Ser rentável e Ser ESG: qual vem primeiro?

Por on 10/04/2023

Ser rentável para conseguir ser ESG?  Ou ser ESG para conseguir ser rentável? 

De imediato, deixo claro que sou forte defensora, há muitos anos, do genuíno comportamento ESG (Environmental, Social and Governance) das empresas. Foram duas matérias recentes que li que me trouxeram de volta o questionamento acima.

A primeira matéria foi no reset (03.04.2023), intitulado: Quer ganhar dinheiro com ESG? Aposte na transformação. Estudo de economistas do Insper, baseado no comportamento de ações que compõem o Standard & Poor’s 500 (formado pelas 500 maiores empresas negociadas na NYSE e na NASDAQ) para o período 2014-2020, trouxe duas conclusões importantes:

  1. Sob a ótica corporativa,  empresas mais sustentáveis têm custo menor de capital  (de equity e de empréstimo) do que as empresas menos sustentáveis, já que são menos sujeitas a riscos de acidentes sociais, ambientais e de reputação;
  2. Sob a ótica do investidor, investir em ações de empresas que estão em processo de melhora de suas práticas de sustentabilidade tende a gerar retornos mais altos do que os investimentos tradicionais. 

A segunda matéria foi no jornal Valor (23.03.2023) com  a seguinte chamada: Vedacit recebe selo ESG e prevê elevar receita em 2023.  A Vedacit é uma empresa brasileira de materiais para construção, com 87 anos de vida, que acabou de receber o selo de Empresa B, certificação internacional emitida pelo B Lab no âmbito do Movimento Global de Empresas B.

O selo de Empresa B é considerado como um dos atestados de que a empresa atende aos critérios ESG.  Para isso, a empresa deve atingir no mínimo 80 pontos na avaliação, considerado um intervalo de 0 (pior resultado) a 100 (melhor resultado) . Em 2018, a  Vedacit começou em sua jornada para melhorar o desempenho em ESG, quando a sua pontuação foi de (apenas) 50; em março/2023 agora, conseguiu obter 87,6 pontos. Conseguiu avançar em quesitos como gestão e tratamento de resíduos, uso de energia renovável, satisfação dos colaboradores,  incentivo à diversidade, proteção de dados, auditoria financeira e contratação de fornecedores locais.

Segundo o presidente da Vedacit, Marcos Bicudo, em 2022 a companhia cresceu 4% em volume de vendas e 28% na receita, sendo que para 2023 a previsão de expansão da receita é de 11%. Ele destaca que esse desempenho positivo ocorreu apesar da fase de vendas no varejo em queda, de margens de preço defasadas e em recomposição, e dos investimentos elevados na construção de nova fábrica que seguiu os novos padrões ESG. Os planos da companhia para 2025 são “ambiciosos e otimistas”.

Ser rentável para depois ser ESG?

Sobretudo do que ocorreu no Brasil, a adesão ao movimento da sustentabilidade (ou aos critérios ESG) surgiu a partir de grandes empresas por volta de 2000, tais como Petrobras, Vale, Odebrecht, Camargo Correa, Itaú, Banco do Brasil, Cemig, Coca-Cola, só para citar algumas poucas.  Comentei a esse respeito em dois artigos anteriores:   Sustentabilidade – será que agora é prá valer? (2020); e ESG: perguntas incômodas, porém necessárias (2021).  O ponto é que só empresas maiores conseguem arcar com os custos /investimentos elevados que são necessários para atender às muitas exigências ESG.

Assim, respondendo à pergunta desse subtítulo: parece que sim, é preciso antes ser uma empresa grande e rentável para poder atender à contendo aos muitos requisitos ESG no que se refere às demandas atuais do público interno (colaboradores), dos públicos externos (fornecedores, clientes, comunidades), dos acionistas, das parcerias com os governos e, last but not least, dos cuidados com o meio ambiente.

O citado estudo do Insper mostrou que ser bem pontuado traz recompensas financeiras. Só que esse estudo se baseou também em apenas empresas grandes , isto é, nas 500 empresas mais sólidas das duas maiores bolsas de valores dos Estados Unidos (NYSE e NASDAQ). Ou melhor, primeiro rentáveis e depois submetidas ao “teste ESG”. Além disso, levou em consideração  os anos de 2014 a 2020,  ou seja, um período em que ESG ainda era questão  tida como periférica para as empresas e o mercado financeiro, uma vez que foi só a partir de 2020 que começou realmente a ganhar tração em âmbito global (ESG – Google trend chart).  

Como se vê,  esse estudo não apresenta dados para a relação entre o grau de adoção dos critérios ESG e benefícios financeiros para empresas menores (pequenas e médias) não listadas em bolsa; nem também contempla o período pós-2020 que é quando ESG ganha, de fato, relevância no cenário corporativo e financeiro.  

Ser ESG para depois ser rentável?

O caso Vedacit parece ser elucidativo quanto a esse questionamento.  A Vedacit ainda não está listada na bolsa de valores do Brasil, a B3. Mas, a companhia se encontra em fase de expansão e, nesses últimos 5 anos, fez fortes investimentos para conquistar o grau de empresa ESG, ou seja, a certificação de Empresa B.  Agora que acabou de conquistar o selo, a expectativa é a de que a certificação “represente um diferencial competitivo para ajudá-la a ser fornecedora de construtoras que se preocupam com a responsabilidade social e ambiental da sua cadeia de suprimentos”.  A empresa quer ser “um jogador relevante no segmento de materiais de construção até 2025”.

Assim, respondendo a essa segunda indagação, e com base nesse relato da Vedacit: sim, a empresa ambiciona ser ESG como pré-condição para poder ser mais competitiva e, portanto, mais rentável. Embora a empresa ainda nem sequer esteja listada em bolsa, porém se ela o estivesse – e aqui considerando válido o estudo do Insper, aqui teríamos um exemplo de ativo (ação) com elevada probabilidade de valorização em bolsa, pois se trata de empresa em fase de expansão econômica e de melhora de suas práticas ESG.

 Vale, pois, ficar atento e acompanhar as próximas etapas do caso Vedacit.

ESG e rentabilidade: afinal, qual vem primeiro?

A meu ver, nenhum dos dois vem primeiro. Rentabilidade e ESG deveriam caminhar juntos, e irem crescendo de mãos dadas.

Quando a empresa é pequena e está começando,  ela deve calibrar os seus recursos (capital disponível) entre crescer e cuidar dos seus (ainda poucos) stakeholders, procurando sempre fazer as escolhas certas. Nessa etapa, os erros mais comuns são crescer às custas de penalizar um ou mais públicos envolvidos; ou ter exigências ESG que extrapolam a capacidade/tamanho da empresa. O desafio é que a empresa vá gradualmente crescendo em consonância com os parâmetros de sustentabilidade do seu respectivo setor / localidade.

Porém, à medida em que a empresa for se consolidando e se tornando grande e lucrativa, é esperado que as suas responsabilidades e deveres ESG irão aumentando proporcionalmente ao maior volume dos recursos (capital) disponíveis. Então, a empresa poderá ir, aos poucos, passando a assumir o seu papel de ator social relevante mais abrangente, ou seja, fora do seu raio direto de atuação, no apoio aos fornecedores, aos governos, às comunidades do entorno, à sociedade em geral e na política de prevenção das mudanças climáticas.

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.