Pessoas com impacto social: Joana d`Arc de Souza

Por on 04/11/2017

Nem sempre é preciso criar um projeto social para poder exercer um papel transformador em um dado contexto social, caracterizado por situações de exclusão, pobreza e sofrimento. A maneira como uma pessoa vive, interage com os outros e exerce a sua profissão pode exercer um impacto social positivo tão grande na vida de outras pessoas, à semelhança dos projetos sociais.

O caso de Joana d`Arc de Souza é bastante ilustrativo. Dentre outras entrevistas que ela deu recentemente, recomendo pelo menos essas duas, no jornal O Globo, 15.09.2017  e  no programa Conversa com Bial (13/10/2017).

Menina pobre de Franca, polo calçadista de SP, seu pai trabalhava em um curtume e sua mãe era empregada doméstica.  Conseguiu fazer universidade na Unicamp e depois se tornou PHD por Harvard (EUA). De volta à sua cidade em 1999, como aí não tinha universidade, fez concurso e tornou-se professora de química na escola técnica local. Conseguiu introduzir nessa escola de nível básico a pesquisa de iniciação científica (normalmente só ocorre a partir da universidade), e passou a desenvolver projetos inovadores envolvendo os alunos, em sua maioria de baixa renda.

As suas pesquisas sempre foram voltadas para resolver o grande problema ambiental da cidade, que era sobre como aproveitar o elevado nível de resíduos sólidos gerados pelos curtumes da região, muitas vezes tóxicos. Assim, a partir desses resíduos, ela desenvolveu projetos de pesquisa para criar uma pele artificial para queimaduras, colágeno para o tratamento de osteoporose e osteoartrite, cimento ósseo para reconstituir fraturas, fertilizantes, e várias outras tecnologias. Com isto, Joana d`Arc e seus alunos já conseguiram obter 15 patentes nacionais e internacionais e conquistar 60 prêmios.

Para a professora, o mais importante de tudo é perceber que ela está conseguindo criar entusiasmo na vida daqueles adolescentes e jovens de Franca, a partir dos seus projetos de pesquisa com eles. E, dessa maneira, abrindo perspectivas de futuro e sonho para os seus alunos. Eles terminam o ensino básico, e vão fazer o vestibular para poderem ser pesquisadores como a mestra. Joana ilustrou com os casos recentes de dos jovens: um que já estava enveredando pelo caminho do tráfico, e agora quer ser cientista; e de uma menina que deixou a vida de garota de programa, para se dedicar ao projeto de pesquisa.

Sem falar nos benefícios diretos dos experimentos da professora Joana para a indústria (farmacêutica, médica, agrícola), para o meio-ambiente da região de Franca (aproveitamento dos resíduos dos curtumes), e para os usuários finais (pessoas com queimaduras, artrose, etc…), não podemos deixar de reconhecer que essa influência dela na vida dos seus alunos é semelhante a de um projeto social.

Através das aulas teóricas, das práticas de laboratório, dos desafios que lança para eles e do seu exemplo de vida, ela consegue desenvolver nesses jovens o senso de disciplina, persistência, entusiasmo, criatividade, o de ter objetivos e saber trabalhar em equipe. Dá a eles a oportunidade de quererem crescer e vencer, não obstante muitas vezes o contexto das dificuldades (pessoais, familiares, financeiras, etc…) que vivenciam no seu dia-a-dia.

Dessa forma, Joana retribui as oportunidades que também foram dadas a ela ao longo de  sua vida, e que ela soube agarrar com unhas e dentes: a patroa de sua mãe que, quando ela tinha 4 anos, a matriculou numa escola do SESI; ou a professora da escola pública do ensino médio que exigia que os alunos lessem um livro por mês, e estimulou nela o hábito da leitura. Também como ocorre no caso dos projetos sociais que visam ao desenvolvimento integral de crianças e adolescentes, os resultados dessas iniciativas individuais não dependem só da ação direta delas. Como ocorreu com a Joana, os resultados em sua vida dependeram também de outros fatores, tais como os seus próprios talentos (ela era muito inteligente) e o apoio familiar (o pai e a mãe dela estiveram sempre a seu lado, estimulando o seu desenvolvimento).

Concluindo: sem formalmente criar um projeto social, Joana tem atuado como se fosse um projeto social na vida dos seus alunos, da mesma forma que ela pôde contar com outras pessoas que tiveram esse importante papel na vida dela. Que Joana d`Arc de Souza sirva como um exemplo para que cada um de nós, na sua profissão e em suas convivências diárias, seja como um projeto social a transformar a vida de outras pessoas no nosso entorno. Enfim, que brilhem cada vez mais essas pessoas com impacto social!

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.