Investimento Social na Comunidade e ESG: não basta a empresa ter!

Por on 26/09/2022

Dos anos 1990 para cá, o movimento da Responsabilidade Social Corporativa (RSC) evoluiu e hoje é mais conhecido pela denominação ESG (do inglês Environemntal, Social and Governance). Diz respeito ao modo de operar das empresas, não apenas centrado nos interesses de crescimento e lucratividade dos seus donos / acionistas (shareholders), mas implica em incluir também aos interesses de todos os públicos envolvidos com a empresa (stakeholders).  Porém, será que basta a empresa incluir os procedimentos ESG para ela se tornar ESG?

Os dois tipos de desdobramento ESG

A atuação ESG pode ter dois tipos de desdobramento. O primeiro tipo é o que se dá no nível do processo, que inclui novas práticas e novos comportamentos da empresa em relação aos públicos envolvidos com ela – colaboradores, clientes, fornecedores, comunidades do entorno, governos e sociedade em geral. A empresa se esforça por cumprir todos os requisitos valorizados  atualmente para a empresa ser considerada ESG, tais como: boas práticas trabalhistas, diversidade, cuidados com os clientes, desenvolvimento de fornecedores, ética na governança, boa gestão de resíduos e do uso da energia, investimento social na comunidade do entorno, participação em fóruns ESG, elaboração de relatório de sustentabilidade; conquista de “selos”, certificações e prêmios.

Já em relação ao segundo tipo de desdobramento ESG, a empresa vai além do cumprimento de processos e rituais, e busca se comprometer com os resultados realmente gerados junto a cada público atendido. É quando a empresa, através do seu fazer diferente,  quer de fato contribuir para gerar o maior impacto social possível junto aos seus públicos, e busca se organizar / estruturar com esse propósito.  

Um exemplo: ESG e a comunidade do entorno

Exemplificando, suponha o caso do stakeholder “comunidade do entorno”, em que duas empresas tenham feito, cada uma, um investimento social de R$ 1 milhão em um determinado ano junto a crianças e adolescentes no seu território de atuação.  A empresa A atendeu, ao longo do ano, 10.000 crianças, adolescentes e seus familiares em diferentes eventos (pontuais) culturais, de esporte e lazer. Já a empresa B atendeu as mesmas 400 crianças e adolescentes, de modo regular e sistemático, no contra-turno da escola, com esporte, apoio pedagógico e reforço escolar ao longo de todo o ano.

À primeira vista, o programa social da empresa A parece impressionar mais, pois conseguiu atender 10 mil pessoas (e não apenas 400!) com o mesmo montante de recursos. Sem dúvida, a empresa A “agitou” bastante, fez muito movimento  e se tornou conhecida e  bem-vista no território.  Porém, tendo a considerar que o investimento social da empresa B, com um número muito menor de pessoas atendidas, tem um potencial de impacto social, de transformar vidas, bem maior. Isso porque tendeu a ter uma interação mais profunda com as crianças e adolescentes atendidas, possivelmente orientada por uma “teoria de mudança” já testada, com o objetivo de construir vínculos, abrir horizontes e dar oportunidades.

O que esse exemplo hipotético simples mostra é que para a análise do Investimento Social Corporativo, que é uma das dimensões da atuação ESG, não basta olhar apenas o montante dos recursos investidos (ou doados) pela empresa, o número de pessoas atendidas ou outros indicadores de processo. É fundamental levantar as evidências e os  indicadores de resultados alcançados junto às pessoas atendidas, de modo a identificar se a empresa está indo no caminho certo e o que é preciso ela fazer / modificar para alcançar resultados (de transformação) cada vez melhores.

Por que é preciso acompanhar os resultados sociais?

Continuando com o exemplo anterior, quando a empresa faz um investimento social na comunidade do entorno, certamente ela (empresa) vai querer colher o retorno econômico desse seu investimento. E não há nada de errado nisso. Pelo contrário, em 2005 criei a metodologia EP2ASE voltada para avaliar a “Eficácia Pública e a Eficácia Privada da Ação Social da Empresa”, isto é, para verificar de que forma o investimento social na comunidade beneficia a comunidade e também o negócio.

Assim, se ao fazer um investimento social na comunidade, a empresa pretende gerar benefícios para si própria [de imagem, reputação, de reconhecimento perante os seus pares e governos, de aumento de vendas, etc…), ela deve procurar também maximizar o uso dos recursos aplicados em benefício das populações atendidas. Quanto mais sólidos e sustentáveis forem os impactos sociais gerados, mais legítimo e verdadeiro se torna o desempenho social ESG da empresa na comunidade. E, portanto, mais distante de qualquer conotação do “feito apenas pra inglês ver”, com o foco em angariar frutos para a própria empresa.

Como a empresa deve procurar maximizar os seus resultados sociais na Comunidade?

Ainda considerando o stakeholder “comunidade do entorno”, como a empresa deveria alocar os seus recursos para conseguir maximizar os seus resultados (impactos) sociais?

Menciono a seguir seis passos a serem levados em consideração pela empresa para o planejamento e replanejamento (que deve ser permanente) do seu Investimento Social (ou programa social) na Comunidade.

  1. Cada empresa deve planejar o seu programa social em função de suas especificidades, levando em conta as necessidades do negócio, as suas necessidades de interação com determinados públicos específicos, a sua “licença para operar” em um dado território, as necessidades sociais dos territórios onde ela atua. Deve definir também se irá envolver os seus colaboradores, clientes e demais públicos na condição de voluntários e/ou apoiadores financeiros do programa social.
  2. Cada empresa deve definir como será o financiamento do seu programa social – se serão usados recursos incentivados provenientes de Leis de Incentivo Fiscal; e/ou se serão usados recursos próprios não-reembolsáveis via doação (filantropia); e/ou se serão usados recursos reembolsáveis com taxas de retorno (conhecido como finanças sociais ou investimento de impacto).  
  3. Cada empresa deve definir se vai atuar de modo isolado (em parceria com alguma OSC do território), ou de modo integrado dentro de um programa maior de impacto coletivo  ou de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável (DLIS), em que a empresa se torna um dos atores dentro de uma atuação maior conjunta, normalmente coordenada por algum órgão do governo ou alguma organização-líder.
  4. Cada empresa deve definir se vai elaborar / construir (ou não) o próprio programa social  na comunidade.  Em caso afirmativo, deve ouvir a comunidade-alvo sobre as suas necessidades e potencialidades (diagnóstico inicial), e depois juntos, empresa e comunidade, devem construir o programa social e decidir sobre como ele será conduzido – se pela própria empresa ou um braço social dela, ou por uma OSC (Organização da Sociedade Civil) executora. O programa social não pode ser assumido como um “presente” da empresa para uma comunidade cheia de carências………..Sugiro aqui a leitura da parte IV (Proposta para o planejamento, avaliação e comunicação de projetos sociais corporativos) do meu livro Projetos Sociais Corporativos (Atlas, 2010)
  5. Em caso negativo (item 4 anterior), a empresa deve definir os critérios para a seleção da(s) OSC(s) que será(ão) apoiada(s) por ela, em termos de território, campo de atuação da OSC, seu grau de organização e capacidade de gestão, desempenho recente, etc…. Definir também se o apoio da empresa à OSC será “por projeto” ou “por confiança” (para a organização como um todo).
  6. Cada empresa deve definir como terá acesso ao monitoramento e à avaliação de resultados das diferentes iniciativas a serem apoiadas por ela. Esse é um ponto central pois é o que vai permitir à empresa tangibilizar e dar transparência aos resultados sociais efetivamente alcançados. Quer a empresa conduza diretamente o seu programa social ou quer ela terceirize para OSCs ou outras instituições-líderes, é necessário haver uma base de dados, com informações sempre atualizadas, que permita à empresa conhecer os resultados, acompanhar e prestar contas regularmente do seu investimento social.

ENFIM, procurei mostrar que a atuação ESG das empresas não pode ficar restrita ao cumprimento de uma série de requisitos impostos de fora para dentro, como se fossem condições do mercado para ela (empresa) seguir operando e ser valorizada. Ao contrário, a atuação ESG deve fluir de dentro para fora, como fruto da conscientização e do compromisso (interno) da empresa, a começar por seus shareholders e alta direção, quanto à necessidade de realmente gerar valor e impacto social  na sua relação com os diferentes públicos. Senão, torna-se um contrassenso.

Assim, não basta incluir procedimentos ESG para uma empresa se tornar ESG. Se não houver o olhar do impacto, mudam o processo e o discurso da empresa, mas na prática nada (ou quase nada) pode mudar de concreto na vida dos seus públicos. Não basta que a empresa tenha procedimentos ESG; é preciso ser ESG de verdade.

Continua no próximo artigo

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.