24 critérios que vão ajudar a GERIR e DOAR para OSCs eficazes

Por on 15/12/2023

Enquanto gestores de uma Organização da Sociedade Civil (OSC) voltada para gerar impacto social, devemos estar sempre nos perguntando se estamos seguindo a melhor estratégia possível, ou seja, “se estamos fazendo as coisas da forma certa. Por outro lado, enquanto filantropos ou doadores, devemos também sempre nos questionar “se estamos fazendo a coisa certa”, isto é, se estamos fazendo a escolha certa da organização para doar, que será capaz de maximizar o bem com os recursos doados.  

Porém, o que ocorre é que no Brasil a grande maioria das organizações do terceiro setor são muito pequenas, carecem de toda sorte de recursos, e lutam (como podem!) para ajudar a reduzir o sofrimento e a pobreza de suas comunidades.  Basta ver que de um total de 815.676 de OSCs que existiam no Brasil no final de 2020, 89,6% delas funcionavam sem terem sequer um vínculo formal de trabalho (todos voluntários), subindo para 96,7% quando se considera as organizações que têm menos de 10 empregados formais. (IPEA, Mapa das OSCs 2022). Então, como apoiar as nossas OSCs, que sobrevivem em meio a tantas dificuldades, para que elas consigam atuar com eficácia?

Além disso, outro problema da filantropia no Brasil é que o trabalho social de grande parte das OSCs é praticamente invisível aos olhos de potenciais doadores, constituídos por famílias e indivíduos das classes média e alta residentes nos grandes centros urbanos. E mais: muitos potenciais doadores que querem doar com eficácia (ou efetividade, com o sentido de alcançar os objetivos pretendidos) ficam sem saber como. Daí, como orientar os nossos potenciais filantropos para que eles consigam escolher as OSCs donatárias (ou receptoras) que vão ser realmente capazes de gerar o bem prometido?

Frente a esses dois desafios, fui reler uma (antiga) publicação da New Philanthropy Capital, organização think-tank do terceiro setor no Reino Unido, intitulada “The little blue book – NPC`s guide to analysing charities, for charities and funders” (2010 – 1ª versão) (traduzindo: O pequeno livro azul – Guia para analisar as OSCs – para as OSCs e financiadores).  Vale observar que o termo “charities” (instituições de caridade) adotado no Reino Unido equivale ao que conhecemos no Brasil como OSC (Organização da Sociedade Civil), ou ONG (Organização Não-Governamental), ou organização do terceiro setor.

Para os especialistas da área do impacto social no Reino Unido, esse Guia foi considerado como uma verdadeira “carta magna da filantropia” tal o rigor, abrangência e utilidade de sua abordagem metodológica.

Ainda hoje, dado o atual contexto e estágio da filantropia no Brasil, considero muito válido recuperar e trazer para reflexão as principais orientações e questionamentos que estão apresentados no “The little blue book”. É o que farei a seguir, buscando resumir os 24 critérios e questionamentos ali propostos para analisar as OSCs, e que eu considero poderão servir para orientar (i) as ações dos gestores de OSCs e (ii) as decisões de filantropos / financiadores no Brasil.

Fundamental levar em consideração, e como está devidamente destacado no início da publicação, que cada aspecto pontuado ou questionamento feito será válido (ou não) para uma dada organização em função de suas especificidades e/ou do seu momento de vida. Assim, por exemplo uma organização em estágio inicial ainda não estará preparada para atender a determinados pré-requisitos recomendados, mas ela poderá estabelecer como meta vir a atendê-los no médio/longo prazo. Da mesma forma uma organização com atuação em apenas um dado território e/ou em uma determinada área social terá critérios diferenciados de uma organização grande, complexa (atuando em múltiplas áreas) e atuando em vários locais. O ponto é que caberá a cada gestor / doador julgar os aspectos que serão relevantes para analisar a (sua) organização.

Vale ainda comentar que, ao final da publicação, são delimitados 5 tipos de organização em função do seu modo (ou contexto) de atuação, e cujos perfis a NPC considera que ainda precisam ser aprofundados: (i) OSCs grandes e complexas; (ii) OSCs de campanha – ou de  defesa de direitos /pesquisa; (iii) OSCs comunitárias (focadas nas necessidades do território); (iv) OSCs guarda-chuva ( que dão apoio a outras organizações que estão vinculadas a elas); (v) OSCs com atuação em outros países, normalmente países em desenvolvimento.

Feitas essas considerações, vamos aos 24 critérios descritos na referida publicação (em seu capítulo 3), que poderão ser úteis para orientar no Brasil aos gestores de OSCs e aos seus filantropos/financiadores. Antes, será feita uma breve introdução, também a partir da publicação, para contextualizar a proposta dos 24 critérios.

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O pequeno livro azul – Guia da NPC para análise das OSCs, para as instituições e os seus financiadores  (link para o original em inglês)

Introdução

O Guia descreve como a New Philanthropy Capital (NPC) analisa as Organizações da Sociedade Civil (OSCs). É um guia para qualquer pessoa interessada em ajudar as OSCs a se tornarem melhores.

O Guia pode ajudar os financiadores (ou doadores / filantropos) a identificarem os pontos fortes e pontos fracos das instituições e a tomarem decisões sobre como alocar os seus recursos. Também pode ajudar as OSCs a avaliarem o seu próprio desempenho e, assim, melhorarem.

Essa abordagem da NPC foi projetada para OSCs que trabalham em todas as áreas do bem-estar humano. Foi desenvolvida no Reino Unido, mas pode ser adaptada para uso em outros países.


Por que analisar?

Analisar é importante porque pode ajudar as instituições do setor social e seus financiadores a se tornarem melhores no que fazem. Isto porque vai ajudar a identificar os pontos fortes e fracos de cada OSC, identificar o que funciona e o que não funciona, e aprender a melhorar.

Abordagem da análise

A abordagem adotada no Guia está baseada na eficácia do trabalho da organização social. Por “eficácia” (do inglês: effectiveness) entenda-se a capacidade das OSCs de melhorar a vida das pessoas e de criar mudanças duradouras para melhor. Para serem eficazes, as organizações precisam: focar em atividades que alcancem uma diferença real; usar evidências de resultados para melhorar o desempenho; fazer bom uso dos recursos; e ser ambicioso para resolver problemas. Tudo isso requer liderança e equipe de alta qualidade e boa gestão financeira.

Daí, a abordagem do Guia está baseada em 6 áreas de análise da organização, que são: atividades; resultados; liderança; pessoas e recursos; finanças; e ambição.

A abordagem também está baseada na compreensão do contexto em que a organização atua. Isso inclui o tamanho e a natureza das necessidades sociais; como os setores público e privado estão lidando com o problema; e o que as OSCs estão fazendo para contribuir.  

Na maioria das vezes, as OSCs existem para cumprir um propósito que vai além dos limites de sua própria atuação – por exemplo, encontrar uma cura para o câncer ou reduzir o número de pessoas em situação de rua. Para alcançar esses objetivos, elas devem trabalhar em parceria com outras organizações do seu setor. Assim, compreender o contexto em que as OSCs trabalham ajuda-nos a fazer um julgamento sobre se elas estão fazendo as coisas certas, se estão fazendo a diferença e como estão contribuindo para criar as condições para ajudar outras organizações a (juntas) alcançarem o impacto social desejado.  

Importante ter clareza de que quem analisa uma organização deve buscar informações de diferentes fontes, tais como:

  • Pesquisar sobre a questão (ou o problema) que a organização está buscando resolver, incluindo levantar o que o governo está fazendo e quais outras organizações estão trabalhando na área;
  • Examinar as informações da organização que estão disponíveis publicamente, como o seu relatório anual e as contas do(s) seu(s) Conselho(s), e qualquer outra informação da instituição que esteja publicada em seu site, incluindo a declaração de visão, documentos de estratégia e relatórios de avaliação;
  • Reunir-se com pessoas-chave nos escritórios da organização, incluindo o seu diretor-executivo, a equipe de gestão e o presidente do Conselho Curador (ou Conselho de Administração, se tiver);
  • Solicitar informações que não estejam publicamente disponíveis, tais como contas de gestão, documentos mais detalhados sobre estratégia e avaliação das ações, levantamentos sobre a equipe e registro de riscos;
  • Visitar um ou mais projetos da organização, falar com as equipes da linha de frente, os voluntários e beneficiários dos serviços da instituição;
  • Conversar com outros indivíduos e organizações que já trabalharam com a organização, incluindo financiadores e parceiros.

Avaliar a eficácia não é fácil. Importante lembrar que OSCs com objetivos diferentes não podem ser diretamente comparadas entre si – ao contrário das empresas comerciais, que compartilham um objetivo financeiro comum – que é o lucro. A avaliação é, portanto, uma parte vital da análise. Não há respostas fáceis, e isso não pode ser feito simplesmente marcando caixas ou através de cálculos simples.

Para cada situação, é necessário variar as expectativas de acordo com o tamanho e a maturidade da organização. Por exemplo, nesse sentido esperaríamos que uma organização bem estabelecida com recursos financeiros substanciais tivesse melhores métodos /técnicas para medir resultados do que uma instituição relativamente nova.

Finalmente, vou resumir abaixo quais são os 24 critérios (propostos pela NPC) para guiar as OSCs desde o seu nascimento, avaliar o seu desempenho e orientar aos doadores /financiadores na escolha de OSCs com (potencial de) um trabalho social eficaz.

Área de análise 1 – ATIVIDADES

Atividades – Significa o que a organização faz e como ela faz isso. As atividades de uma ORGANIZAÇÃO representam sua maneira de alcançar seus objetivos.

A eficácia das atividades é avaliada segundo quatro critérios: foco nas maiores necessidades; variedade de atividades, capacidade de adaptação e inovação; e vínculos entre as atividades.

1.1 – Concentrar nas necessidades em que pode fazer a maior diferença – Uma organização eficaz concentra o seu trabalho onde ela pode fazer a maior diferença na vida das pessoas. Para fazer isso com sucesso, ela precisa de uma compreensão completa do problema que está tentando resolver.

Julgar se uma instituição está fazendo as coisas certas requer uma compreensão do contexto em que ela funciona, incluindo o papel do governo e de outras organizações. Não faz sentido que as OSCs trabalhem em áreas onde o Estado tem uma responsabilidade clara ou onde há outra organização que dê conta de fazê-lo bem.

1.2 – Variedade de atividades – As atividades de uma organização devem estar claramente ligadas à sua missão e objetivos. Se uma organização fizer mais do que uma coisa, deve haver uma justificativa clara para o leque de suas atividades e não deve haver lacunas no trabalho da organização que a impeçam de atingir os seus objetivos.

Uma abordagem para determinar se uma série de atividades faz sentido (para a organização ter) é começar com o que a organização deseja alcançar (resultados) e usá-los para identificar os produtos necessários para tal e, em seguida, as atividades necessárias. É o chamado conceito do “mapeamento para trás”.

1.3 – Capacidade para adaptar e inovar – Ser capaz de se adaptar é importante para que as organizações permaneçam eficazes à medida em que a sociedade muda. Boas organizações têm histórico de inovação e são flexíveis o suficiente para responder à mudança. No entanto, elas também devem resistir ao impulso de criar novos projetos para o seu próprio bem (isto é, simplesmente para serem bem-vistas).

Para julgar o quão boa uma organização é em se adaptar, os analistas podem analisar como ela responde a novas informações (às mudanças de necessidades detectadas) e o seu histórico de inovação: A organização pode demonstrar que os serviços foram adaptados ou criados em resposta a novas informações? Ela leva devidamente em consideração os pontos de vista dos beneficiários – e como ela faz essa escuta? Está disposta a encerrar atividades que estão desatualizadas?

1.4 – Vínculos entre as atividades – Organizações bem-sucedidas sabem explorar bem as relações entre as diferentes atividades que ela desenvolve: Que vínculos já existem, e a instituição pode articular isso com clareza? Existem ligações entre serviços que a organização não está explorando? Isso também ajuda a avaliar se as atividades são mais eficazes por conta própria ou como parte (inseridas) da organização.

Análise de risco (Área 1) – Ao analisar as atividades de uma OSC, os analistas devem considerar os seguintes desafios e ameaças para a organização atingir os seus objetivos. Perguntas importantes a serem aqui consideradas: (i) Como a instituição responderá se a demanda por seus serviços mudar?  (ii) Como a organização garante que os seus serviços (ou atividades) continuam a ser relevantes no contexto das mudanças sociais e tecnológicas?  (iii) A organização consegue reter as pessoas certas para garantir que suas atividades possam continuar? (iv) Existem processos para evitar eventos que possam prejudicar a reputação da organização?

Área de análise 2 – RESULTADOS

Resultados significam as mudanças que a organização faz na vida das pessoas e a atitude que ela tem para aprender com suas experiências.

A eficácia dos resultados é avaliada segundo quatro critérios: cultura de resultados; evidência de resultados positivos; qualidade das evidências; e compartilhamento de resultados.

2.1 – Cultura de resultados – Por cultura de resultados entende-se a atitude da organização em relação à coleta e ao uso de dados sobre os resultados, e o papel que isso desempenha em suas atividades do dia a dia. Embora evidências convincentes sejam muitas vezes difíceis de coletar, o compromisso com a medição e o uso de dados de resultados é um bom ponto de partida.

Questionamentos relevantes para reflexão: Os dados de resultados são usados para melhorar os serviços ou existem apenas para satisfazer os financiadores / doadores? A organização compartilha os seus resultados para informar outras organizações sobre o que funciona?

2.2 – Evidência de resultados positivos – Sem evidências de resultados, não se pode concluir sobre se o trabalho da organização está fazendo alguma diferença na vida das pessoas atendidas.

Avaliar resultados não é fácil, mesmo em organizações estabelecidas. Em muitos casos, pode não ser possível capturar resultados diretamente. Resultados tangíveis, como melhorias nas notas dos exames, são muitas vezes mais fáceis de capturar do que resultados intangíveis, como melhorias na confiança. Mas não chega a ser impossível, pois se pode recorrer à operacionalização de conceitos abstratos para viabilizar a sua medição, como por exemplo o “Índice de bem-estar para jovens de 11-16 anos de idade” construído pela NPC (ver Manual, pág.197-205). Outra maneira é, sempre que possível, os analistas devem procurar dados de resultados comparáveis de outras organizações, que façam trabalho semelhante e em contextos semelhantes.

2.3 – Qualidade das evidências – A qualidade das evidências refere-se à adequação do método utilizado para avaliar os resultados e à forma como este é colocado em prática. Se a evidência é tendenciosa ou o método é inadequado, então ela não pode ser usado pela organização ou por financiadores / doadores para tomarem boas decisões. Há dois tipos de evidências: as diretas e indiretas.

No que se refere às evidências diretas, há duas abordagens. A primeira abordagem se refere à coleta regular de informações pela organização por meio da construção de sua base de dados. Assim, o acompanhamento regular das informações sobre os participantes possibilita à organização a compreensão imediata dos seus resultados, que podem ser usados para ela tomar decisões de gestão ou fazer relatórios para os seus financiadores.

A segunda abordagem diz respeito à contratação de pesquisas de avaliação,  muitas vezes conduzidas por pesquisador(es) externo(s). Essas avaliações geralmente buscam responder a perguntas específicas, estão relacionadas ao impacto de longo prazo, e usam metodologia de pesquisa experimental. Porém, essas avaliações tendem a ser dispendiosas e, por isso, são usadas com parcimônia, muitas vezes em momentos críticos do desenvolvimento da organização.

Já no que se refere às evidências indiretas, elas podem estar baseadas em pesquisa de opinião (survey) junto ao grupo de pessoas atendidas pelo projeto / organização. No entanto, os resultados obtidos devem ser tratados com cautela, pois podem simplesmente indicar uma experiência agradável ao invés de uma mudança real.

Outro modo de evidência indireta é fazer o levantamento da demanda pelo serviço oferecido pela organização. Novamente é preciso cautela para a sua interpretação, pois uma elevada demanda (ou “lista de espera”) pode não significar um bom serviço, mas simplesmente indicar uma alta necessidade ou escassez da oferta daquele serviço.

2.4 – Compartilhar resultados – Compartilhar resultados com outras organizações pode aumentar drasticamente o impacto de uma OSC. Boas organizações usam o seu conhecimento para ajudar as outras a aprenderem e a melhorarem.

Para julgar a influência que uma organização está tendo no setor social, os analistas devem procurar verificar como ela compartilha a sua experiência, recursos e influência para aumentar o conhecimento em todo o campo em que ela opera. A organização pode disseminar os seus aprendizados por meio da divulgação de pesquisas originais ou através do treinamento e educação de profissionais e gestores da área.

Análise de risco (Área 2) – Ao analisar os resultados de uma OSC, os analistas devem considerar os seguintes desafios e ameaças para a organização atingir os seus objetivos. Perguntas importantes a serem consideradas: (i) A organização tem processos robustos para manter e melhorar os seus resultados? (ii) A instituição consegue identificar se algo der errado? (iii) Existem eventos externos que poderão vir a afetar a capacidade da organização de alcançar resultados?

Área de análise 3 – LIDERANÇA

Liderança significa como a organização é gerenciada e governada, incluindo se ela tem propósito e estratégia claros para atingir os seus objetivos.

A eficácia da liderança é avaliada com base em quatro critérios: equipe de gestão, governança, visão e estratégia, e prioridades.

3.1 – Equipe de gestão – A equipe de gestão (diretores), liderada por seu diretor executivo, dirige a organização, implementa a estratégia e define o “tom” geral. Ter um bom líder e uma equipe sênior, com uma gama de habilidades, é crucial para o sucesso de qualquer organização.

Analisar a equipe de gestão envolve revisar a experiência e o histórico de indivíduos-chave para identificar os seus pontos fortes e fracos para conduzirem a organização.

A equipe de gestão deve ser transparente e comunicar eficazmente com pessoas exteriores à organização. Transparência é sobre as organizações serem abertas e honestas sobre os aspectos mais importantes de seu trabalho. Transparência não é divulgar tudo. Para alguns aspectos, a transparência não é apropriada ou revela tão pouco sobre a qualidade da organização que chega a ser irrelevante. Por exemplo, não é necessário revelar as despesas detalhadas de cada membro do pessoal senior.

3.2 – Governança – A boa governança (Conselho) é fundamental para a eficácia da organização. Os Conselheiros têm o papel crítico de orientar a direção da organização, apoiar a equipe de gestão a cumprir os objetivos acordados, e supervisionar os aspectos financeiros e práticos da administração da organização. Nomear o diretor executivo é provavelmente o trabalho mais importante que um Conselho faz.

No Brasil, não há obrigatoriedade de as OSCs terem o seu Conselho de Administração (ou Conselho Curador, ou Conselho Consultivo); apenas há a exigência de elas terem um Conselho Fiscal, que pode ser constituído por membros de sua própria diretoria executiva. Pois vale lembrar que no Brasil as OSCs têm a natureza jurídica de “associações” civis, sem fins lucrativos, de direito privado e de interesse público.

3.3 – Visão e estratégia – Uma das principais responsabilidades da liderança – inclui a equipe gestora e o(s) Conselho(s) – é a de definir a visão e a estratégia. Boas organizações têm objetivos claramente definidos (visão) e um plano convincente sobre a forma como eles serão alcançados (estratégia).

Uma estratégia sólida inclui marcos mensuráveis (indicadores e metas) e a compreensão das ações necessárias para alcançar os objetivos de longo prazo. Para isso é preciso ouvir os beneficiários e, muitas vezes, atuar em colaboração com outras pessoas e/ou organizações que trabalham em áreas relacionadas.

A estratégia deve definir porque a organização faz o que faz, e como as suas atividades vão ter impacto no (ou contribuir para o) problema que ela busca resolver. Este aspecto da estratégia da organização é traduzido por meio de sua  “teoria da mudança”, definida como a lógica esperada para a atuação da organização, de modo a alcançar os resultados desejados (ver Manual, pág. 18)

3.4 – Prioridades – Como a maioria das OSCs tem recursos limitados, é importante que os recursos sejam usados com a máxima eficácia. As organizações têm que definir as suas escolhas em relação a como gastar o dinheiro. Cabe aos analistas procurarem uma explicação clara sobre por que a organização deve investir mais recursos em algumas atividades do que em outras; ou por que ela deveria extinguir algumas atividades e manter outras.

Análise de risco (Área 3) – Ao analisar a liderança de uma OSC, os analistas devem considerar os seguintes desafios e ameaças para a organização atingir os seus objetivos. Perguntas importantes a serem consideradas incluem: (i) Existem controles suficientes sobre o Conselho / Equipe dirigente para identificar quando há baixo desempenho, de modo a tomar medidas para corrigir?  (ii) A organização é muito dependente de um único indivíduo? (iii) Existe um plano de sucessão, a nível de gestão / conselho?  (iv) Existe potencial de conflito entre os principais membros da equipe de gestão, ou entre o conselho e a equipe gestora? (v) O plano estratégico é realista, e existem riscos significativos associados à realização do plano?                

Área de análise 4 – PESSOAS E RECURSOS

Pessoas e Recursos incluem o pessoal da organização, outros recursos, o apoio externo; e a forma como a OSC os utiliza.

A eficácia de pessoas e recursos é avaliada segundo quatro critérios: pessoal, uso de voluntários, outros recursos (como TI, propriedades e marca), e alavancagem externa.

4.1 – Pessoal – As pessoas (remuneradas) representam o maior ativo que as OSCs têm. Colaboradores de alta qualidade, comprometidos, motivados e bem treinados são fundamentais para o sucesso.

Ao analisar uma organização, há várias perguntas que os analistas podem fazer sobre a sua equipe: O pessoal está devidamente qualificado e tem a oportunidade de se desenvolver? Os colaboradores estão comprometidos e motivados? Os conhecimentos e as competências do pessoal estão sendo utilizados de forma eficaz? Ou as pessoas estão sendo solicitadas a preencherem funções para as quais não são qualificadas?

4.2 – Utilização de voluntários – Os voluntários são uma parte valiosa do trabalho de muitas OSCs. No entanto, os voluntários podem ter muitos limites em termos de tempo disponível, habilidades e confiabilidade do seu trabalho.

Importante ter clareza de que para tirar o máximo proveito dos voluntários, eles precisam ser bem gerenciados. Os voluntários devem entender o que é exigido deles, e serem solicitados a terem um compromisso de tempo mínimo. Por exemplo, no caso de uma mentoria a jovens empreendedores, um mentor que perde regularmente os compromissos pode fazer mais mal do que bem à(s) pessoa(s) em situação de vulnerabilidade que ele está atendendo.

Os voluntários devem ser devidamente treinados e usados em tarefas apropriadas às suas competências; devem ser bem gerenciados e poderem contar com o apoio necessário da equipe gestora.

Assim, embora os voluntários sejam muitas vezes vistos como um recurso “gratuito”, o ponto é que usá-los de forma eficaz (recrutando, treinando, gerenciando, motivando e retendo) é um desafio considerável e que pode custar caro.

4.3 – Outros recursos (TI, propriedades e marca) – As OSCs podem também dispor de uma série de outros ativos não financeiros, tais como equipamentos de informática, terrenos e edifícios, propriedade intelectual e marca. É importante analisar como esses recursos estão sendo usados e se eles estão contribuindo para a missão e os objetivos gerais da organização. Por exemplo, algumas OSCs podem receber como doação de herança (legado) uma casa, muitas vezes antigos e demandando conservação – se, porém, for oneroso manter essa casa ou ela não atender às necessidades da organização, é preferível vender a propriedade e construir/adquirir novas instalações.

Também no caso de organizações que tenham marcas fortes e bem reputadas, essas marcas devem ser usadas ao máximo para conseguirem comunicar e fazer campanhas, bem como para angariar fundos.

4.4 – Alavancagem externa – Alavancagem diz respeito à capacidade das organizações de usarem os seus recursos para atraírem o apoio e a boa vontade de fontes externas. Isso pode significar, por exemplo, colaborar com outras organizações, convencer uma autoridade local a trabalhar com elas, ou atrair apoio pro bono (sem custo) de empresas. A alavancagem depende basicamente de relacionamentos que as pessoas na organização têm e de sua capacidade de identificarem oportunidades. Embora estes apoios e parcerias possam ter custos associados a eles (como os decorrentes de gestão de parcerias com outras organizações), esses custos tendem a ser geralmente mais baixos do que os custos incorridos quando é a própria organização que executa tudo sozinha.

Análise de risco (Área 4) – Ao analisar a área de Pessoas e Recursos de uma OSC, os analistas devem considerar os seguintes desafios e ameaças para a organização atingir os seus objetivos. Perguntas importantes a serem consideradas incluem: (i) A equipe, aí incluídos os colaboradores e voluntários, tem a combinação correta de habilidades e experiência? (ii) A instituição investe o suficiente no desenvolvimento e retenção do seu pessoal como um todo? (iii)  A organização toma as medidas apropriadas para garantir a segurança de seu pessoal – por exemplo, quando eles vão trabalhar com pessoas potencialmente violentas? (iv) Os ativos estão bem conservados? Ou eles estão virando um fardo para a organização, a ponto de afetar as suas atividades?

Área de análise 5 – FINANÇAS

Finanças refere-se ao dinheiro que a OSC tem e como ela usa esse dinheiro.

A eficácia das finanças pode ser analisada com base em 4 critérios, que são: segurança financeira, qualidade da gestão financeira, eficiência e custos unitários.

5.1 – Segurança financeira – A segurança financeira se refere a quão previsíveis são as receitas e despesas de uma organização, e quais são as suas perspectivas para o futuro. Ou seja, diz respeito aos fatores que afetam a capacidade da organização de continuar as suas atividades e planejar a médio e longo prazo.

Questões relevantes que precisam ser analisadas: (i) A instituição é excessivamente dependente de um pequeno número de fontes de receita?  (ii) Quão confiável é a receita da organização? Quais as fontes de receita que estão mais em risco e como a instituição planeja lidar com isso? (iii) Toda a receita da organização está atrelada a projetos? Quanto espaço ela tem de “manobra”?  (iv) A receita da instituição é suficiente para cumprir as suas obrigações mensais, como aluguel e folha de pagamento – ou os atrasos causarão problemas? (v) A organização tem dívidas? (vi) A organização tem uma política para gerenciar os seus ativos? O risco é gerido através da distribuição dos seus investimentos?

5.2 – Qualidade da gestão financeira – Refere-se à capacidade das organizações de entender e controlar as suas receitas e despesas, e equilibrar as necessidades do dia a dia com objetivos de longo prazo. Embora todas as organizações necessitem de uma boa gestão financeira para sustentar as suas atividades, a qualidade varia, em parte dependendo da dimensão da organização. Isto porque pequenas organizações muitas vezes não têm recursos para pagar um especialista (contador), e nesses casos o diretor-executivo é quem assume essa atribuição.

Questões relevantes que precisam ser analisadas: (i) Os Relatórios anuais publicados são precisos, transparentes e auditados? (ii) A organização tem competência para olhar o futuro de curto e médio prazo, quando faz os seus orçamentos, previsões e fluxos de caixa? (iii) As contas de gestão interna são bem apresentadas, são comparadas à previsão orçamentária, e assim permitindo que a organização possa analisar as diferenças (quando houver) e se adaptar quando as circunstâncias mudarem?  (iv) A instituição tem procedimentos claros para aprovar despesas e fazer pagamentos, e assim se proteger de fraudes ou excessos? Lembrando que os procedimentos devem ser claros, mas não excessivamente burocráticos.

5.3 – Eficiência – Eficiência refere-se à capacidade da organização de controlar os seus custos e garantir que os desperdícios sejam o mínimo possível. A cultura da organização e a atitude do diretor-executivo são fundamentais para a eficiência. O importante é analisar se a organização está usando / alocando os seus recursos disponíveis com sabedoria.

Não se trata de gastar o mínimo, por exemplo, com administração, captação de recursos ou salário dos diretores. Aqui o alerta é o de que as organizações têm de investir nestas funções para serem eficazes. Reconhece-se que muitas vezes é tentador procurar medidas simples de eficiência administrativa, como buscar manter que seja mínima a proporção da receita com despesas de overhead. Tal medida pode ser enganosa por si só, uma vez que tem se observado que o custo administrativo não é um preditor dos resultados alcançados por uma organização.

Comparar os percentuais reportados de custos (de administração ou de captação) de organizações semelhantes pode dar uma pista sobre se a instituição está utilizando os seus recursos de forma eficiente. No entanto, indicadores financeiros simples de eficiência operacional de uma organização precisam ser sempre considerados dentro do contexto mais amplo dos resultados da organização.

5.4 – Custos unitários – O custo unitário é o custo incorrido por cada beneficiário (ou cliente) da OSC.

Os custos unitários podem ser calculados usando o método “de cima para baixo”, dividindo os custos totais incorridos pelo número de pessoas que a organização ajuda. Ou eles podem ser calculados usando o método “de baixo para cima” — somando os elementos de custos conhecidos.

O primeiro método é apropriado para instituições que têm atividades distintas ou apenas uma atividade. Tem a vantagem de capturar todos os custos, embora seja sensato excluir os custos pontuais incorridos só naquele ano. Esse é o método preferido pela NPC, pois inclui custos indiretos, tais como custos de administração (overhead), custos de captação de recursos (fundraising) e custos de depreciação das instalações. Já o segundo método pode ser aplicado a organizações com atividades mais complicadas, porém é mais problemático na alocação dos custos indiretos e corre o risco de subestimar o custo real.

Análise de risco (Área 5) – Ao analisar a área de Finanças de uma OSC, os analistas devem considerar os seguintes desafios e ameaças para a organização atingir seus objetivos. Perguntas importantes a serem consideradas incluem: (i) A organização antecipou os principais riscos atinentes às suas Receitas?  (ii) A organização tem bons processos para gerir as suas despesas e controlar os custos? (iii) O fluxo de caixa de curto prazo da organização é seguro e ela tem meios para cumprir os seus passivos?  (iv) As reservas existentes são adequadas para proteger contra riscos antecipados e aproveitar oportunidades futuras?

Área de análise 6 – AMBIÇÃO (para transformar)

OSCs com ambição são aquelas que querem (ou têm a ambição de) promover mudanças a longo prazo, gerar impacto social e, para isto, elas vão avançando por meio do estabelecimento de metas realistas e realizáveis.

A eficácia da Ambição pode ser analisada com base em quatro critérios: potencial para crescer ou replicar; potencial para melhorar os resultados; potencial para resolver problemas de forma mais ampla; e disposição para mudar.

6.1 – Potencial para crescer ou replicar – A capacidade de crescer ou replicar um serviço aumenta o impacto potencial de uma instituição. Ela pode expandir os seus próprios serviços ou incentivar outras organizações a adotarem a sua abordagem. No entanto, é preciso cautela porque o crescimento não necessariamente é um indicador de sucesso da organização, como ocorre no caso de empresas lucrativas. Em particular, as grandes OSCs devem ter cuidado para não prejudicar as organizações menores que podem estar fazendo um trabalho melhor do que elas estão.

O crescimento ou a replicação (de uma experiência) não precisa acontecer através da própria organização.  Às vezes, significa trabalhar com outras organizações. Pois se as pequenas e médias OSCs não tiverem acesso a capital, elas podem ter dificuldades para expandir. Nestes casos, trabalhar com outras organizações ou encorajar outras a adotarem a sua abordagem pode ser a forma mais eficaz para crescer e potencializar o impacto social.

6.2 – Potencial para melhorar os resultados – Organizações “ambiciosas” buscam ativamente oportunidades para melhorar os seus próprios resultados. Bons processos de avaliação de resultados, um histórico de uso de suas experiências para aprimorar atividades, e não ter medo de experimentar novas técnicas são características de uma organização que tem a ambição em se tornar melhor.

Perguntas relevantes para serem analisadas: A instituição pode dar exemplos de como aprendeu com os seus erros e adaptou os seus serviços? Ela tem sistemas e está aberta para aprender com o seu trabalho futuro?

6.3 – Potencial para resolver problemas de forma mais ampla – Organizações “ambiciosas” procuram exercer influência na solução do problema para além dos limites de seus serviços diários

Os analistas devem procurar evidências se a instituição está usando a sua experiência e rede de contatos para resolver problemas ou influenciar outras organizações a melhorarem. Por exemplo, uma escola para crianças com autismo, que oferece treinamento para professores e outros profissionais em seus métodos, ajuda a aumentar o conhecimento e as habilidades de outras organizações que trabalham com pessoas com autismo. Assim, o compartilhamento de informações e resultados é um elemento importante dessa influência potencial da OSC para resolver problemas em uma escala mais ampla.

6.4 – Disposição para mudar – As organizações devem se questionar regularmente se elas estão melhores posicionadas para fazerem o trabalho que fazem. Os conselheiros e gestores precisam olhar para além das preocupações estreitas da organização, ou seja, para o propósito maior de impacto social – que é a razão de ser da organização. Isso significa colocar as necessidades dos beneficiários acima das necessidades da organização. Assim, se uma instituição não estiver em melhor posição para apoiar os seus beneficiários, ela deve considerar fechar as portas; fundir ou colaborar com outra organização; ou, então, mudar drasticamente o modo de realizar as suas atividades.

Análise de risco (Área 6) – Ao analisar a área relacionada à Ambição da OSC, os analistas devem considerar os seguintes desafios e ameaças para a organização atingir os seus objetivos: (i) A organização está bem-posicionada para gerir eventos inesperados e aproveitar as oportunidades que se lhe apresentam? (ii) A instituição corre o risco de ser ambiciosa demais e perder o foco nas pessoas que ela existe para ajudar? (iii) A organização é suficientemente ambiciosa? Ou corre o risco de ser prejudicada ou deixada para trás pelas mudanças sociais ou tecnológicas?

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A TABELAReferencial para analisar a sua OSC`, que preparei, a partir do referido texto da NPC, pode servir de guia para gestores de OSC, e para doadores / financiadores que querem analisar se a  OSC para a qual pretende doar, ou já vem doando, está trilhando o caminho da eficácia. (LINK)

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ENFIM, o que esses 24 critérios nos fazem ver é que para uma OSC atuar com impacto social é preciso que ela esteja “bem estruturada”, de modo coerente com o seu estágio de vida e contexto de atuação. E ´estar bem estruturada` significa ter clareza sobre o que a organização quer conseguir (resultados), como ela vai conseguir (atividades) e saber relatar se ela está conseguindo (avaliação). Significa também ter liderança firme, operar por meio de sinergias internas (equipes) e externas (parcerias), atuar com eficiência, ter pessoas competentes e motivadas, e ter um bom sistema de gestão de suas receitas e despesas. Não basta ter um ou outro desses requisitos; é preciso mirar em todos eles e, gradativamente, à medida que a organização for crescendo, passar a inseri-los na rotina da organização, de modo a garantir a sustentabilidade de suas iniciativas.

Assim, não basta que a OSC seja constituída por pessoas sérias e cheias de boas intenções. Para conseguir gerar a transformação social desejada por meio dos seus projetos, a organização tem que ir se fortalecendo como instituição; e, para isto, um bom guia são esses 24 critérios apresentados. Pois, se a OSC não estiver bem estruturada, ao menor tropeço, é bem provável que os seus projetos sociais percam tração e efetividade, e a organização acabe fechando as portas.

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.