Com o encerramento da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP 26) em Glasgow no último dia 13 de novembro, quais são os principais desafios que o Brasil tem pela frente?
Vou aqui dar continuidade à reflexão que havia feito antes da COP26, quando procurei identificar e entender as principais ideias e conceitos envolvendo a questão do aquecimento global – veja em: Sustentabilidade, Mudanças Climáticas e Brasil: Entendendo o que está acontecendo.
Para o secretário-geral da ONU, António Guterres, os acordos alcançados durante essa 26ª Conferência representaram um passo importante, porém não foram suficientes. Para ele, é preciso ir além das ações acordadas entre os 197 países presentes ao Encontro, se queremos realmente limitar que, até 2100, o aumento médio da temperatura não ultrapasse em 1,5ºC a média dos níveis pré-industriais (1850).
É uma meta ambiciosa e difícil, se considerarmos a evolução da temperatura do Planeta nos últimos 150 anos. Porém, imprescindível. Segundo o especialista José Eli da Veiga, até meados do século XX (1945), mesmo tendo havido a revolução industrial, a escala de degradação do meio ambiente era pequena, e não existia qualquer ameaça à raça humana. Porém, sobretudo de 1970 para cá, a escala de degradação da natureza cresceu espantosamente, acelerando a formação dos gases de efeito estufa (GEE) e colocando seriamente em risco a vida no Planeta.
Sem entrar no mérito da discussão sobre Floresta Amazônica (que se tornou questão climática central quando se fala em Brasil no resto do mundo), levanto a seguir alguns dos muitos desafios que o Brasil tem pela frente, depois da COP 26 de Glasgow:
- Criação do mercado de compensação de carbono
Um dos passos importantes da COP 26 foi a regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris, que prevê a possibilidade de cooperação entre países e empresas para a redução das emissões de GEE. O artigo 6.2 estabelece uma espécie de comércio de reduções de emissões (ou remoções) entre os países por meio dos chamados ITMOs (Internationally Transference Mitigation Outcomes). Já o artigo 6.4 estabelece um mecanismo descentralizado para as transações, definindo a geração de redução / remoções de emissões com base em projetos privados, que precisam ser certificados e validados (os créditos de carbono).
O desafio agora para o Brasil é criar as normas para regular, dar transparência e credibilidade para as transações domésticas de carbono. Segundo o CEBDS, “o Brasil é um dos países com maior potencial de vendas de crédito de carbono do mundo. O país poderá escoar seus créditos florestais e agrícolas, valorizando grandes ativos naturais de nossa biodiversidade e a agricultura de baixo carbono, bem como engajar o setor privado num comércio global de neutralização de emissões”.
No momento, está em tramitação Projeto de Lei 528 / 2021 que institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) e que vai regular a compra e venda de créditos de carbono no País.
Por esse Projeto de Lei, um crédito de carbono equivalerá a uma tonelada dos gases que deixarem de ser lançados na atmosfera. Os créditos de carbono estarão atrelados a projetos de redução ou remoção de GEE da atmosfera, como um projeto de reflorestamento, por exemplo. Essa redução será quantificada (em toneladas de gases) e convertida em títulos, a serem negociados com governos, empresas ou pessoas físicas que têm metas obrigatórias de redução de emissão de GEE.
Porém, desafio maior – e em âmbito global – é que, apesar dessa discussão sobre os mercados de carbono já avançando, ainda não existem critérios técnicos comprovados (pela ONU) para cálculos sobre compensação de emissões. Segundo José Eli da Veiga, estudos mostram que “não é verdade que 1 tonelada de carbono poupado corresponda a 1 tonelada de carbono emitido, pois o comportamento do complexo climático não é simétrico nem linear. Também ainda não existem métodos confiáveis sobre técnicas eficazes de sequestro”. Daí porque é preciso evoluir antes com tais pesquisas de medição e sequestro de carbono, pré-requisito para a viabilização desse mercado.
- Taxação das emissões de carbono (taxa-carbono)
Sob a ótica do aquecimento global, há quem defenda que mais efetivo do que o mercado de carbono seria a tributação das emissões de carbono (taxa carbono), seja por meio da tributação das empresas ou dos consumidores. Dessa forma, tanto as empresas teriam estímulo real para reduzirem as suas emissões como os consumidores seriam incentivados a hábitos mais “limpos”. Atualmente, mais de 40 países já criaram essa taxação, como a França, Chile e Argentina. No Brasil, esse assunto não chegou a ser discutido; possivelmente porque a carga tributária no país já é considerada bastante elevada.
Porém, vale o alerta de que essa estratégia de taxação sobre carbono poderia vir a acentuar o já grave problema das desigualdades sociais, internamente no Brasil ou inter-países. Pois é mais do que sabido que a pobreza das famílias e o desenvolvimento tardio dos países estão nesse momento associados ao consumo intenso de combustíveis fósseis, fonte de energia mais barata e segura, e a moradias e modos de viver precários, com poder amplificado de agressão à natureza. Daí porque medidas preventivas nesse sentido precisam estar previstas e serem acionadas pelos governos e sociedade em geral. Como, por exemplo, o “financiamento climático” pelos países desenvolvidos aos países pobres e/ou em desenvolvimento; investimentos em pesquisa e desenvolvimento para tornar mais acessíveis as fontes de energia sustentável.
- Inovação tecnológica e agropecuária
O Brasil foi um dos 103 países signatários do Acordo do Metano na COP26, que tem como objetivo reduzir as emissões do gás metano em 30% até 2030. Como visto, o gás metano (CH4) tem poder de efeito estufa 21 vezes maior do que o dióxido de carbono (CO2), sendo a pecuária (arroto dos bois) um dos principais geradores de metano ao lado dos lixões e aterros sanitários. Sendo o Brasil o maior exportador mundial de carne bovina, pode-se perceber o tamanho do desafio que o Brasil tem pela frente, sob pena de desestabilizar um dos setores atualmente mais dinâmicos do país.
Segundo estudo apresentado durante a COP26 pela (ong) Imaflora e a (empresa) Minerva Foods, “pastos bem manejados, consorciados com florestas e árvores nativas, têm o poder de sequestrar carbono, ao passo que o manejo inadequado vai emitir carbono”. Essa pesquisa levou em conta os diferentes biomas da América do Sul, desde a Amazônia, Pantanal, Cerrado até os Pampas e o Chaco no Paraguai. Já outro estudo, que vem sendo conduzido pelo GFI (The Good Food Institute) em parceria com grandes frigoríficos mundiais (como Seara, Marfrig, Unilever, etc…), aponta para o potencial dos alimentos plant-based, isto é, alimentos com características, aroma, textura e sabor de carne, mas que são vegetais (como folha da mandioca, fruto do caju, feijão etc..)
São casos que ilustram a importância da inovação tecnológica (ter boas práticas, fazer diferente) para garantir produtividade com qualidade de vida e menores emissões de GEE. Como no item 2 acima, vale também alertar para o risco do agravamento das desigualdades sociais, na medida em que métodos de produção arcaicos e poluentes tendem a estar associados a produtores sem (ou com poucos) recursos para inovar e, portanto, mais vulneráveis.
- Crédito financeiro
Outro passo importante da COP26 foi a consolidação do NZBA (Net Zero Banking Alliance), acordo liderado pela ONU que agora conta com a adesão de 93 grandes bancos do mundo todo. Do Brasil, são signatários os bancos Santander, Bradesco e Itaú. Eles assumiram o compromisso de zerarem até 2050 as emissões atribuíveis às suas operações (escopos 1 e 2) e a de suas carteiras de empréstimo e investimentos (escopo 3). Evidentemente esse compromisso terá efeito positivo em cascata para estimular processos produtivos mais limpos nas empresas do país.
Internamente no Brasil, outra medida importante nessa área foi a Resolução do Banco Central – BC 4943, de julho desse ano, que estabeleceu prazo para que todos os bancos no país passem a reportar a exposição de suas carteiras de crédito a riscos climáticos e socioambientais. Dessa forma, aumentam as chances para que todos os bancos do país, e não apenas os três que aderiram ao NZBA, passem a funcionar como indutores de boas práticas ESG (ambientais, sociais e de governança) e de redução de emissões nas empresas – ou então, o crédito para elas ficará mais caro ou será cortado.
Sem dúvida, esse papel efetivo dos bancos deve ser comemorado. Porém, cabe ficar atento a possíveis efeitos adversos, como provocar a desestruturação de certos segmentos produtivos tradicionais, sem que se tenha ainda uma solução para a sua substituição, seja para a oferta de novos produtos ou a realocação da mão de obra. Por exemplo, sabe-se que a substituição dos combustíveis fósseis não poderá ocorrer de uma hora para a outra e, portanto, a mudança no esquema de oferta de crédito para empresas que produzam e/ou dependam deles precisará ser gradual e criteriosa, sob pena de provocar recessão, quebradeira geral de empresas, desemprego, e mais desigualdade social.