poderá punir desmatadores em tempo recorde”.

Tida como o maior centro de biodiversidade do mundo, a Amazônia já teve entre 20 a 25% da sua área total desmatada. Nesse Congresso realizado nos EUA, ficou clara a preocupação com o desmatamento da Amazônia. “Como reduzir a zero as taxas de desmatamento da Amazônia?”

Uma das propostas apresentadas no evento foi a de abandonar o velho modelo de desenvolvimento adotado na região, baseado em mineração, desmatamento e agricultura extensiva. Pois senão, a Amazônia vai desaparecer. É preciso seguir por um novo paradigma de desenvolvimento sustentável, o da “bioeconomia”, que, com o uso de tecnologia de ponta, preserve a floresta e valorize os povos locais.

Fica a pergunta: Até que ponto o governo brasileiro consegue conduzir o desenvolvimento sustentável na Amazônia, como sugerido nesse Congresso da Universidade de Harvard?

 

Filantropia: abrangente, porém insuficiente

Filantropia tem significado abrangente – vem do grego, e quer dizer  “amor à humanidade”. Inclui pessoas e natureza, não há como separar um do outro. Não se restringe, pois, às causas sociais.

O filantropo é aquele que faz uma doação – tempo, dinheiro, experiência, habilidades, redes de contatos –  com o objetivo de criar um mundo melhor.

Os dois casos apresentados ilustram a gravidade dos problemas ambientais. Também evidenciam setor público e organizações filantrópicas já atuando em parceria. Mostram que as questões sociais e ambientais estão sempre muito interligadas: a seca no Sahel e o desmatamento na Amazônia têm agravado a pobreza nessas regiões, e vice-versa.

Porém, como afirmou Jeremy  Grantham, no longo prazo a humanidade desaparecerá do planeta, se os problemas ambientais não forem equacionados.  Ele conclama por maior apoio dos colegas filantropos para as causas ambientais. Alerta importante, dada a gravidade dos problemas ambientais que estão se acelerando. Porém, para além da filantropia, é necessário união de todos – empresas, governos e indivíduos – para promovermos mudanças firmes de comportamento, e nos modos de produzir e consumir.

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1 comentário
  1. Responder

    Maria Inês

    27/06/2019

    Dra. Maria Cecília! No dia em que a ministra alemã, Ângela Merkel, “chama a atenção” do Brasil pelo desmatamento da Amazônia, por coincidência, leio este seu artigo. Mais que filantropia, o que a Amazônia precisa é que o mundo, sobretudo os países desenvolvidos que já desmataram suas próprias terras sem dó, contribua com o pulmão da Terra. A AMAZÔNIA toma cerca de 50% do nosso território. Cadê as contribuições para que isso se realize?

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.