ESG sob fogo cruzado: a topologia do “ódio”

Por on 01/04/2023

(CONTINUAÇÃO)

Quem vem atacando o ESG? Dando sequência à reflexão anterior que fiz acerca do ESG sob fogo cruzado, interessante dar um passo à frente e  conhecer como está constituído o chamado ambiente do  “ódio” ao ESG (Environmental, Social and Governance), que tem crescido rapidamente sobretudo nos Estados Unidos. A esse respeito, é bastante elucidativo  o artigo na Forbes (03.06.2022) de Robert G. Eccles, professor titular da Harvard Business School, atualmente na Oxford University,  e considerado referência no campo da sustentabilidade, seja sob a ótica da empresa ou do investidor.

A topologia do “ódio” ao ESG: quais são os 4 grupos?

Por “topologia do ódio” ao ESG, professor Eccles faz uma sistematização das propriedades, relacionamentos e complexidades que permeiam esse espaço. Ele identifica 4 grandes grupos do ódio ao contexto atual ESG, que eu a seguir sintetizo a partir do entendimento que tive do artigo, que não é de leitura fácil e bastante denso.

1 – O grupo dos Talibãs –  Para esse grupo, “ESG é bobagem”. Respondem com críticas violentas, rabugentas e pessoais aos defensores do ESG. Zombam da ideia do “capitalismo de stakeholders”. Para esse grupo, apenas governos fortes (o deles próprios!) podem prevenir as mudanças climáticas e os problemas de sustentabilidade.

2 – O grupo dos Terraplanistas – Para esse grupo, “ESG é uma estratégia perniciosa” que prejudica as empresas. Representa uma abordagem estreita, linear e equivocada, segundo o prof. Eccles. As pessoas nesse grupo acreditam que, por meio das forças do mercado e das inovações tecnológicas, a humanidade será capaz de ir encontrando soluções para os problemas climáticos e sociais que forem surgindo. Sempre foi  assim, ao longo da história. Stuart Kirk, ex executivo da área de sustentabilidade do HSBC, é tido como porta-voz dessa linha, haja vista a sua fala na conferência do “FT – Moral Money (20.05.2022)”, enfatizando “porque o risco climático não representa risco de investimento”.

Outro expoente desse grupo é o vice-presidente republicano do período Donald Trump, Mike Pence. Em artigo no The Wall Street Journal (26.05.2022), ele parece deixar claro que ESG está se transformando em guerra política, “ao permitir aos grupos de esquerda conquistarem coisas que eles não conseguiriam através da urna dos votos ou da concorrência de mercado. Empodera burocratas, reguladores e investidores ativistas,  que não foram eleitos, a classificarem as empresas segundo a sua aderência a valores de esquerda….. assim, os ratings ESG atribuídos às empresas são como os scores de crédito social que eram concedidos pelo Partido Comunista na China”.

É dentro desse balaio de investidores ativistas que Mike Pence coloca os representantes das principais gestoras de recursos de Wall Street e do mundo, como a Black Rock (de Larry Fink), State Street e Vanguard. Afinal,  questiona o professor Eccles, qual a identidade dessas casas gestoras: capitalistas gananciosos ou  “bonzinhos do ESG”? Isso ilustra o grau de complexidade das interações a que se chegou nesse campo do ódio ao ESG.

E aqui um parêntesis: tanto o grupo dos Terraplanistas como o dos Talibãs repudiam as agências de classificação ESG, como as conhecidas MSCI, RepRisk e Sustainalytics. Batem nelas porque chegam a publicar rankings tão díspares para uma mesma empresa,  porque não avaliam impacto ou sustentabilidade efetiva, e apenas se ocupam de medir atividades e processos. A esse respeito, o professor Eccles contra-argumenta  que essas agências surgiram justamente no vazio de relatórios confiáveis em sustentabilidade, e que jamais pretenderam medir impacto (será?!). A esperança dele é que, com a finalização do ISSB (International Sustainability Standards Board), vá se conseguir estabelecer padrões sólidos para reportar sustentabilidade.

3 – O grupo dos Advogados – Para esse grupo, ”ESG tem funcionado como ferramenta de marketing” – e eles não concordam que continue assim. Os termos são mal-defindios como “capitalismo de stakeholders” ou “fundos ESG”, soam como palavras vazias, e a confusão reina. Daí que, diferente dos dois grupos anteriores, esse grupo advoga pela mudança e pelo impacto efetivo das práticas do investimento ESG e da sustentabilidade nas empresas. Uma voz que se tornou referência nessa abordagem é a da jovem Desiree Fixler que, na condição de chefe de sustentabilidade na gestora alemã de ativos DWS ligada ao Deutsche Bank, foi demitida (2021) por alertar inicialmente aos dirigentes da própria DWS, e depois denunciar, que a organização estava divulgando informações enganosas (ou superdimensionadas) relativas aos critérios ESG em sua carteira de investimentos (ESG washing).

Há aqui o subgrupo dos Advogados Oportunistas, que denunciam as práticas ESG em benefício deles próprios, e não com o objetivo de contribuir para o avanço dos reportes e indicadores ESG.

4 – O grupo dos Pragmáticos – Para esse  grupo, que é o menor de todos – mas é o que tende a se expandir, ESG tem sido uma abordagem por demais compartimentada e estreita, pois limitada ao âmbito das empresas e das finanças. Tanto que se justificaria aqui o “RIP ESG” (ou seja, já dar um “basta” ou um “Rest In Peace” a esse padrão atual ESG). O mundo de hoje é complexo e imbricado; daí porque precisamos ter abordagem abrangente, sistêmica e pragmática para enfrentar os problemas sociais, econômicos, políticos, geopolíticos, tecnológicos, de saúde e ambientais. Diferente dos outros três grupos, esse não é um grupo constituído sob uma perspectiva única em relação ao ESG, mas um grupo com múltiplos olhares, grande parte das vezes conflitantes, que deveriam se interagir cada vez mais com vistas a soluções potentes e ambiciosas.

Como resumiu Martin Wolf (editor do Financial Times) em um dos seus muitos artigos (Valor, 31.11.2022), “a humanidade criou um mundo tão interdependente que nenhuma outra abordagem é possível. Claro, tal abordagem é difícil. Ela está fadada a irritar os especialistas que trabalham confortavelmente em seus compartimentos. Mas desde a crise financeira, e em especial nos últimos três anos, tornou-se claro  que essa limitação não tem sentido. É preferível ousar estar certo de modo aproximado do que estar errado de forma precisa.”

Concluindo: será que todos esses 4 grupos nutrem realmente ódio ao ESG?

A meu ver, o termo “ódio”, adotado pelo professor Eccles nesse seu artigo, tem sentido de “rancorosa desaprovação” ao papel relevante que o movimento ESG passou a ocupar junto às empresas e ao setor financeiro, sobretudo de 2019  para cá. Até então, o movimento da sustentabilidade (antigo nome para ESG) tinha caráter periférico, e não incomodava.

Entendo que nessa “topologia” proposta há uma clara distinção entre os dois primeiros grupos e os dois últimos. Assim, os grupos dos Talibãs e dos Terraplanistas têm, sim, ódio do mal que o ESG já está causando (e ainda vai causar mais) à lucratividade das empresas. Isto porque, com os valores ESG em alta, as empresas estão sendo compelidas a assumir custos elevados em questões que não seriam atribuições delas.

os grupos dos Advogados e dos Pragmáticos também têm ódio por conta do bem que o ESG não está causando ( e poderia causar!) se as práticas ESG estivessem sendo conduzidas de forma realmente comprometida e séria. Isto é, se não estivessem sendo conduzidas (como vem ocorrendo) na condição de marketing ou mero verniz para a imagem / reputação das empresas, como alega o grupo dos Advogados; e apenas como uma atuação limitada ao âmbito das empresas e do setor financeiro, como afirma o grupo dos Pragmáticos.

Se entendi bem o posicionamento do professor Eccles (embora ele não explicite), o ideal seria que esse “ódio” (à configuração atual do ESG) nutrido pelos dois últimos grupos, o dos Advogados e o dos Pragmáticos, fosse se transformando em forças do bem para conseguirem alavancar as transformações sociais, ambientais, econômicas e de governança tão necessárias no mundo de hoje. Ele reconhece que esse caminho já começa a ser trilhado, sobretudo na seara dos Advogados. O próprio fogo cruzado ao ESG tem feito o mercado, a sociedade como um todo, amadurecer  e evoluir. Também a construção consensuada do ISSB a múltiplas mãos em âmbito internacional é uma iniciativa importante nessa direção.

E nós aqui no Brasil, podemos falar em ambiente de “ódio” ao ESG?  Se sim, e dentro dessa tipologia examinada, quantos grupos de “ódio” ao ESG podemos identificar? Haveria algum grupo dominante? Deixo essas perguntas para uma próxima reflexão.

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.