No Brasil o modo de monitorar e avaliar resultados dos projetos sociais no Terceiro Setor avançou bastante em relação a quando comecei a atuar nesse campo, por volta de 2011. Naquela época, o Terceiro Setor padecia de identidade própria, ora mirava no setor privado lucrativo, ora no setor público. Por Terceiro Setor, entenda-se aqui as OSCs (Organizações da Sociedade Civil), também chamadas por ONGs (Organizações Não Governamentais) ou organizações sociais.
Basta ver que naquela época, em termos de monitoramento, o modelo-referência era a metodologia do PMBOK (Project Management Body of Knowledge), originalmente desenhada para grandes empresas no final da década 1990. Havia aí um nítido exagero no detalhamento e sistematização de processos. Já em se tratando de avaliação de resultados, mirava-se no exemplo da metodologia de impacto baseada em pesquisa experimental, preconizada para os programas sociais do setor público, em geral de grande alcance. Também havia aqui uma utopia avaliativa, pois dizia respeito a contextos totalmente distintos. No terceiro setor os projetos são, em sua maioria, pequenos, pontuais e com recursos escassos.
Hoje, considero que já se avançou bastante no Brasil na conscientização das especificidades e na condução dos projetos sociais no Terceiro Setor. Por duas razões principais:
1 – Porque houve avanço no campo do conhecimento teórico específico
Primeiro, porque, de 2011 para cá, houve um avanço significativo no que se refere à construção de conhecimento teórico específico relacionado a como deve ser o monitoramento e avaliação de resultados em organizações do Terceiro Setor. Incluindo:
(i) definição e abrangência dos diferentes níveis de objetivos (de impacto, de resultados imediatos e de produtos);
(ii) identificação de causalidade, sem fazer uso de pesquisa experimental;
(iii) tangibilização de conceitos subjetivos, muito comuns na área social;
(iv) clareza de entendimento do Modelo do Marco Lógico e/ou da Teoria da Mudança; (
v) implementação de dinâmicas participativas e inclusivas.
Cabe mencionar algumas organizações think-tanks no Brasil que tiveram papel de destaque nessa construção do conhecimento e de práticas específicas para o Terceiro Setor, tais como FGV, Abong, Fonte, FDC, Move Social; e mais recentemente Phomenta e Bússola Social.
No âmbito desse esforço geral de aprendizagem, elaborei o Manual de Planejamento e Avaliação de Projetos Sociais em Organizações Sociais, de modo a subsidiar as mentorias de projetos sociais que realizei (2011-2016) junto às organizações participantes do programa da POS / FDC (Parceria com Organizações Sociais da Fundação Dom Cabral).
2 – Em razão dos rápidos avanços nas áreas de TI e IA
A segunda razão que vem contribuindo para os avanços no monitoramento e avaliação do Terceiro Setor foi a rápida evolução nesses últimos anos das áreas de Tecnologia da Informação (TI) e de Inteligência Artificial (IA) generativa. Só para ilustrar, veja que por ocasião das mentorias de projetos sociais para as OSCs, a que me referi acima, eu estimulava basicamente o uso do Excel (software de planilha eletrônica da Microsoft) para tratar os dados da organização e viabilizar as análises. Isto porque o Excel se mostrava suficiente e adequado, e principalmente era familiar à maioria dos gestores das OSCs.
Naquele momento (década 2010), o foco ainda não deveria estar na ferramenta de gestão. Mais do que isso, o fundamental era desenvolver a lógica avaliativa e adequá-la ao real contexto de atuação de cada organização. Era também entender a necessidade dos dados, como eles deveriam ser usados corretamente para compor um indicador relevante e confiável.
Ou seja, como se vê, há bem pouco tempo a discussão da ferramenta ainda tinha papel secundário, além de ter custos proibitivos para a quase totalidade das organizações. Sem falar no risco do seu uso inadequado, gerando o já conhecido problema do “garbage in, garbage out” (lixo entra, lixo sai), advindo do encantamento que o simples uso de tecnologia costumava gerar por volta da década 2010.
Porém, hoje (2025), não mais. Na medida em as OSCs já estão amadurecendo o seu entendimento quanto à necessidade de informações relevantes e confiáveis, o fato de poder contar com um bom software de tratamento de dados passou a representar para elas um diferencial importante no sentido de dinamizar o seu trabalho.
De fato, em se tratando do monitoramento dos projetos, vejo que no Brasil começaram a despontar softwares e aplicativos de gestão customizados para o ambiente das OSCs, a preços bem mais acessíveis do que alguns poucos anos atrás – como é o caso da ferramenta Bússola Social. Também já podemos contar com a disponibilidade de softwares abertos e gratuitos, cujos formulários podem ser, sem maiores dificuldades, adaptados ao contexto de atuação das OSCs – caso do Google Forms ou do Monday.com.
Vale reforçar que esses são softwares que têm sido (ou podem ser) usados basicamente para monitorar / gerenciar a execução do plano de trabalho da OSC, como: o cadastro dos participantes (quem são? como tem sido a trajetória de cada um no projeto? a “focalização” do projeto está correta?), atividades realizadas, “insumos” utilizados, taxas de frequência dos participantes, taxas de evasão, qualidade dos “produtos” gerados, dentre vários outros itens que necessitam acompanhamento / monitoramento.
Por sua vez, é importante destacar que a avaliação de resultados de projetos sociais no Brasil ainda padece de softwares para o tratamento adequado dos dados, como é o caso, por exemplo, do software do Outcomes Star usado no Reino Unido. Esse software busca tangibilizar a evolução dos resultados pretendidos, antes e depois da participação nos projetos sociais. A esse respeito, faço uma menção no meu livro recente (2024), Rumo à eficácia do setor do setor social privado no Brasil (p. 207-215 ).
Daí, vejo que a grande maioria das OSCs no país está tateando na avaliação de resultados, que precisa ser ainda desenhada no modelo tailor-made (feito sob medida), baseada na elucidação de estudos de casos, grupos focais, outros tipos de pesquisa qualitativa.
Porém, há que se reconhecer que atualmente há novos aliados para a avaliação de resultados de projetos sociais que até há bem pouco tempo não existiam. Um deles é a ferramenta do ChatGPT que (como venho observando) pode ser usado, com a devida cautela, para tangibilizar e medir os conceitos subjetivos que caracterizam a maioria dos resultados dos projetos sociais. Sem falar nos bons e velhos aliados, como o Excel e a calculadora do tamanho da amostra.
CONCLUINDO, nesses últimos anos já avançamos bastante no monitoramento e avaliação de resultados de projetos sociais no terceiro setor. Mas, sem dúvida, ainda há muito por onde avançar.