O engajamento da comunidade pressupõe que as pessoas mais afetadas pelos problemas sociais participem de verdade no planejamento e implementação de suas soluções. A linguagem tende a ser simples, a abordagem “pé no chão” de quem vive e conhece a fundo a realidade social. Quando há engajamento genuíno, a comunidade torna-se sujeito na condução das transformações sociais. Todavia, para viabilizar o engajamento é preciso antes formar capital social, identificar lideranças e desenvolver certas capacidades analíticas básicas.
Por outro lado, a medição de resultados pressupõe programas sociais bem estruturados, baseados em “teorias da mudança” já testadas, e no uso de métodos estatísticos complexos para “isolar” os seus efeitos. Quando se fala em programas com sistema de medição, o que se tem observado é que se tratam de programas que já chegam como presentes embrulhados para a comunidade, e com o acompanhamento de técnicos especialistas que dão as orientações para a sua implementação. A comunidade, então, não precisa ser engajada; basta que ela seja mobilizada para receber o programa social.
Aliás, a experiência tem mostrado que comunidade engajada e uso sistemático de indicadores de avaliação têm sido realidades incompatíveis. Estão em planos de linguagem totalmente distintos. Assim, os representantes da comunidade podem até se sentar “à mesma mesa” com os técnicos-especialistas, os financiadores, os governos e demais grupos envolvidos com a iniciativa social. Mas o diálogo, de fato, não vai existir: um lado fala, mas o outro lado não consegue escutar. As lideranças da comunidade não entendem aquela quantidade enorme de dados e informações que lhes são apresentadas pelos especialistas. Por sua vez, os representantes dos outros grupos não captam as especificidades do contexto social em questão.
E quando não há o comprometimento genuíno entre as partes envolvidas, as consequências podem ser desastrosas. Há o risco da “eficácia negativa” da iniciativa social, isto é, ao invés de ter os efeitos positivos esperados, ela pode acabar prejudicando a comunidade. No mínimo, pode haver o desperdício de recursos, justamente quando estes se fazem tão necessários para enfrentar as carências sociais.
O caso de Mark Zuckerberg, criador do Facebook, é ilustrativo. Em 2010, numa ação coordenada com o governador de Nova Jersey (EUA) e o prefeito de Newark, ele doou US$100 milhões para reformar o sistema das escolas públicas do município, que estava em decadência. Para o governador e o prefeito, a alternativa de se buscar um consenso com os atores locais sobre a maneira para conduzir a reforma seria por demais demorada e confusa, sob pena de inviabilizar o programa. Daí, decidiram trazer de fora uma abordagem de reforma do tipo “presente” e “de cima para baixo”, criaram um conselho de filantropos, contrataram especialistas e executores para implementá-la, e procuraram seguir um cronograma apertado e ambicioso (sem tempo hábil para engajamento).
Concluíram depois que não ouvir a comunidade foi o grande erro deles. As famílias, que tinham suas crianças nas escolas, se revoltaram contra aquele plano de reforma, que estava desestruturando o status quo e criando um “ambiente tóxico” nas escolas. Todavia, Zuckerberg e sua esposa, Priscilla Chan, aprenderam a lição. Em 2014 fizeram nova doação para apoiar as escolas na região da Baía de São Francisco (EUA/California), e a condição imposta agora foi “ouvir as necessidades dos educadores locais e as lideranças da comunidade, de modo que pudessem entender as necessidades daqueles estudantes, que os outros não sabem” .
O ponto central a destacar é que se o público-alvo não se compromete com o programa social, as chances de sucesso do programa já são reduzidas desde o seu nascedouro. E para se comprometer, a comunidade tem que participar desde o início, ou seja, desde a concepção e o planejamento do programa social. Entrar como sujeito e objeto dele; e não apenas como objeto.
É, então, que surge a seguinte indagação: será que o público-alvo dos programas sociais, em geral constituído por pessoas em situação de vulnerabilidade e exclusão, é capaz de interagir bem com os indicadores de monitoramento e avaliação, construídos segundo critérios de consistência técnica e confiabilidade?
Da forma como a maior parte dos programas sociais vem sendo implementada atualmente, a resposta é um retumbante não!
Todavia, é possível conseguir, sim, a complementaridade virtuosa entre engajamento da comunidade e o uso de indicadores consistentes para medição de resultados. Para isso, são necessários certos ajustes importantes em ambos os lados, tais como: fazer a capacitação da comunidade para o engajamento; e fazer a adaptação do sistema de medição às necessidades reais do programa social em questão. Voltarei a essa reflexão em um próximo post….
Quem quiser conhecer outros aspectos sobre essa discussão, sugiro assistir ao vídeo com o debate ocorrido no Aspen Institute em março de 2016: https://www.youtube.com/watch?v=gaURu6yHxPg