Acabo de ler a publicação do FIIMP (Fundações e Institutos de Impacto), intitulada ´Nossa jornada de aprendizado em finanças sociais e negócios de impacto`, lançada em junho/2018. Aborda a questão-chave de como os institutos e fundações podem contribuir para fortalecer o ecossistema das finanças sociais no Brasil, a começar, eles mesmos, por fazerem os investimentos de impacto. O FIIMP foi constituído em 2016 por um grupo de 22 institutos e fundações no Brasil, que queriam se unir para “aprender, acompanhar e conhecer os resultados de investimentos em negócios de impacto, experimentando o uso de diferentes instrumentos financeiros”.
De início, devo dizer que a publicação encanta pela maneira como está escrita. Em linguagem bastante clara e acessível aos não-iniciados em finanças, segue num crescendo à medida dos seus achados. É tão transparente, no sentido de ir apontando todas as dúvidas, opiniões e descobertas dos participantes do FIIMP, que fiquei com a impressão de ser uma das participantes do grupo. Mas, na realidade como não sou, tenho a meu favor o benefício de fazer a reflexão que segue com o olhar de quem vê o todo da ideia, sem se deter nos detalhes.
Assim, depois de ler atentamente a publicação, fiquei me perguntando: atuar diretamente no fortalecimento das finanças sociais – ou do investimento (financeiro) de impacto – seria realmente a maneira mais efetiva dos institutos e fundações contribuírem para os negócios de impacto?
Conceitos básicos relacionados às finanças sociais
Frente a essa questão, há alguns conceitos básicos que precisam ser antes explicitados, que se encontram definidos na referida publicação, e em outro texto do GIFE (cap.2), também de 2018, com o título ‘ Olhares sobre a atuação do Investimento Social Privado no campo dos negócios de impacto`:
Negócios de impacto são aqueles que têm o propósito de gerar impacto social e/ou ambiental positivo explícito na sua missão; têm uma lógica econômica que permite gerar receita própria; possuem governança que leva em consideração simultaneamente os interesses de investidores, clientes e comunidade; conhecem, mensuram e avaliam seu impacto periodicamente.
Destinatários do impacto: a intenção é que esses negócios desenvolvam produtos e serviços destinados e adaptados (no que se refere a seus formatos, preços e condições) a populações vulneráveis e/ou de baixa renda; com isso, possibilitando o acesso dos grupos da chamada “base da pirâmide” a produtos e serviços que eles não poderiam adquirir, por meio do mercado tradicional.
Investimento de impacto consiste no direcionamento de capital público ou privado – como empréstimo, contratação, investimento – através de instrumentos financeiros a negócios de impacto, com o compromisso de gerar impacto social e/ou ambiental com rentabilidade financeira. Ou seja, é um termo herdado do inglês ‘impact investing`, com o sentido de apoio financeiro pressupondo rentabilidade.
O ecossistema de finanças sociais inclui 4 dimensões, a saber: 1) a oferta do capital – que são os investidores, ou financiadores; 2) os instrumentos financeiros – por meio dos quais os recursos são alocados; 3) os intermediários financeiros, que são as organizações que facilitam e qualificam o investimento de diferentes maneiras; e 4) a demanda de capital, constituída pelos negócios de impacto propriamente.
Os investimentos (financeiros) podem ser realizados diretamente (pelos investidores) nos negócios de impacto; ou indiretamente, via intermediários financeiros. Na jornada de aprendizado do FIIMP, 4 modelos de investimento (ou financiamento) de impacto estão em andamento, sendo um diretamente pelo investidor e os outros três por meio de intermediários financeiros, que foram a Sitawi – Finanças do Bem; Din4mo Ventures; e a Bemtevi.
De que tipos de suporte os negócios de impacto precisam?
Também é importante identificar quais são os tipos de apoio que os negócios de impacto normalmente precisam para desabrocharem, crescerem e passarem a caminhar por suas próprias pernas. A esse respeito, o Guia 2.5 – Guia para o desenvolvimento dos negócios de impacto, elaborado pela Quintessa (2ª versão, dez. 2017), apontou 11 diferentes tipos de apoio necessários; eu acrescentei aqui mais um (o de nº 10), totalizando 12 estratégias de apoio, que são:
- Capacitação e treinamento – palestras, oficinas e workshops para inspiração e capacitação em conteúdos relacionados a empreendedorismo e gestão.
- Desenvolvimento pessoal do empreendedor – atividades realizadas com foco exclusivo no desenvolvimento do empreendedor.
- Espaço – oferecimento de espaço para postos de trabalho, salas de reunião e eventos.
- Conexão com potenciais clientes e parceiros – conexão com potenciais clientes e parceiros para o negócio, incluindo benefícios por meio de descontos.
- Conexão com potenciais investidores – conexão com potenciais investidores para o negócio.
- Reconhecimento e divulgação – acesso facilitado a canais de mídia, prêmios ou meios de divulgação, bem como oferta de certificados para posicionamento diferenciado do negócio.
- Rede de mentores – acesso a uma rede de mentores – profissionais com grande expertise e experiência que oferecem orientação e aconselhamento ao empreendedor.
- Rede entre empreendedores – acesso a uma rede de empreendedores, com troca de experiências entre o grupo.
- Desenvolvimento da gestão – suporte na criação de ferramentas de gestão e na tomada de decisão acerca do modelo de negócio, estratégia, modelo de expansão, comercial, financeiro, gestão de pessoas, governança, entre outras áreas.
- Desenvolvimento para realização de avaliação de impacto – Desenvolvimento de sistemas de medição e capacitação para a avaliação dos resultados e impactos sociais e/ou ambientais.
- Recurso filantrópico – recursos financeiros sob o modelo de doação ou bolsa-auxílio.
- Investimento e financiamento – recursos financeiros sob o modelo de investimento com participação societária ou empréstimo.
De fato, com exceção dos itens 5 e 12, todas as demais estratégias listadas acima constituem basicamente o modelo de apoio que as organizações do terceiro setor (institutos, fundações e organizações da sociedade civil – OSCs) já vêm adotando (parcial ou integralmente) para fortalecer o empreendedorismo na base da pirâmide. Exemplifico com alguns casos de organizações que atuam nesse campo, com as quais tive a oportunidade de trabalhar na área da avaliação dos seus projetos sociais:
- Fundação Banco do Brasil – Programa de Cadeias Produtivas voltado para estimular o trabalho em cooperativa de pequenos agricultores em áreas de vulnerabilidade do pais. Projeto PAIS (Produção Agroecológica Integrada e Sustentável) destinado a estimular a produção e comercialização de hortigranjeiros, a partir do uso da tecnologia social e com o foco no trabalho solidário de unidades familiares de baixa renda.
- Rede Cidadã – Programa de Empreendedorismo, apoia micro e pequenos empreendedores em várias localidades do país, através de mentorias em gestão de negócios, troca de experiências, treinamentos e capacitações, suporte para a elaboração de planos de negócios e orientação para acesso ao crédito.
- Instituto Ramacrisna – criou e vem apoiando a Associação de Empreendedores do Artesanato Futurarte, que visa gerar trabalho e renda para mulheres em situação de vulnerabilidade social da região de Betim (MG), a partir da produção e comercialização de produtos artesanais sustentáveis. A produção prioriza o reaproveitamento de materiais como jornais, sacos de cimento, banners, retalhos de tecidos, e surpreende pela qualidade e design das peças.
Observa-se que o público-alvo das iniciativas dessas organizações exemplificadas acima (um instituto, uma fundação e uma OSC) são empreendedores da base da pirâmide, e não empreendedores de negócios de impacto. A diferença é que estes últimos focam nas necessidades das pessoas da base da pirâmide, porém não necessariamente eles pertencem à base da pirâmide (na maior parte das vezes, não pertencem).
Também da minha experiência com essas organizações acima, posso afirmar que dos 12 tipos de suporte necessários para os negócios de impacto, elas vêm atuando e/ou atuaram na oferta de 10 modalidades – com exceção da “conexão com potenciais investidores” e “investimento e financiamento”. Ou seja, não atuaram apenas no campo da questão relacionada à oferta de financiamentos.
Deveriam os institutos e fundações também atuar no financiamento para os negócios de impacto?
Vou procurar responder à questão acima com 3 outras perguntas, a título de nortear a (nossa) reflexão e amadurecimento sobre o tema.
- Além de já atuarem no apoio aos empreendedores da base da pirâmide, deveriam os institutos e fundações atuar também junto aos empreendedores de negócios de impacto (ou seja, empreendedores que normalmente não pertencem à base da pirâmide, porém os seus negócios atendem a necessidades de pessoas da base da pirâmide)?
- Além de já apoiarem (ou terem condições de apoiar) os negócios de impacto em 10 modalidades de suporte, deveriam os institutos e fundações atuar também nas 2 modalidades referentes a suporte financeiro? Por que esses empreendedores de impacto (que normalmente não são da base da pirâmide) não deveriam buscar, eles próprios, desenvolver a cultura de apoio aos negócios sociais junto aos agentes do mercado financeiro tradicional? A comunicação aí pode fluir mais fácil, pois os dois grupos já falam a mesma língua.
- Sob a ótica de ampliar o impacto social e ambiental, não seria mais efetivo que os institutos e fundações buscassem aprimorar o que já vêm fazendo nos respectivos campos de atuação? Como menciona a própria publicação do FIIMP, a área do monitoramento e avaliação do impacto social ainda segue sendo um grande desafio. Sem falar na necessidade de um conhecimento mais aprofundado dos problemas e das interações nas comunidades carentes, que também segue sendo outro grande desafio para os institutos e fundações.
Enfim, deixo aqui essas 3 perguntas acima para orientar a (nossa) reflexão, de modo a contribuir para a atuação efetiva dos Institutos, Fundações e OSCs em nosso país. Evidentemente, com todo o respeito pelo trabalho em desenvolvimento pelo grupo do FIIMP, e a ousadia de uma observadora externa.