Boa notícia: Institutos e fundações familiares desabrochando…..

Por on 19/12/2019

No final de novembro agora, com a divulgação do Censo GIFE 2018, me chamou a atenção a forte expansão havida, nos últimos 10 anos, no número de institutos e fundações familiares em relação aos demais grupos dos investidores sociais privados do GIFE.

 

Censo GIFE – que pesquisa é essa? Que conceitos são esses?

 

O GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas) é a associação dos investidores sociais privados do Brasil, que podem ser institutos, fundações ou empresas. Foi criada em 1995, há quase 25 anos atrás, quando o terceiro setor começava a ganhar força no país.  Dito isso, podemos dizer que o Censo GIFE 2018  teve por base os associados do GIFE em 2019 [total de 159 associados] que responderam, de modo voluntário, à pesquisa referente ao ano-base 2018.

Mas, o que são Investidores Sociais Privados (ISP)?

Na definição do GIFE, os investidores sociais privados (ISP) são aquelas “organizações que praticam o repasse voluntário de recursos privados de forma planejada, monitorada e sistemática para projetos sociais, ambientais, culturais e científicos de interesse público”. Tanto podem ser organizações que captam recursos de terceiros e repassam (financiadoras), ou organizações que têm recursos próprios e executam os seus projetos (executoras) e/ou ainda repassam para terceiros (financiadoras).

Os associados do GIFE são subdivididos em 4 subgrupos,  tendo o  segmento das famílias saltado do menor subgrupo em 2008 para o 2º mais numeroso em 2019:

    1. Empresas – quando as próprias empresas conduzem diretamente o seu investimento social privado, seja como financiadoras e/ou executoras. Correspondem a 13% do número total dos associados em 2019;
    2. Institutos e fundações empresariais (51%) – representam o “braço social” das empresas para atuar no ISP;
    3. Institutos e fundações familiares (21% dos associados);
    4. Institutos e fundações independentes (15% dos associados), são as instituições que não têm um vínculo institucional específico, seja com uma empresa, ou uma família, ou outra organização.

Com exceção do 1º subgrupo (que é o setor corporativo), os 3 outros subgrupos fazem parte do chamado terceiro setor, conhecido como o setor das OSCs (Organizações da Sociedade Civil) – ou, no jargão técnico e mais restrito do IBGE, das FASFIL (Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos). As organizações do terceiro setor têm 5 características básicas:  são de natureza privada, não têm fins lucrativos, são institucionalizadas, autoadministradas e de caráter voluntário.

Do ponto de vista jurídico, tendo por base no Código Civil Brasileiro (Lei n. 10.406/2002) , são apenas  3 os tipos de organização que compõem o terceiro setor, a saber: fundação privada; associação sem fins lucrativos; e organização religiosa (sendo que essa última também considerada como associação até 2003).

Se, pois, não existe a categoria dos Institutos, como ela é tão utilizada no Censo do GIFE? E qual a diferença entre associação e fundação privada? E por que algumas organizações estão classificadas como OSCIPs?

As associações são pessoas jurídicas, de direito privado, sem fins lucrativos constituídas em torno de um objetivo comum, sem interesse de dividir resultado financeiro entre elas, devendo toda a renda proveniente de suas atividades ser revertida para os seus objetivos estatutários. Já as fundações privadas são as pessoas jurídicas, de direito privado e sem fins lucrativos,  constituídas em torno de um patrimônio destinado a servir a uma determinada causa social, definida por seu instituidor em vida ou após a sua morte, por testamento.

Por sua vez, o termo Instituto não tem uma conotação jurídica específica, sendo utilizado bastante pelo terceiro setor (mas não só).   Trata-se, pois, de uma denominação adotada na razão social ou no nome fantasia dessas entidades, sejam elas fundações privadas ou associações, sobretudo quando elas atuam no campo da pesquisa científica e inovação.

Quanto aos termos OSCIP (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) e OS (Organizações Sociais), eles dizem respeito a qualificações que são outorgadas, respectivamente, pelo Ministério da Justiça (Lei Federal nº 9.790/99) ou pelo poder público publico federal/estadual ou municipal (Lei Federal nº 9.637/98) a  OSCs em geral, quando se faz necessário e em havendo determinados requisitos atendidos. (Abrir uma ong, oscip ou instituto?)

 

Como evoluiu o subgrupo dos Institutos e fundações familiares do GIFE?

De 2008 a 2019, o número total dos associados do GIFE aumentou em 46%, passando de 109 para 159 organizações. Quando se consideram os 4 subgrupos de investidores sociais em separado, o subgrupo dos institutos e fundações familiares foi o que mais cresceu (312%), de 8 para 33 organizações, bem acima dos institutos e fundações empresariais (+51%) e dos institutos e fundações independentes (+37%). Nesse ínterim, o subgrupo das empresas até chegou a cair (-16%), de 25 para 21 empresas.

À primeira vista, qual poderia ser a explicação para essa maior expansão das famílias vis-a-vis aos demais subgrupos de associados do GIFE?

Primeiro, no caso do ISP empresarial, o desempenho declinante da economia brasileira a partir de 2011, agravada após 2014, certamente contribuiu para desacelerar ou frear  os programas sociais corporativos, seja os diretos (através da própria empresa)  ou os indiretos (através do seu “braço social”).  Segundo, a entrada em cena das gerações dos novos herdeiros  de famílias empresariais bem sucedidas e muito ricas, que estão optando por abrir os seus institutos e fundações em prol de suas causas sociais. E terceiro, não se pode esquecer o efeito estatístico, uma vez que a base de comparação em 2008 era muito pequena para o segmento familiar (8 organizações apenas).

Em se tratando do valor investido, vale destacar que a contribuição do segmento familiar ainda está muito aquém do segmento empresarial. Assim, no ano de 2018, do total dos R$ 3,25 bilhões investidos pelo conjunto dos associados do GIFE, os institutos e fundações familiares investiram R$ 386 milhões, bem atrás dos institutos e fundações empresariais (R$ 1,9 bilhões) e das empresas (R$ 633 milhões), ficando pouco à frente dos institutos e fundações independentes (R$ 295 milhões).

Mesmo menor, é um resultado para ser comemorado se considerarmos que a mediana do valor investido em 2018 pelos institutos e fundações familiares chegou a  5,7 milhões ao ano (significando que metade das organizações investiu abaixo desse valor, e a outra metade acima), um valor bem expressivo e que dá a relevância desse segmento para o ISP no Brasil.

É importante entender que, quando se cria uma fundação privada ou uma associação familiar, não são apenas os recursos alocados inicialmente pela família que vão garantir a sustentabilidade da organização. Esses recursos iniciais vão, na realidade, “servir de isca” para atrair novos recursos para a causa social em questão. Em  2018, as principais fontes dos recursos dos institutos e fundações familiares foram, nessa ordem: rendimentos de fundos patrimoniais, ou endowments (20,7%), venda de produtos e serviços (13,9%) mensalidades e contribuições associativas (12,4%), empresas mantenedoras (12,1%), grupos familiares / indivíduos mantenedores (11%); e outros rendimentos financeiros, exceto endowments (10,3%)

 

Institutos e fundações familiares do GIFE: quem são essas famílias?

No Brasil, o segmento dos institutos e fundações familiares ainda está desabrochando. Como visto, dentre os associados do GIFE, em 2008 eram apenas 8 organizações; agora já são 33. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, esse já é um segmento bastante consolidado.

A partir do site do GIFE (lista de associados – 2019) e de uma visita aos sites das próprias organizações, sistematizei algumas informações para podermos conhecer um pouco sobre os 33 institutos e fundações familiares que compõem o GIFE – Quais são? Quem são as famílias?  Quem criou, e em que circunstância especial?  Quando? Onde está a sede? Principal área de atuação, e alguma especificidade?

TABELA – Institutos e fundações familiares: quais? quem? onde? quando? como?

(CLICAR NO LINK ABAIXO PARA VER)

Institutos e fundações familiares, GIFE 2019 (Elaboração própria)

 

A partir dessas informações levantadas (LINK ACIMA), algumas características centrais chamam a atenção:

  • Os institutos e fundações familiares representam iniciativas filantrópicas de famílias que ficaram muito ricas (bilionárias), como consequência de suas empresas ou negócios da família que foram muito bem sucedidos, nos mais diferentes campos de atuação – financeiro, construção, comunicação, comércio, equipamentos, política, esporte, dentre outros.
  • Em alguns casos foram os próprios fundadores da empresa que criaram o instituto / fundação familiar. Mas, na maioria das vezes, têm sido os herdeiros que estão criando essas organizações sem fins lucrativos. Em ambos os casos, os fundadores são levados por um sentimento grande de generosidade, de idealismo e de poderem retribuir o muito que receberam em suas vidas.
  • Há casos em que, de uma única “família empresarial”, estão surgindo mais de um instituto e/ou fundação familiar, como por exemplos: famílias Setúbal; Moreira Salles; Marinho; Feffer; e Civita. A impressão é que o universo filantrópico familiar “de peso” no Brasil  ainda está contido e restrito a muito poucas famílias.
  • Dos 33 institutos e fundações familiares, 16 deles foram criados ao longo de 1954 a 2008, e os outros 17 entre (apenas) 2009 e 2019, evidenciando, assim, uma certa tendência de expansão recente.
  • Dos 33 institutos e fundações familiares, a grande maioria deles nasceu em São Paulo (70%). Tal seria previsível, uma vez que São Paulo concentra as famílias mais ricas do país.
  • Observa-se também uma forte concentração por área de atuação – 73% dos institutos e fundações familiares atuam no campo da educação. Em geral o argumento é de que a educação é a base para gerar a transformação social desejada.
  • Há diferentes motivações que levaram á criação desses institutos e fundações familiares: contribuir para um Brasil melhor (sentido abrangente); deixar um legado em nome de um ente querido da família que faleceu; motivação religiosa e de ajuda ao próximo; estimular a pesquisa em campos considerados relevantes sob a ótica do fundador; sintonia com o campo de atuação da empresa (do fundador); sintonia com o campo profissional do fundador; dentre outras.

 

Concluindo……

O grande desafio pela frente, relacionado à filantropia das famílias muito ricas ( bilionárias) no Brasil, está em fazer com que a Lei 13.800 de janeiro desse ano de 2019, que regulamentou a formação e o funcionamento dos fundos patrimoniais no Brasil,  consiga trazer segurança jurídica para estimular novas famílias a criarem os seus institutos e fundações para atuarem em prol das questões sociais tão prementes em nosso país. O livro do IDIS recém lançado (Fundos patrimoniais filantrópicos – Sustentabilidade para causas e organizações) é um bom começo nesse sentido.

 

 

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.