ESG: Medir o desempenho e os impactos

Por on 23/02/2021

Peter Drucker dizia que “o que se mede, se torna gerenciável”.  Porém, essa máxima precisa ser aplicada com muito cuidado, sobretudo em se tratando de situações complexas com múltiplas especificidades, subjetividades e causalidades – pois também o que é mal medido, se torna mal gerenciado. É o caso dos indicadores ESG (do inglês Environmental, Social and Governance), cuja medição vem ganhando relevância crescente tanto para as empresas em nível individual quanto para o desenvolvimento global.  Os desafios para essa medição são grandes, mas precisamos começar de modo objetivo e decidido.

Como comentei recentemente, o movimento ESG (do inglês Environmental, Social and Governance) carrega em si a mesma proposta do movimento da RSC (Responsabilidade Social Corporativa) dos anos 1990, e depois do movimento da sustentabilidade: a da empresa comprometida com os seus vários públicos (stakeholders) e com o meio ambiente. Porém, a diferença é que o movimento ESG já nasce fortalecido, pois conta com o apoio sólido dos acionistas e investidores das empresas (shareholders) e dos seus representantes (as casas gestoras).  E por quê? 

Risco ESG é risco de investimento

A razão é que está se tornando cada vez mais evidente o fato de que risco ESG  representa sério risco ao investimento. O Brasil é pródigo de exemplos recentes nesse sentido. Só nos últimos cinco anos, tivemos os casos de corrupção nas relações de governança da Petrobras e da Odebrecht, de destruição ambiental e mortes nas comunidades do entorno com o rompimento das barragens da VALE, de desmatamento ilegal na cadeia de fornecedores dos frigoríficos JBS e MARFRIG, de acusações de comportamento racista pelo supermercado Carrefour. E, como sabemos, bastou que esses fatos viessem à tona para que essas empresas sofressem fortes prejuízos financeiros, fuga de acionistas e perda de valor de suas ações no mercado.

Não por outra razão Larry Fink, CEO da maior gestora de investimentos do mundo sediada em Nova York, vem enfatizando essa correlação entre ESG e resultado financeiro dos investimentos, em suas tão aguardadas Cartas anuais aos CEOs das empresas-investidas –  Carta de 2020  e Carta 2021.

Em especial nessa última Carta, depois de um ano difícil de pandemia em que ficou exposta a fragilidade humana em conviver com crises de âmbito global, Fink foi ainda mais firme em seu alerta quanto ao risco ambiental da ação das empresas.  Daí porque vem se tornando mandatório haver um compromisso real das empresas e governos na direção da economia global de “zero emissão de carbono” até 2050 (balanço zero entre a quantidade de dióxido de carbono que é emitida e que é retirada da atmosfera), de modo a viabilizar o Acordo de Paris (2015)  de redução do aquecimento global, que foi firmado entre os países.  

O problema é que ainda não há sequer  consenso sobre como medir o desempenho ESG. Estudo do MIT Sloan School of Management ( ago. 2020) apontou que, considerando os dados de cinco agências classificadoras ESG, a correlação entre os scores  ESG de 823 empresas foi de 0,61 (ou 61%) em média. É baixa se comparada com a correlação de  0,99 (ou 99%) entre os ratings (de risco) de crédito apurados pela Moody’s Investors Service e a S&P Global Ratings. A subjetividade na construção dos índices ESG pelos “fornecedores de ratings” é o que explica essa baixa correlação entre os índices ESG, ou seja, o modo (particular) como cada fornecedor faz as suas avaliações dentro de cada categoria do índice e atribui pesos.

Essa  subjetividade também está presente nos relatórios de sustentabilidade (ou ESG) das empresas, atualmente baseados em autodeclaração. Diferente, portanto, do que ocorre na divulgação dos relatórios financeiros das empresas, onde já existe padronização na forma de apresentar os dados.  A boa notícia, porém, é que já se está trabalhando para o alinhamento e padronização das informações / relatórios em ESG, haja vista a recente parceria firmada (jul. 2020) entre a SASB ( Sustainability Accounting Standards Board), GRI (Global Reporting Initiative) e mais outras 3 organizações internacionais.

É preciso medir o desempenho ESG

Vale lembrar que a SASB é uma organização independente sem fins lucrativos que define padrões para orientar a divulgação de informações em sustentabilidade relevantes pelas empresas aos seus investidores. Ou seja, os padrões SASB identificam o subconjunto de questões ambientais, sociais e de governança (ESG) mais relevantes para o desempenho financeiro em cada um dos 77 setores da economia. Cada vez fica mais claro que a medição da sustentabilidade é complexa e deve respeitar as especificidades e riscos de cada setor.

Em sua última Carta aos CEOs, Larry Fink recomendou fortemente para que as empresas passem, todas elas, a divulgar as suas informações ESG com dados consistentes e de boa qualidade, apresentando também os seus planos de sustentabilidade e/ou mitigação dos riscos ESG, e fazendo o acompanhamento.  Segundo ele, é uma divulgação imprescindível, embora voluntária por enquanto; sendo que, muito em breve, ela deverá ocorrer como imposição dos órgãos reguladores e com alinhamento de indicadores.

Outra questão de medição relevante em ESG é que, para além dos investimentos diretamente nas empresas, nesse último ano (2020) o mercado financeiro foi inundado pelos chamados fundos de investimento ESG – ou com nomes equivalentes, tais como fundos sustentáveis, ou de impacto, ou verdes, ou de equidade racial, e por aí vai.  Hoje, só no Brasil, são mais de 40 fundos disponíveis nas plataformas de investimento e nos bancos que se autodeclaram como sendo ESG, pois, como já observado, ainda não existe regulação, ou padronização, nesse campo – ver o Guia RESET de Fundos ESG (jan.2021).  Serão mesmo ESG, como dizem ser? 

Por exemplo, nos EUA  já começam a surgir críticas de que os fundos ESG vêm priorizando em seus portfolios empresas de tecnologia, que pagam menos impostos e contratam pouca mão de obra, quase só qualificada. Com  isso, estão contribuindo para piorar as crises sociais e políticas associadas com automação, desigualdade e concentração monopolista  (FT, 22.02.21).

É preciso medir os impactos ESG

Interessante matéria na Harvard Business Review, de jan. 2021 ( ESG Impact is hard to measure; but it`s not impossible), chama a atenção sobre como as medições ESG em âmbito corporativo podem gerar falsas ilusões de impacto. Também apresenta algumas recomendações sobre o que as empresas deveriam fazer para conseguir potencializar os seus impactos em sustentabilidade.  

Como as mensurações ESG podem ser enganosas em termos de impacto?  Os exemplos dados são bastante ilustrativos das seguintes situações:

  1. Medir os sinais, e se “perder” no processo – Se supõe que ter mais mulheres no Conselho de Administração da empresa vai ampliar a diversidade de perspectivas dos Conselhos e, portanto, ser capaz de gerar mais valor para a  empresa. Será? Para isso,  o pressuposto é o de que a causalidade é direta – e não é! Para que a diversidade do Conselho seja realmente positiva, é preciso que a empresa viabilize certas condições e processos internos, o que muitas vezes passa desapercebido.
  2. Medir as aparências, e se esquecer do sistema – A British Petroleum recebe créditos de carbono ao vender os seus negócios em petroquímica e, portanto, reduzir as suas emissões de CO2. Mas o fato é que as suas emissões não desapareceram da atmosfera; continuam no sistema, só que apenas mudaram de dono.
  3. Medir o que é mais fácil, perdendo o que é relevante –  É o caso das emissões de CO2 equivalente da empresa na atmosfera. Uma vez medidas, essas emissões são monetizadas  (preço de carbono equivalente), o que permite a comparação entre empresas e atividades. Porém, muito mais difícil – e tão ou mais relevante, é medir os impactos da empresa sobre a biodiversidade, pois há aí uma variedade de fatores envolvidos (como mudança no uso da terra, agricultura intensiva, uso de pesticidas, mudança climática, doenças, etc….) em uma relação complexa de causa e efeito, no tempo e no espaço.

Para além das medidas: Passos para uma ação efetiva em impacto ESG – As empresas devem, sim, medir o seu impacto (individual) em ESG, porém ampliar o seu foco para além dos seus indicadores, e buscarem continuamente capturar informações relevantes sobre os seus processos e os sistemas que governam os seus resultados e impactos. E mais importante ainda: medir, aprender, e fazer as devidas correções de percurso.

  1. Ampliar o foco para conseguir desenvolver insights sobre os próprios processos  – Quando a Nike foi criticada na década 1990 pelas práticas trabalhistas dos seus fornecedores, ela partiu para entrevistar 67 mil trabalhadores para conseguir ter uma compreensão abrangente do problema. Com isso, a Nike conseguiu criar uma estratégia de longo prazo, envolvendo a divulgação de suas informações, parceria com outras marcas para melhorar as condições de trabalho, e mobilização do apoio das comunidades.
  2. Ampliar o foco para conseguir enxergar o sistema como um todo – Empresas como Cargill, Diageo e Unilever, que dependem de água em suas cadeias produtivas, passaram a ter uma abordagem compartilhada no que se refere à restauração de bacias hidrográficas. Assim, ao invés de ficarem restritas a uma atuação isolada, elas puseram em prática uma atuação para além de suas fronteiras, dentro de um enfoque colaborativo para questões sistêmicas.
  3. Valorizar a curiosidade e a aprendizagem (das equipes de linha de frente das empresas) – Foi o caso dos técnicos e engenheiros da Xerox que descobriram maneiras para reutilização de peças de suas fotocopiadoras, com isso ampliando as possibilidades de economia circular e de redução de resíduos. 

Concluindo, não tenho dúvidas de queESG é apenas um novo nome para RSC ou sustentabilidade, e basicamente o mesmo significado. A diferença é que até agora a sua medição é autodeclarada, voluntária, subjetiva e com o papel de contribuir para a boa imagem da empresa. Hoje ela está virando uma exigência dos investidores, do mercado financeiro, da sociedade como um todo, e do Planeta. Como vimos, os desafios estão em tornar a medição ESG objetiva, padronizada, obrigatória e sobretudo capaz de evidenciar os seus impactos no nível da saúde financeira da empresa  e da qualidade de vida nas cidades, nos países e no Planeta.    

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.