NPS e SROI: há relação entre os dois?

Por on 22/02/2022

No âmbito social, o indicador SROI (Social Return On Investment) é conhecido, porém pouco adotado. É resultante do quociente entre a monetização dos impactos sociais estimados por um projeto social  e os custos incorridos na sua execução. Por sua vez, entre as empresas, o indicador NPS (Net Promoter Score) também é bastante conhecido, com a diferença de ser amplamente adotado por elas. Resulta da subtração entre o percentual de clientes que recomendaria a empresa fortemente para os seus amigos e familiares, e o percentual daqueles que não a recomendariam.

 Pensando sob a ótica da avaliação em geral,  qual seria a principal semelhança entre o SROI e o NPS,  e qual a principal diferença entre esses dois indicadores?

SROI 

A criação do SROI  (Social Return On Investment)  se deu por volta de 2009 a partir de iniciativa do Cabinet Office (Office of the Third Sector) do Reino Unido. O indicador é também conhecido como Análise do Custo-Benefício (ACB) ou Retorno Econômico de projetos sociais. A metodologia do SROI desenvolve um passo a passo para identificar os impactos relevantes decorrentes do projeto social, definir a duração desses impactos, monetizá-los e, por último, compará-los a preços constantes com os custos totais incorridos no projeto. Assim, ao final da aplicação da metodologia, pode-se concluir que por exemplo para cada “R$ 1 investido foram entregues R$ 3 em valor social” (The SROI Guide, 2009).

Vale lembrar que o SROI foi inspirado no indicador gerencial, o ROI (Return On Investment), que é amplamente utilizado pelas empresas há muitos anos. O ROI é obtido do quociente entre o acréscimo no faturamento líquido (atribuível ao investimento) e o investimento realizado

Os defensores do método argumentam que o SROI não se resume ao indicador final a que chega, nem a monetização é o seu foco. A aplicação do método compreende uma dinâmica participativa abrangente com os vários stakeholders da iniciativa, para discutir processos e identificar resultados relevantes.

Porém, na realidade o que fez o SROI se mostrar como ferramenta útil para os tomadores de decisão e investidores (ou seja, aos usuários finais do indicador) foi a disponibilização, ao final, de um número objetivo e preciso, tido como uma proxy da transformação social produzida.  Pois, vale lembrar que, ainda hoje e não apenas no Brasil,  a avaliação social segue sendo um campo difuso, impreciso,  recheado de conceitos subjetivos, de medição complexa e onerosa, e com achados pouco confiáveis na maior parte das vezes.

Observo também que o método do SROI tem conquistado recentemente espaço na avaliação de projetos sociais no Brasil, sobretudo junto a organizações de grande porte – sejam do terceiro setor, empresas e do setor público, como a Petrobras, a Rede Gerando Falcões e a Fundação Sicredi  (vídeo, ago. 2021). Por se tratar de metodologia onerosa, complexa, de aplicação demorada e exigente em termos de competências necessárias, o SROI se torna acessível apenas a um grupo muito restrito de instituições.  

A meu ver, essa tão alegada objetividade do SROI é apenas aparente. Isto porque, para a sua estimativa, concorrem tantas hipóteses e pressupostos que, por mais transparente que seja o processo avaliativo, diferentes e “competentes” avaliadores podem chegar a números finais de SROI bastante divergentes, dependendo das escolhas que eles fizerem. Sem falar que os usuários finais do método (tomadores de decisão e investidores) normalmente não têm sensibilidade para um julgamento crítico amplo sobre os procedimentos metodológicos adotados – para eles, quanto mais elevado o SROI, maior a efetividade do projeto, “e ponto final”.

Nos idos de 2010, escrevi artigo  (Retorno econômico de projetos sociais corporativos: limites da avaliação) em que, através de um exemplo, questionava o “grau de confiabilidade” de uma estimativa SROI, tendo em vista os vários pressupostos estatisticamente “fortes” e com razoável margem de erro que entram no seu cálculo, tais como: (i) construção dos grupos de experimento e de controle; (ii) critérios para a monetização dos impactos; (iii) definição dos constructos;  (iv) delimitação quanto à duração e intensidade dos efeitos; (v) definição da taxa de desconto para estimar o VPL (Valor Presente Líquido), etc….  

NPS

A criação do NPS (Net Promoter Score) se deu um pouco antes do SROI, em 2003, com a publicação dos resultados da pesquisa de Frederick  F. Reichheld na Harvard Business Review (HBR, dez. 2003) intitulada “The one number you need to grow”.

Reichheld concluiu que “as pesquisas de satisfação de clientes, tão em moda nas empresas naquela época, não estavam sendo úteis. Isto porque tendiam a ser muito longas e complicadas, com baixas taxas de respostas e implicações ambíguas, dessa forma tornando difícil para os gestores atuarem a partir dessas pesquisas. Além disso, elas eram raramente questionadas ou auditadas, porque a maioria dos executivos seniors, conselheiros e investidores não as levava a sério. A razão é que havia baixa correlação dos seus resultados com os lucros e o crescimento das empresas”.

A contribuição de Reichheld foi, portanto, demonstrar e propor que a lealdade dos clientes de uma empresa é melhor medida/avaliada por meio de uma única pergunta, ao invés de utilizar um questionário longo e complexo de 20 perguntas ou mais. Além disso, a pesquisa dele mostrou também que essa única pergunta tinha forte correlação com o crescimento da empresa.  Foi a partir daí que ele propôs essa única pergunta para compor o NPS: Em uma escala de 0 a 10, qual a probabilidade de você recomendar a ‘empresa X` para um amigo ou colega?  Em que 10 significa ‘muito provável`,  5 ‘neutro` e 1 significa ‘nada provável`.

Para Reichheld, os clientes que assinalam a opção  9 ou 10 podem ser considerados como “promotores” da marca (ou da empresa); aqueles que marcam 7 ou 8, podem ser tidos como os “passivos satisfeitos”; e os que assinalam de 1 a 6, são considerados os “detratores” da marca. Daí, o indicador “Net Promoter Score” é o resultado da diferença entre o percentual de clientes “promotores” e o percentual de clientes “detratores”, podendo variar entre -100 (100% de clientes detratores) e +100 (100% de clientes promotores).

The formula for calculating NPS. Net Promoter Score.
Crédito: voinSveta

Para Reichheld, “um dos aprendizados centrais com o NPS foi o de que as empresas deveriam sempre conduzir pesquisas simples junto a seus clientes. Pesquisas básicas e simples, que usam as perguntas corretas, permitem que as empresas possam reportar os dados no prazo correto e de forma fácil e compreensível, e assim poderem atuar de modo imediato a partir das pesquisas. O problema é que ultimamente as pesquisas de satisfação nas empresas estavam gerando informações complexas e com vários meses de atraso quando entregues aos gerentes da linha de frente”.

SROI e o NPS: qual a principal semelhança?

A meu ver, a principal semelhança entre o SROI e o NPS foi o sentido de objetividade que eles trouxeram às estimativas nos seus campos de atuação por volta de 2000-2010, respectivamente para a avaliação do impacto social e para o marketing corporativo.

O SROI foi beber nas águas dos indicadores gerenciais das empresas – por que não adaptar o ROI para a área dos projetos sociais? Vimos que foram necessários vários pressupostos e hipóteses para essa adaptação, o que tornou o método do ROI ainda mais complexo quando aplicado ao campo social. Assim, nasceu o SROI (Social ROI).

Também como vimos, o NPS brotou a partir dos incômodos advindos da complexidade das pesquisas de opinião que eram conduzidas junto aos clientes das empresas. Foi quando se percebeu o poder de uma única pergunta capaz de melhor traduzir o conceito de lealdade (para com a empresa) do que as muitas perguntas que costumavam ser feitas no questionário até então. Ou seja, foi um choque profundo de simplificação metodológica.

Resumindo, tanto o SROI como o NPS buscaram atender aos anseios por objetividade.

SROI e o NPS: qual a principal diferença?

Como visto acima, a estimativa do SROI é por demais complexa e envolve diferentes saberes e sólidas competências nesses campos – social, experimento, estatística, amostragem, pesquisa quanti e quali, matemática financeira, etc… Não é um indicador que é levantado diretamente da pesquisa de campo. Ao contrário, é um indicador composto (síntese de vários indicadores) e, ao mesmo tempo, um indicador derivado (que resulta da combinação de várias estimativas complexas em cadeia); portanto, sujeito à potencialização de erros de estimativa que, no caso específico do cálculo do SROI, podem ser bastante significativos.

Por sua vez, a estimativa do NPS é por demais simples, e não envolve nenhum conhecimento especializado. A própria equipe gestora da organização é capaz de levantar e calcular o indicador, que é apurado diretamente a partir de pesquisa realizada pela empresa (uma única pergunta) e envolve cálculo simples (de subtração de frequências). Ou seja, o indicador é gerado diretamente na fonte dos dados, sem a necessidade de “intermediários” como no caso do SROI, quando entram os especialistas para viabilizar o indicador, com os seus  cálculos, hipóteses e visões de mundo.

Resumindo, a simplicidade e o cálculo direto do indicador representam, pois, o grande diferencial (vantagem metodológica) do NPS em relação ao SROI.

Sugestão final

Até hoje, o campo da avaliação social continua permeado de desafios metodológicos sobre se há, e qual deve ser, a melhor maneira para avaliar os resultados / impactos dos projetos socioambientais.

Vimos que, em 2009, se tentou transpor o indicador gerencial do ROI para a área social, criando o SROI. Chegou-se a um indicador objetivo, porém com ampla margem de flutuação dos seus resultados em função das hipóteses e pressupostos adotados, além da necessidade de pesquisa de campo demorada, onerosa e análises complexas.

Uma sugestão que faço  seria para buscarmos adaptar o indicador gerencial NPS para a área social. Ou seja, criar o NPS Social (SNPS – Social Net Promoter Score). Nesse caso, a intenção seria, a partir da única pergunta que compõe o NPS, buscar adaptá-la para captar a percepção dos beneficiários (ou participantes)  sobre os efeitos do projeto social em sua vida, utilizando o mesmo modo simples e direto do NPS. Certamente uma adaptação metodológica com maiores chances de ser amplamente adotada e útil nos projetos sociais do que o SROI.

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.