Mensagem aos gestores sociais

Por on 28/02/2018

Para quem quer entender sobre a realidade das crianças que abandonam a escola nas metrópoles brasileiras, recomendo fortemente o livro Vidas Presentes, de Luiz Eduardo Soares (2017) – clique para download. Para os gestores sociais, é leitura obrigatória para saberem trabalhar com esse público tão abandonado e carente de apoio.

O livro é escrito de forma clara, objetiva e de uma sensibilidade a toda prova. São 15 relatos curtos, a partir das experiências dos articuladores do Projeto Aluno Presente, da   Associação Cidade Escola Aprendiz,  no município do Rio de Janeiro.

Me emocionou a triste e complexa realidade em que vivem as crianças descritas em cada um dos relatos. Porém, também fui tomada de esperança ao aprender, com cada articulador do projeto, como é possível destrinchar cada situação e identificar soluções – ou pelo menos, iniciar uma estratégia de solução.

Como afirma Luiz Eduardo na introdução do livro, os relatos mostram que é possível e urgente salvar vidas – caso a caso, enquanto não se implementam “soluções amplas, consistentes, institucionalizadas e definitivas”. Mas não podemos continuar assistindo com naturalidade a essa tragédia social, causa-raiz das crianças fora da escola. Temos que ter o sentimento de indignação e o sentido de responsabilidade.

Vejam alguns exemplos dos casos que foram abordados no livro, que ilustram o contexto de vida dessas crianças que não vão à escola:

  • Morro Alto: Dois irmãos, de 7 e 10 anos. Da mãe drogada, não se tem notícia. O pai alcóolatra não quer saber dos filhos e pede que eles sejam entregues para adoção.
  • Morro do Gavião: Menino de 9 anos foi expulso da escola por ter tido comportamento “agressivo”. Ele e mais quatro irmãos moram com a mãe em um barraco miserável de um cômodo e um buraco à mostra, que funciona como banheiro
  • Vila dos Anjos: Um prédio inacabado da Caixa Econômica Federal foi ocupado por 400 famílias, sob o comando da milícia. Em um dos cômodos vive uma menina de 9 anos com o pai, que é drogado e abusa dela, enquanto a mãe fica fora a semana inteira.
  • Prédio abandonado do IBGE na Mangueira ocupado por famílias de desabrigados: Quatro irmãos eram tidos como “problemáticos” na escola. A mãe deles é ex-presidiária, tem 14 filhos, é dependente química e apanha do pai das crianças.
  • Favela da Pedreira: toda noite, menina de 12 anos e sua família descem para ir trabalhar no mercadão. A menina e suas duas irmãs (não grávidas) vão ter relações com os caminhoneiros; já a mãe e as irmãs grávidas vão vender balas e drogas.
  • Favela das Flores: moradora se afeiçoa a bebê que vivia na rua com sua mãe e outros usuários de crack. A mãe acaba entregando o bebê para a moradora criar, junto com os seus outros dois filhos. Como não tem os documentos da criança e com medo de perde-lo, ela não o coloca na escola, e a criança já está com 10 anos.
  • Favela Teto Molhado: Menino de 9 anos, que teve paralisia e é cadeirante, quer muito ir à escola. Mas não pode, porque nas três escolas próximas só há escadas e não tem como ele se locomover lá.
  • Favela da Corcova: para fugir das surras do pai, que era do tráfico e vivia armado, a mãe (de 25 anos) e o filho, de 10 anos, mudam-se para a favela da Corcova, porque é dominada por facção rival de traficantes. O barraco é de papelão e caixotes. Lá já moram também a tia (de 24 anos) e a avó do menino. As três mulheres são usuárias de drogas e ganham dinheiro se prostituindo.

Da leitura do livro, fica claro que as causas para a evasão escolar não estão nas próprias crianças. Não são elas o problema. Elas não são “agressivas” nem “problemáticas”. Construir esses rótulos só apazigua consciências e empurra o problema para outros. Elas são vítimas de uma realidade social complexa e chocante.

Para o caso das organizações sociais e escolas que trabalham diretamente com essas crianças, os articuladores retratados no livro nos ensinam que, se queremos de fato ajudar a transformar vidas, é essencial entender o contexto de cada criança, ter sensibilidade, demonstrar respeito, conquistar confiança, passar afeto, ter coragem e ser perseverante para conseguir identificar e colocar em prática as soluções possíveis. Muitas vezes o que ocorre é que as pessoas que trabalham nessas organizações carecem de sensibilidade e interesse genuíno para poderem conseguir enxergar essas soluções.

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.