Vou aqui discutir algumas dúvidas sobre a relação Igreja Católica – Amazônia que foram levantadas, por católicos e não-católicos, por ocasião da realização recente do Sínodo para a Amazônia, encerrado no domingo passado (27.10.2019) no Vaticano. Por que foi realizado um Sínodo de bispos específico para a Amazônia?
O que foi o Sínodo para a Amazônia?
O Sínodo é um mecanismo de consulta do Papa. Os bispos convocados têm a função de debater e fornecer material para que o Papa possa dar diretrizes ao clero. Prática instituída em 1965 pela Igreja Católica, aconteceu nesse ano pela 16ª vez. São encontros convocados e presididos pelo Papa, para discutir temas gerais da Igreja Católica (como juventude em 2018; família em 2015), ou extraordinários (considerados urgentes), e/ou temas especiais (sobre uma região).
No caso desse Sínodo (especial) para a Amazônia, o encontro já havia sido anunciado desde janeiro de 2017 pelo Papa Francisco, para tratar de assuntos comuns aos 9 países relacionados ao bioma da Floresta Amazônica, a saber: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana Francesa.
O encontro, que foi realizado no Vaticano e se estendeu entre os dias 06 e 27 de outubro de 2019 (sem incluir o período preparatório), contou com um total de 250 participantes, sendo 185 padres sinodais (como são chamados os bispos participantes – da região, de outros países e de diferentes congregações religiosas), além de líderes de outras comunidades cristãs, da população da região e de especialistas.
Principais críticas – Este Sínodo tem recebido críticas sobretudo do governo brasileiro, incomodado com o viés ambiental e pressionado pela situação social crítica da Amazônia. Também tem sofrido críticas da ala conservadora da igreja, que vê como inapropriado o debate sobre a ordenação de homens casados como sacerdotes, a criação de ministérios oficiais para mulheres e a incorporação de costumes indígenas em rituais católicos.
(In Folha de SP, 05.10.2019. Entenda o que é o Sínodo da Amazônia liderado pelo Papa Francisco )
Por que foi realizado o Sínodo para a Amazônia?
Motivo 1 – Porque a Igreja vive em escuta permanente
Como explicou Dom Walmor (arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, MG, e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB)
“Numa Igreja sinodal, isto é, aquela que prima sua vida e testemunho pela escuta permanente de Deus, dos irmãos e, particularmente, dos clamores dos pobres e sofredores, dinâmica vivida em toda a Igreja, em todas as suas instâncias e relações, realizou-se o Sínodo dos Bispos para a Amazônia. Uma convocação que foi feita por quem tem a autoridade para escutar bispos, padres, cristãos leigos, peritos, convidados, mas especialmente os representantes dos povos da Amazônia: o Papa Francisco. O Papa fez esse caminho sinodal precedido por uma longa preparação, a partir de ampla participação de diferentes setores e um concentrado esforço de entendimento da realidade. …..
Quem não escuta, ataca; quem não escuta, se defende com acusações; quem não escuta, se entrincheira, ilusória e agressivamente, em ataques desrespeitosos, na semeadura de cizânias, da discórdia, e da confusão” (In CNBB, 25.10.2019. Dom Walmor Oliveira de Azevedo, Verdade sobre o Sínodo)
Motivo 2 – Porque Evangelização NÃO pode mais ser colonização
Como afirmou Dom Roque (arcebispo de Porto Velho, RO e presidente do Conselho Indigenista Missionário – CIMI)
“Trabalhamos com a evangelização no sentido do diálogo, do respeito às culturas diferentes e, sobretudo, do desafio de perceber os sinais da presença de Deus no meio de cada povo. ….. A evangelização não é entregar um pacote pronto, mas traçar caminhos junto com as populações. Se um (da etnia) macuxi se torna cristão e católico, não pode negar sua tradição, seus costumes, sua história. Do contrário, a evangelização se torna colonização”
Também o missionário leigo Aleandro Laurindo da Silva (que trabalha com comunidades indígenas urbanas na Grande São Paulo, com as etnias guaranis e pancararus) é contra a visão integracionista, que “promove a integração de minorias (étnicas, sociais, etc… ) dentro de uma comunidade alargada”. Para ele, é uma visão ultrapassada que destrói a cultura dos povos para poder integrá-los. Ser contra essa visão demonstra que a Igreja aprendeu com os próprios erros do passado. O missionário afirma que
“Teremos consequências positivas para a Igreja no mundo todo com o Sínodo. A Igreja vai se arejar, abrir as janelas e deixar de se pautar apenas pela realidade europeia. E será muito importante denunciar a visão destrutiva e integracionista que existe sobre os povos indígenas”
(In Folha de SP, 21.10.2019. Missionários abandonam ideia de conversão religiosa)
Motivo 3 – Porque a Igreja precisa ter um “rosto indígena” na Amazônia
Para o padre Paulo Suess, que é assessor teológico no CIMI e ajudou na elaboração do documento de trabalho preparatório para o Sínodo da Amazônia,
“A Igreja precisa ter um rosto indígena. Para isso precisa ampliar sua atuação na região: tem que passar de uma igreja de visita para uma igreja de presença. Essa presença, porém, só será viável com o ordenamento de indígenas e ribeirinhos, permitindo o sacerdócio aos casados. As mulheres também precisam ser reconhecidas , com ordenação de diaconisas, posição que não equivale a de um padre. …… Os ritos da igreja podem incluir rituais indígenas, começando pelas vestimentas: Não precisa ser o colarinho romano, pode ser outro sinal distintivo que caracteriza o indígena como padre. Porém, isso não vai acontecer de hoje para amanhã. É um longo processo”. (Igreja com rosto indígena)
E também como reforçou o missionário leigo Aleandro Laurindo, a evangelização pressupõe buscar alternativas para a sua viabilização.
“A gente está falando de regiões remotas (Amazônia), para onde a maioria dos padres não quer ir. Às vezes o pessoal do CIMI leva 2 meses viajando de barco para percorrer 9 aldeias, gastando milhares de reais, quando seria possível oferecer assistência religiosa a essas populações de outra maneira, formando pessoas nas próprias comunidades”
Motivo 4 – Porque a Amazônia precisa de desenvolvimento sustentável e inclusivo
A partir dos dados que foram levantados pelo Instituto SocioAmbiental – ISA, Tiago Moreira, antropólogo e analista do ISA, sintetiza a situação socioambiental crítica da região amazônica e as perspectivas de piora.
“Na terra indígena dos Yanomami, entre os estados de Roraima e Amazonas, a corrida do ouro ilegal já deixou a região marcada pela invasão de garimpeiros e a contaminação por mercúrio…..
Os pedidos de legalização do garimpo na Amazônia mostram que as empresas estão de olho em 55 substâncias, sendo a mais cobiçada o ouro, seguido de cobre, estanho, chumbo, manganês, titânio e nióbio. …..
Os números de terras indígenas afetadas e de potencial de desmatamento mostram que se trata de um processo de espoliação desses terrenos, de uma exploração a qualquer custo. Qualquer que seja a participação dos indígenas nos lucros da atividade minerária, ela jamais será suficiente para cobrir os prejuízos ao ambiente e ao modo de vida das comunidades, já que as empresas um dia irão embora deixando o ‘patrimônio’ dos indígenas contaminado.” (Repórter Brasil, 21.10.2019. Mineração e ameaça na Amazônia)
Em sua homilia de encerramento do Sínodo, o Papa Francisco afirmou que, sim, é possível fazer diferente (do que foi feito até agora) na Amazônia, de modo a acolher a todos – povos e natureza. Disse o Papa,
“Neste Sínodo, tivemos a graça de escutar as vozes dos pobres e refletir sobre a precariedade das suas vidas, ameaçadas por modelos de progresso predatórios. E, no entanto, precisamente nesta situação, muitos nos deram testemunho de que é possível olhar a realidade de modo diferente, acolhendo-a de mãos abertas como uma dádiva, habitando na criação, não como meio a ser explorado, mas como casa a ser guardada….” (In Vatican News, 27.10.2019. Íntegra da homília do Papa na Missa de encerramento para a Pan-Amazônia)
Em outras palavras, podemos dizer que o Papa conclama a todos (católicos ou não) para a necessidade de amadurecermos estratégias de desenvolvimento sustentável e inclusivo para a Amazônia.
Considerações finais
A partir das falas de representantes da Igreja e da região, procurei elencar os 4 motivos que, a meu ver, mais do que explicam a realização desse Sínodo (especial) da Igreja Católica para a região da Amazônia, que são:
-
- A Igreja vive em escuta permanente, buscando ouvir sobretudo as “vozes dos pobres”
- A Evangelização NÃO pode mais ser colonização. A Igreja aprendeu com os erros do passado.
- A Igreja precisa ter um “rosto indígena” na Amazônia
- É preciso desenvolver a Amazônia – porém SEM espoliar a terra e os povos que aí vivem