Desde o início dos anos 2000, o debate sobre investimento e/ou empresa sustentável segue presente. Parece haver uma linha tênue e fluida entre o que é considerado ser sustentável ou tradicional, e qual a gradação. Basta ver que, no que se refere às argumentações explicitadas, todos os negócios afirmam terem sido criados para solucionar um problema do seu entorno e de sua época, e agirem dentro da ética. Algum empreendedor diria o contrário?
Ademais, cada pessoa ou grupo usa a lógica que lhe convém, pró ou contra a sustentabilidade, para defender os seus interesses. Haja vista que, agora em 2025, com a volta do presidente Donald Trump ao seu 2º mandato nos Estados Unidos, a agenda da sustentabilidade começou a se fragilizar naquele país e a perder adeptos. E a principal razão foi que a política da sustentabilidade passou a ser percebida como fator de entrave para o crescimento econômico do país, por penalizar os setores industriais mais importantes (baseados em combustíveis fósseis), imputar custos adicionais às empresas (advindos de suas novas funções social e ambiental, impostas pela Agenda), reduzir a lucratividade das empresas e afetar o mercado financeiro em geral. Ou seja, justamente o país, líder do movimento da Responsabilidade Social Corporativa (RSC) dos idos dos anos 1980-90, vem se tornando hoje o seu maior crítico. Ironias da história, não é mesmo?
No meu livro “Rumo à eficácia do setor social privado no Brasil”, que publiquei no final de 2024, em sua Parte 1, eu procurei justamente fazer uma reflexão relacionada a questões conceituais e práticas sobre o que é ser uma empresa sustentável. A Parte 1 do livro, intitulada “As políticas ESG e de impacto social das empresas” está dividida em 4 seções, que são:

- ESG – Entendendo os conceitos e buscando equacionar os desafios
- Empresa com impacto social
- Cases para discussão
- Entendendo as críticas para lidar com elas
No livro eu fiz uma distinção entre empresa com impacto social, que é função do seu propósito (criada para solucionar um problema social e/ou ambiental relevante); e empresa ESG (do inglês: Environmental, Social and Governance), que é função do seu modo de operar, em consonância com os requisitos ambientais, sociais e de governança.
Pode-se dizer que há um paralelo (figura do início) entre essa distinção usada para classificar as empresas [Empresa com Impacto Social e Empresa ESG], e a nomenclatura adotada pela ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais), em 2022, para classificar os fundos de investimento (de renda fixa e de ações) das gestoras de recursos financeiros [Fundos IS e Fundos que integram Questões ESG à sua Gestão]. Abaixo a definição adotada pela ANBIMA.
Segundo a ANBIMA (em Regras e Procedimentos para Identificação de Fundos IS, 03.01.2022), o Fundo que se identifica como Investimento Sustentável deve incluir em sua denominação o sufixo “IS”; explicitar em seu regulamento um resumo do(s) objetivo(s) de investimento sustentável; demonstrar o alinhamento de “sua carteira de empresas” ao(s) objetivo(s) de Investimento Sustentável do Fundo IS, e que “a operacionalização das empresas investidas” não compromete esse(s) objetivo(s); demonstrar quais ações, métricas e/ou indicadores materiais são utilizados para o monitoramento quanto à aferição do(s) objetivo(s) de investimento do Fundo IS ….(art.10).
Assim, os Fundos que naquele momento se identificavam como Fundos verdes, Fundos sociais, Fundos de Investimento de impacto, Fundos ASG, Fundos ESG ou quaisquer outros termos similares e que optaram por ser identificados como Fundos de Investimento Sustentável, regidos por este normativo, deveriam proceder à alteração de sua identificação para Fundos IS no prazo previsto ….. (art.11)
Já os Fundos que Integram Questões ESG à sua Gestão são aqueles Fundos de Investimento que não têm como objetivo o Investimento Sustentável, nomeadamente o objetivo de alcançar, de forma intencional, metas ambientais, sociais e/ou de governança, mas que consideram Questões ESG em suas políticas de investimento “nas diferentes empresas investidas” no atingimento de seus objetivos diversos como, por exemplo, para a melhor identificação e gestão de riscos. (art.12)
(os trechos entre aspas foram incluídos a título de esclarecimento)
Feito esse paralelo entre o setor empresarial e o setor financeiro, vou procurar ilustrar, por meio de dois exemplos, o papel da sustentabilidade no contexto brasileiro recente e a linha tênue que separa os conceitos da atuação sustentável versus tradicional.
Segundo artigo de Zeca Doherty, diretor-executivo da ANBIMA, em março deste ano (2025), do valor total do patrimônio de fundos de investimento no Brasil, a participação dos fundos IS (Investimento Sustentável) representava menos de 1%. Ou seja, um percentual ainda bastante reduzido, porém não muito diferente da realidade global, que era também de apenas 3,2% (2021). Como se vê, o desafio para implementar a sustentabilidade ainda segue muito presente.
No que se refere ao acirramento das desigualdades sociais, o setor dos bancos foi sempre percebido como “vilão”, por sua estratégia “perversa” de sempre penalizar os pobres e beneficiar os ricos (basta ver que o crédito é oferecido com juros altos para os pobres, e juros baixos para os ricos). No entanto, mesmo fazendo parte do setor financeiro, o Nubank se define como empresa (startup) brasileira de impacto social, que foi criada a partir da identificação de uma dor social no país, a da baixa inclusão financeira das pessoas e famílias e, daí, passou a oferecer soluções escaláveis, que passaram a gerar tanto impacto social como retorno financeiro.
Outro setor sempre percebido como “vilão” é o da mineração, pois nos locais onde entra destrói florestas e montanhas, polui rios, rompe o equilíbrio da natureza, e prejudica a qualidade de vida das comunidades do entorno. No entanto, cabe aqui destacar um novo olhar para esse setor que, apesar dos seus muitos efeitos colaterais negativos, segue sendo relevante no mundo atual. Reproduzo abaixo trechos da fala de Gustavo Pimenta, presidente da Vale desde outubro de 2024
O mundo como conhecemos não existiria sem mineração. Tudo o que fazemos contém, em algum ponto, minério de ferro ou algum outro mineral. Um exame de ultrassom é um exemplo. Esse caráter essencial da mineração foi um dos motivos que me fizeram aceitar o desafio de liderar a Vale. O futuro também não é possível sem mineração, que está presente tanto no desenvolvimento de novas tecnologias, como a inteligência artificial, quanto na descarbonização de indústrias e na transição energética. ….. Temos que perceber o que é necessário permanecer e o que precisa ser transformado. (In Rachel Maia, Valor, 21.05.2025)
Dos exemplos acima, quer me parecer que o Nubank se define como uma empresa de impacto social – e também desenvolve diferentes iniciativas consideradas ESG. Por sua vez, a Vale é uma empresa que explicita o compromisso de ser ESG, e dada a sua relevância para as necessidades do mundo atual, possivelmente também ambicione o título de empresa de impacto social e ambiental. Será que as empresas desses (e dos demais) setores estão mesmo evoluindo em termos de sustentabilidade? Ou será que o termômetro da sustentabilidade segue tênue e se ajustando aos interesses e circunstâncias de cada época?
O importante é manter aceso esse debate, para de fato conseguirmos introjetar valores e práticas sociais e ambientais realistas e compatíveis com o negócio. Também precisamos fortalecer os fundos IS e os fundos que agregam ESG em sua gestão, que ainda ocupam participação muito tímida no mercado financeiro, pois são esses fundos que vão financiar e impulsionar as boas práticas corporativas em sustentabilidade no país.