IMPACTO: Nove pontos relevantes

Por on 27/10/2021

Dito de forma genérica, impacto é a mudança (ou transformação) provocada por uma dada iniciativa. Há vários tipos de impacto. Atualmente o termo entrou no auge da moda, e precisamos ter clareza quanto ao seu significado.

De quais impactos estamos falando? Hoje em dia todas as organizações querem ser percebidas como sendo de impacto, sejam elas do setor público, ou do terceiro setor, ou empresas privadas.

Na semana passada fui convidada a  falar sobre conceitos e indicadores de avaliação de impacto no 1º Encontro de Negócios de Impacto da Unitecne /Uniube (ver video). Frente a esse desafio, me vi estimulada para a seguinte reflexão:  que impacto estamos querendo avaliar?  Em que momento?  Em que território?  Junto a qual público? Com que olhar?

Vou comentar a seguir os 9 pontos que considero relevantes quando nos referirmos a impacto. Essa lista não pretende ser exaustiva, e novos pontos ainda podem ser incluídos nela.

  1. Julgar (ou avaliar) impacto pressupõe um valor cultural.  No final do século XIX, a empresa siderúrgica de Andrew Carnegie que despontava nos EUA era símbolo de progresso, geração de empregos e base (aço) para uma infinidade de acesso a novos produtos. Nessa ocasião, a fumaça das fábricas era bem-vista. Nos dias de hoje, a indústria siderúrgica tornou-se malvista porque pressupõe o uso intensivo do carvão, é forte emissora de gases de efeito estufa, e os investidores fogem dela como o diabo da cruz. O mesmo se pode dizer hoje do setor de combustíveis fósseis.
  2. Impacto e inovação costumam andar de mãos dadas. Inovar é propor uma solução eficaz para um dado problema, ou seja, é gerar impacto a partir de um produto novo ou de um fazer diferente. Só que, com o passar do tempo, a solução dada acaba se tornando ultrapassada e é preciso ser substituída. Em outras palavras, o impacto “caduca”.  Ou como dizia o economista Joseph Schumpeter no início do século XX, trata-se da “destruição criativa”.   É o que vemos acontecendo  hoje com a energia gerada por meio dos combustíveis fósseis, que se tornou um problema e precisa ser substituída pela energia baseada em combustíveis renováveis. Também estamos assistindo às técnicas da construção civil feitas sob medida e in loco sendo substituídas pela tecnologia de módulos montados e off-site. Assim, da mesma forma que ocorreu no passado recente, o que é hoje considerado uma iniciativa de impacto, também muito em breve poderá deixar de sê-lo.
  3. Ao ser planejado, o impacto pode ser positivo ou negativo.  O impacto é positivo quando produz uma mudança desejada; é negativo, quando a mudança produzida prejudica, ou não é desejada.  A meu ver, ninguém se empenha em uma iniciativa (ou projeto) com a intenção de provocar um impacto negativo. Só se for uma mente doentia.  Por isto, a princípio toda empresa tem (ou explicita ter) impacto (ou propósito) positivo, ao ser fundada. Com o passar do tempo, os impactos negativos podem surgir e/ou vão se revelando. 
  4. Impacto não pode ser avaliado como totalmente positivo ou totalmente negativo. Não é ‘menos 100`  ou ‘mais 100`, mas uma infinidade de possibilidades intermediárias. Quer isso dizer que o impacto deve ser avaliado como um balanço final dos seus efeitos positivos e negativos. Nos dias de hoje, a empresa siderúrgica deve ser avaliada pelo balanço dos seus impactos gerados, e deve ser gerida com o objetivo de reduzir os impactos negativos.
  5. Ao longo da trajetória de um projeto (negócio), podem ocorrer impactos negativos, que  não foram planejados. Por isto, o monitoramento constante é fundamental, para detectar esses efeitos não-intencionais indesejáveis, e fazer (de verdade) as devidas correções de rota. Por exemplo, uma empresa química cujos dejetos são nocivos à saúde das comunidades do entorno; ou um projeto social que, ao pretender fortalecer produtores rurais em situação de pobreza, e acaba gerando desunião entre eles. Por outro lado, também podem ocorrer efeitos não-intencionais desejáveis que precisam, então, ser potencializados.
  6. O impacto pode ser de natureza social ou ambiental. É social quando beneficia ou prejudica a qualidade (ou as condições) de vida de uma pessoa, ou de um grupo de pessoas vivendo em sociedade. É ambiental quando diz respeito às condições / equilíbrio da natureza de um dado território (ar, oceanos, rios, terra, vegetação, fauna, chuvas, etc…) ou do planeta Terra como um todo.  Muitas vezes esses dois tipos de impacto estão entrelaçados e se retroalimentam – problemas de saneamento básico e de habitação precária geram mais poluição e desmoronamento de encostas, agravando os problemas sociais.
  7. Geralmente (o que não quer dizer sempre!), as Organizações da Sociedade Civil (OSCs) tendem a focalizar os seus impactos em pessoas e territórios em situação de pobreza e/ou vulnerabilidade, sem condições de buscar soluções de forma autônoma. Tal focalização ocorre também com empresas e negócios sociais.  São, por assim dizer, iniciativas com impacto restrito a determinados públicos. Como exemplos, são os projetos educacionais da rede de OSCs  Gerando Falcões para crianças e adolescentes  moradoras de favelas; ou, no outro extremo, os projetos da Cyrela de realizarem o sonho de moradia de famílias de renda elevada.  Em contraposição, temos as iniciativas com impacto abrangente que visam atender a todos, ao coletivo – como as campanhas de vacinação do governo federal,  ou a produção da Petrobras de GLP (gás liquefeito de petróleo) que é usado para cozinhar.   
  8. Os resultados de uma iniciativa (ou projeto, ou negócio) podem ser decompostos em níveis. Há o (primeiro) nível dos resultados imediatos, que correspondem aos efeitos diretos da iniciativa para as pessoas atendidas, em termos de mudanças de comportamento, percepção, atitudes, sentimentos e bem-estar. Há os níveis seguintes,  dos resultados de médio e/ou longo prazo, que correspondem aos efeitos indiretos, como consequência dos  resultados imediatos. Esse nível final dos resultados da iniciativa é que é conhecido como impacto. Assim, suponha o banco Pérola: o resultado imediato é o acesso a crédito propiciado aos pequenos empreendedores; o resultado final, ou impacto, é o aumento daí advindo para o faturamento desses empreendedores. Outro exemplo: no  Zenklub, o resultado imediato é a recuperação da saúde (bem-estar) mental das pessoas tratadas; o impacto é o (posterior) desempenho profissional e social dessas pessoas. Dependendo da abrangência da ação, o impacto pode chegar a ser percebido no território ou em contexto mais amplo onde a iniciativa foi conduzida. 
  9. Impacto e ESG tendem a ser conceitos distintos. Impacto está relacionado à razão de ser (missão, finalidade) da organização. ESG (do inglês Environmental, Social and Governance) tem a ver com o modo de atuar da organização.  Pode ocorrer casos de empresas que sejam mais valorizadas em termos de ESG do que propriamente por sua missão. A meu ver, o caso da Coca-Cola ilustra bem essa distinção. A empresa tem um comportamento ESG que é considerado exemplar no Brasil, mas sua missão está restrita a “satisfazer com excelência aos consumidores da bebida”.
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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.