Comecei a ler o Guia de Gestão Para Quem Dirige Organizações da Sociedade Civil, de 2022, organizado e publicado pela Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente. O Guia foi escrito originalmente em 2001, porém em 2022 ele foi revisado e atualizado, uma vez que “muitos dos seus conceitos e princípios não somente ainda são válidos, como são essenciais para uma boa gestão social contemporânea”.
O capítulo 1, intitulado “Os cinco campos de força na gestão social” (págs. 8 a 24) introduz os conceitos-chave do Guia, abordados mais detidamente nos capítulos seguintes. Esse capítulo me surpreendeu pela forma objetiva e direta do seu autor (Antonio Luiz de Paula e Silva) em traduzir os principais desafios enfrentados por uma Organização da Sociedade Civil (OSC) para garantir uma gestão sustentável. O conceito de OSC sustentável foi desenvolvido a partir da identificação de cinco (5) campos de força em sua gestão e das interrelações entre esses campos.
Não pretendo aqui resumir o capítulo, porque ele já é em si bastante sucinto e objetivo. Vou (apenas) pinçar algumas afirmativas que mais me chamaram a atenção no texto, porque elas tocam direto em pontos nos quais os gestores de OSCs nem sempre têm clareza. E seria fundamental terem essa clareza, se pretendem conduzir as suas organizações de modo perene, eficaz e bem-sucedido.
Quais são os 5 campos de força na gestão de uma OSC?
- Sociedade – Uma instituição social surge para tratar de problemas da sociedade, porque existem necessidades a serem atendidas, problemas, carências, injustiças, desequilíbrios, conflitos, paradoxos que podem afetar a qualidade de vida hoje e no futuro. Os públicos-alvo (ou clientes) constituem a razão de existir de uma instituição. Eles dão o direito de a organização existir.
- Serviços – Uma organização social representa, em sua essência, um conjunto de esforços para interferir no quadro atual da sociedade. Esses esforços na prática são os programas, projetos, atividades e ações dos mais diversos tipos. É por meio dos serviços que a instituição produz resultados
- Recursos – Os recursos funcionam como infraestrutura para que a instituição atue na sociedade e realize aquilo a que se propõe. Em função dessa disponibilidade de recursos, os gestores devem manter os pés no chão, atuarem com objetividade, sempre pensando no que é concreto e possível.
- Pessoas – Uma pessoa que atua neste campo deve sabe ser, ao mesmo tempo, educadora, líder, professora, facilitadora, amiga, colega, companheira e chefe. O grande desafio é exercer, com naturalidade, o papel certo na hora certa.
- Dirigentes – O papel de dirigente pode estar concentrado na mão de uma só pessoa, normalmente de quem fundou a iniciativa, por exemplo no começo da história da organização. Mas com o passar do tempo será necessário contar com outras pessoas. Conforme a organização associativa cresce e amadurece, ela pode passar a ser gerida por diversos ‘grupos dirigentes`(como conselheiros, diretores, gerentes, etc…) . ….. Importante ter a consciência de que os dirigentes não serão os mesmos para sempre, e que eles não podem continuar fazendo as coisas sempre do mesmo jeito. A realidade vai mudando, os dirigentes devem ir acompanhando e evoluindo junto.
Quais as relações entre esses campos de força?
- Direcionamento (Serviços e Sociedade) – Gerenciar envolve levar a instituição a realizar bons serviços e produzir resultados na sociedade. Esse direcionamento pode ser reconhecido nos propósitos, missão, valores, visão de futuro, estratégias, objetivos, metas e programas da instituição.
- Capacidade (Pessoas e Recursos) – Para seguir na direção desejada e produzir os resultados esperados, não basta só saber o que fazer. A instituição deve ter capacidade de produzir mudanças. A relação entre os campos ‘Recursos e Pessoas` define a capacidade da instituição. …… Tanto que muitos doadores, ao analisarem projetos, verificam primeiro se a ideia é boa e meritória (existe alinhamento entre serviços e sociedade?). Em seguida, avaliam se a instituição está capacitada a realizar aquilo a que se propõe: para isso, analisam quem está lá e a infraestrutura de que a organização dispõe. ….. Assim, para entender a sua capacidade, a instituição deve saber avaliar muito bem o “tamanho das próprias pernas”.
- Qualidade (Pessoas e Serviços) – Gerenciar a qualidade, por um lado, é dar atenção a quanto a equipe está capacitada e atualizada para prestar os serviços. Se estiver mal-preparada, o serviço provavelmente terá erros frequentes, insatisfações e reclamações. Por outro lado, também significa dar atenção à organização dos serviços. As pessoas estão bem distribuídas? Estão fazendo aquilo que mais gostam ou para o qual estão mais bem preparadas?
- Engajamento e Parcerias (Pessoas e Sociedade) – O engajamento da equipe representa a força (potência) da organização para ajudar a superar crises, persistir nas adversidades e enfrentar as situações difíceis. O engajamento genuíno mobiliza a criatividade e a sinergia de esforços entre a equipe e o público-alvo da organização. ….. Uma variante da relação entre Pessoas e Sociedade são as parcerias. Organizações da Sociedade Civil têm uma natureza associativa que, diante da complexidade social, pode e deve se projetar para fora, gerando movimentos, redes e coalizões. Para realmente gerar mudanças sociais relevantes, as instituições deveriam trabalhar em parceria com a sociedade – o que é fácil de falar, porém difícil de fazer.
- Viabilidade (Recursos e Serviços) – É necessário haver uma adequação entre os recursos que a instituição tem e os serviços que presta. Tanto a quantidade como a qualidade dos recursos influenciam diretamente o que a instituição pode fazer, o serviço que está apta a prestar na comunidade, os grupos que conseguirá ajudar ou a frequência dessa ajuda. Não é incomum ver instituições viverem enforcadas, querendo atender todo mundo, mas sofrendo uma enorme pressão devido aos poucos recursos de que dispõe.
- Legitimidade (Sociedade e Recursos) – Organizações do Terceiro Setor costumam captar recursos a partir de: (a) repasse de impostos pelo governo, (b) venda de produtos e serviços e (c) doações. A própria natureza dessas instituições pressupõe contar com doações. Na essência, as pessoas doam porque querem que um determinado serviço continue, porque estão vendo ou querem ver resultados, mudanças e melhoria na sociedade (comunidade). Daí porque o exame das receitas presentes no balanço anual de uma organização pode ser muito revelador sobre perante quem realmente a organização tem legitimidade. Através desse exame, é possível avaliar se o que a instituição faz na sociedade é reconhecido pela própria sociedade.
- Governança (entre grupos dirigentes e com outros grupos de interesse) – Tanto interna como externamente à instituição, existem diferentes grupos que desejam ter voz na condução da organização. Por exemplo: os doadores, os funcionários que trabalham com carteira assinada, uma comunidade de pais etc. A relação entre esses múltiplos grupos de interesse diz respeito à governança.
AO FINAL, e a título de desafio, o autor propõe um exercício de autoavaliação para os gestores de OSCs: Como está a estrutura atual dos 5 campos de força em sua organização? Como vem se dando as relações entre esses campos de força? Onde precisa ser melhorado?