Vamos deixar a Covid matar as OSCs?

Por on 18/05/2020

Frente à pandemia do coronavírus, as organizações filantrópicas do terceiro setor estão fragilizadas e enfrentando muitas dificuldades. E o mais grave, justamente em um momento em que os seus usuários mais necessitam do trabalho delas. Do que tenho observado, essa é uma constatação que vale tanto para as organizações no Brasil como para aquelas nos países desenvolvidos (Brasil: ver Bruno Barroso  e  GIFE, Webhours; Países desenvolvidos: ver New Philanthropy Capital).

É inegável o valor dessas organizações da sociedade civil (OSCs) que são voltadas para o atendimento das pessoas em situação de vulnerabilidade. Atuam com questões humanitárias, muitas vezes em parceria com o poder público, apoiando pessoas sem condições financeiras de fazê-lo por conta própria, nas mais diferentes situações: idosos sozinhos, pessoas portadoras de necessidades especiais, pessoas em tratamento psiquiátrico, crianças e adolescentes abandonados pelas famílias, crianças e jovens sem interesse pela escola, presidiários, moradores de rua, vítimas de violência doméstica, e pessoas desempregadas buscando reinserção no mercado de trabalho.

Quais são esses problemas e dificuldades que essas OSCs estão tendo que enfrentar? Há saídas possíveis? Quais?

 

Quais os problemas e dificuldades essas organizações estão enfrentando?

  1. Por conta do distanciamento físico, necessário para evitar o contágio da Covid-19, muitas organizações sociais estão impedidas de funcionar e, portanto, não estão podendo atender presencialmente a seus públicos, como faziam até bem recentemente. São os casos das organizações que ofereciam atividades esportivas, culturais e de reforço escolar do contraturno; ou atendimentos psicológicos; ou que realizavam visitas a presidiários. Por outro lado, se ainda continuam funcionando, o fazem de forma precária (pelos motivos a seguir), como, por exemplo, abrigos, asilos e clínicas de saúde.

O que está ocorrendo é uma desestruturação total no modo de operar dessas organizações, arduamente construído e que dificilmente se conseguirá manter quando voltar a funcionar (por enquanto, sem previsão de retorno, para evitar aglomerações). E o pior, quando houver esse retorno, já há um pressentimento generalizado, de que os problemas psicológicos, educacionais, de saúde e/ou de convivência voltarão substancialmente agravados, haja vista essa interrupção abrupta na oferta dos serviços.

 

2.  Muitas organizações já estão sofrendo de uma queda significativa em suas doações ou contribuições, que elas davam como certos no início do ano. Isso porque já houve vários cancelamentos de eventos previstos em que haveria a captação de  recursos; muitas famílias e empresas parceiras se viram também em dificuldades e obrigadas a reduzirem suas doações e investimentos sociais; muitos contratos com o governo estão ameaçados ou já foram cortados, porque as prioridades do setor público foram alteradas com essa crise de calamidade pública.

 

3.    Muitas dessas organizações contavam com a forte participação do trabalho voluntário, sendo a maior parte desses voluntários constituída por pessoas idosas, desejosas de compartilhar a sua expertise e tempo. Ocorre que justamente os idosos representam o grupo de risco por excelência da Covid-19, e, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), não podem sair de casa. Isso significa que essas organizações filantrópicas se tornaram, de uma hora para outra, desfalcadas de uma parcela valiosa de seus colaboradores.

 

Quais são as saídas? Desafios urgentes a serem vencidos

  1. Necessidade de mais recursos e de novas maneiras de doação: Os modelos vigentes de mobilização de recursos se mostram ineficientes e incapazes para atenderem o financiamento dessas OSCs em contextos mais exigentes e mutáveis, como o atual. Como exemplos dessas estratégias ultrapassadas estão os boletos, carnês, rifas, realização de eventos e uso de telemarketing.

 É preciso partir para novos modelos que deem segurança e previsibilidade para o trabalho dessas organizações filantrópicas, com doadores comprometidos com a vida da instituição e com os seus reveses, dentro de um enfoque de médio e longo prazo. A consolidação dos fundos patrimoniais pode ser uma maneira. Outra possibilidade é o incentivo ao “apadrinhamento de OSCs” por indivíduos e empresas; para isso, há a necessidade urgente do mapeamento e da maior transparência do trabalho das OSCs.

  1. Novas maneiras de monitoramento e avaliação: as práticas até aqui adotadas de monitoramento e avaliação não conseguem dar essa necessária transparência do trabalho social que as OSCs realizam. Também não conseguem ser úteis para embasar a gestão dessas organizações e tratar situações emergenciais, como a atual. Cada vez está mais evidente que não basta contar pessoas atendidas, contabilizar custos, ou apresentar relatórios esporádicos dos impactos alcançados, que são por demais complexos, pouco acessíveis e tardios.

Para dar conta do desafio, torna-se urgente integrar a gestão dos projetos sociais ao sistema de monitoramento e prestação de contas do trabalho das OSCs. Uma maneira efetiva para essa integração é tornar o cadastro dos clientes atendidos uma ferramenta viva para o monitoramento do trabalho (das OSCs)  e a avaliação dos seus resultados imediatos.

  1. Digitalização das organizações – novas maneiras para operar. A crise do coronavírus provocou uma ruptura no modo tradicional e restrito de operar das OSCs. A duras penas, elas estão concluindo, só agora, que precisam mudar o seu funcionamento, até aqui baseado sobretudo na presença física (dos clientes e colaboradores), comunicação interpessoal (com os vários públicos) e nos levantamentos manuais (tabelas, pesquisas de opinião).

Para conseguirem ampliar o seu raio de ação e/ou garantir a continuidade da prestação dos seus serviços em situações adversas, como a atual, as OSCs precisam incluir novas estratégias de operar, valendo-se dos avanços disponíveis da tecnologia da informação. Por exemplo:  oferecer atendimentos a seus usuários à distância, isto é, on line e/ou por telefone; viabilizar a participação de colaboradores, voluntários ou não, também on line e/ou por telefone; construir sistemas de informação on line interativos; divulgar ações e resultados, e mobilizar recursos /apoiadores mediante o uso  de canais dinâmicos da internet.

 

As OSCs que não conseguirem se reinventar vão tender rapidamente a desaparecer, tal é o tamanho dos desafios que foram acelerados com a Covid-19. É inegável o papel social e humanitário dessas organizações. Porém aquelas que não se adptarem, terão que ser substituídas por outras organizações mais modernas e capacitadas em solucionar os problemas das pessoas em situação de vulnerabilidade. Daí porque é preciso transformar esses desafios surgidos em oportunidades para mudar.

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1 comentário
  1. Responder

    Luciana

    18/05/2020

    O desafio fica maior quando a diretoria de uma organização é tradicional e se apega à dogmas e processos, dizendo, que não era assim que faziam antes.

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.