Imposto Sobre Grandes Fortunas no Brasil: resolve?

Por on 27/07/2022

Possivelmente dada a proximidade das eleições no Brasil, voltou a se falar muito sobre a implementação do Imposto Sobre Grandes Fortunas (IGF) como forma de combater a pobreza e as desigualdades sociais no país.  É uma medida já prevista desde a Constituição Federal de 1988 (art. 153), bastaria implementá-la. O Brasil ainda continua liderando o ranking dos países mais desiguais no mundo (7º ou 8º país nessa classificação). Seria essa uma estratégia realmente efetiva? Ou será que essa estratégia iria, ao contrário, acabar penalizando sobretudo os mais pobres?

Não tenho uma resposta formada sobre essa questão. Evidentemente com base no senso da lógica e da generosidade seria mais do que razoável supor que o grupo dos muitos ricos e dos bilionários do país devessem ser taxados, sim,  para que o Estado (por meio da arrecadação de impostos) pudesse aplicar em políticas públicas adequadas para gerar desenvolvimento humano equilibrado para todos os cidadãos.   A princípio parece mais do que justo.

Porém, artigos recentes do Inteligov  e do ex-ministro da fazenda Mailson da Nóbrega  fazem acender uma luz amarela. Eles apontam que a implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) não tem sido uma experiência exitosa nos países que  tentaram implementá-lo. Assim,  dos 37 países que compõem a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), grupo para o qual o Brasil anseia por entrar, 12 deles instituíram o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) – Alemanha, Espanha, França, Dinamarca, Áustria, Noruega, Islândia, Finlândia, Luxemburgo, Suécia, Suíça e Holanda). Porém, atualmente em apenas três desses países o IGF continua mantido  – Espanha, Noruega e Suíça. Sendo que nos casos da Noruega e da Suíça, o imposto é descentralizado, arrecadado pelos governos regionais e cobrado somente de pessoas físicas.

Na França, por exemplo, o IGF foi instituído na década de 1980,  tendo sido revogado em 2017 sob a justificativa da  “facilidade de driblar o imposto, o que vinha acarretando a fuga de capitais do país”.  Na Alemanha, foi o próprio Sindicato dos Servidores Fiscais que pediu a sua extinção, dado que era um imposto “custoso para administrar, gerava pouca receita e desestimulava a atividade empreendedora no país”.

Nos Estados Unidos não há registro sobre a existência do imposto sobre grandes fortunas. Mas o presidente atual, Joe Biden, submeteu à aprovação do Congresso Nacional, nesse início de 2022, a criação de um imposto dessa natureza sobre os bilionários do país, que são estimados em torno de 700 .

Já na  América do Sul, Argentina, Bolívia e Uruguai adotaram o tributo, mas apenas o Uruguai o fez de maneira permanente. A Argentina e Bolívia instituíram o IGF em caráter transitório durante a pandemia – sendo que na Argentina foi por uma única vez (ano 2021). No caso da Colômbia, o imposto também foi transitório (de 2019 e 2021); o governo até tentou prorrogá-lo sob a alegação da pandemia, mas não conseguiu por conta dos protestos.

Em síntese, a prática tem mostrado que o IGF tem gestão cara, arrecada pouco e  ainda desestimula os investimentos no país.  Na Holanda, 26,4% da receita com o IGF era gasta para arrecadá-lo, isto é, a um custo operacional muito elevado.   Levantamento da OCDE aponta que alguns países europeus que mantiveram a aplicação do imposto até 2016 conseguiram arrecadar apenas entre 0,18% e 1,03% de seus Produtos Internos Brutos (PIBs) – ou seja, um valor significativamente pequeno.  

Se considerarmos que a atual carga tributária no Brasil já está na casa dos 34% do PIB, o que se conclui é que na realidade a contribuição do IGF (supondo um acréscimo em torno de 1% do PIB) seria mínima para solucionar as questões estruturais de pobreza e exclusão social no Brasil.  E, o pior, ainda correndo o risco de a implementação do IGF deteriorar o ambiente de investimentos no país, seja dificultando a atração e/ou a retenção do capital produtivo no país.

Se vão ser taxados os lucros das grandes empresas muito bem-sucedidas e as poupanças das pessoas (físicas) muito ricas, então, racionalmente falando, essas pessoas se veriam frente a 3 opções: (i) criar mecanismos para driblar o imposto; (ii) expandir suas empresas ou investir suas aplicações fora do país; (iii) aceitar a cobrança do IGF, porque têm a convicção de que se trata de medida socialmente justa e correta. No caso das duas primeiras opções, a cobrança do IGF seria inócua, ou então serviria como um freio para os negócios no próprio país, com isso reduzindo as possibilidades de geração de trabalho, renda e desenvolvimento.

Eficácia do IGF (se for implementado no Brasil)

A meu ver, o ponto central nessa discussão está relacionado tanto à eficácia do processo de taxação dos muitos ricos (pessoas e empresas) como também à eficácia dos resultados sociais alcançados. O conceito de “eficácia” é aqui definido como sendo o alcance satisfatório dos objetivos esperados da iniciativa, seja os objetivos de resultado como os objetivos de processo. Muitas vezes, o termo “efetividade” é usado com o sentido de eficácia de resultados.

No caso da eficácia do processo, há que se verificar se o processo de taxação do IGF  será conduzido pelo governo de modo a atender determinados critérios, tais como:

  • O IGF incidirá realmente sobre as pessoas muito ricas e as empresas “super lucrativas” do país?  Como especificar “pessoas muito ricas” e “empresas super lucrativas”?  Ou seja, vai-se conseguir fazer uma focalização precisa sobre quem taxar?
  • Como será a aceitação do imposto junto ao seu público-alvo, no caso os muito ricos do Brasil?  Vai condizer com o esperado? Ou que tipo de ação será necessária para ampliar essa aceitação?
  • Vai-se conseguir arrecadar o montante previsto de IGF? Ou será que a taxa de evasão ficará muito além do esperado? Conseguiremos lidar com as possíveis causas dessa evasão?
  • Qual será o percentual do IGF no total da receita tributária (governo federal +estadual + municipal)?
  • Para viabilizar a arrecadação será necessária uma estrutura operacional e fiscalizatória complexa e onerosa?  A ponto de inviabilizar economicamente a iniciativa do imposto….
  • Será que conseguiremos  identificar e quantificar com clareza os efeitos colaterais negativos associados ao IGF, tais como fuga de aplicações do mercado financeiro nacional, redução /desaceleração dos investimentos estrangeiros (no país), reinvestimento/expansão das grandes empresas nacionais para fora do país?

No caso da eficácia de resultados, há que se verificar se a destinação dada (pelos governos) aos recursos apurados com o tributo vai conseguir promover mudanças no campo da justiça social e redução da pobreza e das vulnerabilidades sociais.   Há, pois, que se investigar aspectos, tais como:

  • Haverá transparência no uso específico dos recursos do IGF?  Como se dará a sua governança?
  • Ou será que o valor arrecadado com o IGF vai entrar para o bolo da receita tributária total dos governos e, com isso, perder a sua identidade (que é a de imposto voltado para reduzir pobreza e exclusão social)? 
  • Como será feita a alocação dos recursos arrecadados entre as esferas federal, estadual e municipal?
  • Como saber se o recurso será aplicado exclusivamente em questões básicas de saúde, educação, saneamento, habitação, assistência social, sempre com o foco nos mais pobres e carentes de oportunidades?  Vamos conseguir medir o seu impacto social no médio e longo prazo? 
  • Vamos conseguir potencializar os recursos do IGF, construindo boas parcerias com o setor privado lucrativo e não-lucrativo?

IGF  X  Filantropia

Outro questionamento relevante é se seria mais efetivo que as pessoas muito ricas e as empresas super lucrativas dessem  a sua contribuição para a redução da pobreza e das desigualdades sociais em seus países por meio da filantropia – ao invés da taxação compulsória.  

A questão que se levanta é se a eficácia da filantropia dos “muito ricos” (tanto de processo como de resultados) poderia ser muito mais elevada do que a implementação do IGF. Isso porque a “filantropia dos muito ricos” poderia ter uma operacionalização mais simples, menos onerosa e mais colaborativa. Ademais, poderia ter destinação mais focada nas necessidades das populações vulneráveis do território e com possibilidades de impacto social mais direto e com maior transparência.

Evidentemente, e como mencionado acima, também aqui há que se estabelecer a priori o conceito de “muito ricos” , seja pessoas/famílias ou empresas.

Nessa hipótese da “filantropia dos muito ricos” o papel central caberia aos governos (seja municipal, estadual ou federal) no sentido de delimitarem (suas) áreas estratégicas para os indivíduos /empresas “muito ricos” poderem, então, selecionar as “suas” causas e, assim, entrarem como colaboradores comprometidos nesses territórios.  E, a partir daí, seria o próprio governo (ou a esfera de governo selecionada) que passaria a ter papel dinamizador e coordenador central da rede de parceiros daquele território com o foco no atendimento aos mais vulneráveis e na promoção da justiça social.  

CONCLUINDO, são questões como essas acima que devem nortear as discussões sobre a criação (ou não) do Imposto sobre Grandes Fortunas no Brasil. Há que se traçar cenários para se conseguir identificar se os efeitos sociais positivos do tributo mais do que compensam os efeitos (colaterais) negativos gerados.  Ou será que a filantropia bem direcionada dos “muito ricos” não poderia ser mais eficaz, seja em termos de resultados como de processo?

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.