É inegável que as últimas cartas anuais de Larry Fink, da BlackRock, destinada aos CEOs de empresas globais (nas quais o Fundo investe), tiveram um peso relevante para mudar o entendimento recente sobre sustentabilidade. Se o maior fundo de investimentos do mundo alerta que empresas não sustentáveis estão sendo banidas de sua carteira, isso mostra que a sustentabilidade está se tornando uma condição obrigatória para a capitalização das empresas. Parece que agora o conceito vai deixar para trás a esfera das boas intenções, onde gravitou por quase 30 anos. Será?
Sustentabilidade – o que é?
No Brasil, não há atualmente uma definição precisa sobre o que seja sustentabilidade, mesmo em sites especializados como o Instituto Ethos e o CEBDS. O que podemos dizer é que sustentabilidade empresarial é um conceito amplo, que envolve pelo menos quatro dimensões, que são:
- Visão de longo prazo para nortear todas as práticas corporativas. E não uma visão de curto prazo, focada apenas em custos e lucros imediatos.
- Atitudes éticas da empresa, isto é, sempre guiadas por valores do bem e de compreensão dos outros.
- Cuidado e responsabilidade para com os seus vários públicos – não apenas os donos e acionistas, mas também os colaboradores, fornecedores, clientes, meio ambiente e comunidades do entorno. E não manter com eles um relacionamento mesquinho e de exploração em benefício dos interesses da empresa.
- Planejamento e execução do negócio sempre com o foco no desenvolvimento econômico, social, ambiental e da boa governança. E não a visão finalística e prevalecente da ótica financeira.
O que começa a mudar?
De fato, já começamos a ver alguns sinais acerca desse entendimento abrangente da sustentabilidade. Se são sinais realmente comprometidos com as práticas das empresas ou se vão continuar na superficialidade das aparências, só o tempo dirá!
Exemplifico com alguns casos recentes de empresas que anunciam incorporar medidas sustentáveis na prática do dia-a-dia dos seus negócios:
- Nessa semana, a XP Investimentos divulgou no Brasil que criou a diretoria ESG (Environmental, Social and Governance), já com 2 produtos – um Fundo ESG global que replica carteiras de ETFs globais focados em sustentabilidade, e em breve vai lançar um Fundo (o Selection ESG) de fundos que aplicam em ações que adotam os filtros ESG; também criou uma área de “sustainable wealth”; e planeja uma sede ecologicamente sustentável no interior paulista, com energia solar, água reutilizada e pouco transporte dos seus colaboradores (já que a maioria deles deverá trabalhar em home office).
Como afirma @Guilherme Benchimol, CEO da XP, “ as empresas que não forem ESG, a médio prazo vão acabar. Ninguém vai querer ser parte disso…. não é mais aceitável ter 70 milhões de pessoas na miséria no Brasil, não é aceitável ter empresas que queimam florestas….”
- A Unilever, maior fabricante de sorvetes do mundo (marcas Magnum, Cornetto e Ben&Jerry) anunciou também, nessa semana, que vai reduzir a sua pegada ambiental em todos aqueles itens que dependem do seu controle para a fabricação dos sorvetes, a começar pela temperatura dos freezers (subir de -18º para -12º). E, seguindo o que já fazem a Nestlé e a Danone, a Unilever vai passar a trabalhar muito próximo à sua cadeia de fornecedores no campo, buscando “a transição para uma agricultura regenerativa, que foca no encorajamento de um ecossistema saudável”
Como explica @Marc Engel, executivo-chefe de suprimentos da Unilever, “sustentabilidade não é custo. É investimento”.
- A L`Oréal acabou de divulgar o seu plano global de sustentabilidade para a próxima década, que engloba as seguintes metas ambientais: até o fim de 2020, nenhum ingrediente usado proveniente de desmatamento; até 2025, todas as instalações/fábricas da empresa 100% supridas com energia de fonte renovável; até 2030, redução de 50% nas emissões diretas de carbono de seus fornecedores estratégicos, que respondem por 80% das compras da companhia.
- No site da JBS está dito que “a sustentabilidade é um compromisso transversal das unidades de negócios e áreas de atuação da empresa, em todos os países onde a empresa atua”. O grau desse compromisso parece tão firme a ponto da companhia ter uma frente estruturada para a “gestão do bem-estar animal”, para poder garantir as 5 liberdades fundamentais dos animais, que são: livre de sede, fome e má nutrição; livre de desconforto; livre de dor, injúria e doença; livre para expressar o seu comportamento normal; livre de medo e estresse”.
Como era até bem recentemente?
O movimento da sustentabilidade, ou da responsabilidade social corporativa, nasceu no Brasil no final da década 1990, quando foram criados, por exemplo, o Instituto Ethos (1998), o CEBDS (1997) e o GIFE (1995). Desde então, a sustentabilidade sempre esteve associada a grandes empresas em nosso país. Basta ver, por exemplo, a lista dos associados que hoje compõem essas três organizações.
Até 2014, o movimento da sustentabilidade foi liderado no Brasil por empresas tais como: Petrobras, Vale, Odebrecht, Camargo Correa, Andrade Gutierrez, Itaú, Banco do Brasil, Bradesco, Santander, Furnas, Cemig, Natura, Boticário, Globo, Coca-Cola, Souza Cruz, Ambev, Oi, Gerdau, EDP, Votorantim, Shell, Ipiranga, Eletrobras. Foram essas as empresas que comandavam e patrocinavam sempre os eventos e iniciativas em sustentabilidade, por meio de suas áreas específicas, ou institutos, ou fundações.
Porém, a partir de 2014 várias dessas empresas acima começaram a estar relacionadas a processos vultosos de corrupção dos seus dirigentes [o caso Lava-jato], e a acidentes trágicos em suas unidades, advindos de política mesquinha de contenção de custos [caso das barragens de Mariana e Brumadinho / MG].
Como explicar que empresas líderes em sustentabilidade pudessem protagonizar episódios tão destrutivos?
Sustentabilidade: a mudança vai mesmo acontecer?
Dos exemplos comentados, a impressão é que apenas empresas grandes buscavam ser sustentáveis. Coerente com essa visão, a explicação estaria no fato de que sustentabilidade tem um custo: não apenas fazer o mínimo necessário para atender/retribuir a cada público que se relaciona com a empresa (colaborador, cliente, fornecedor, comunidade, meio ambiente), mas ir além e fazer o melhor por eles, cuidar de cada um deles. Assim, só empresas maiores é que poderiam arcar com esses custos e/ou investimentos em sustentabilidade. Pois empresas pequenas vivem apertadas, tentando equilibrar suas despesas e receitas no mínimo necessário para conseguirem sobreviver e crescer.
Também vimos que, no Brasil, mesmo empresas grandes e tidas como sustentáveis acabaram indo por caminhos pouco ou nada sustentáveis – casos da Petrobras, Odebrecht, Camargo Correa, Andrade Gutierrez, Vale, JBS, dentre outras. Ou seja, nem o tamanho da empresa nem o seu discurso foram garantias de práticas sustentáveis.
O que se conclui é que, até o momento, a trajetória da sustentabilidade corporativa foi baseada em grandes empresas, que passaram a adotar um determinado modelo de conduta pró sustentabilidade.
A meu ver, essa não é a trajetória com maior chance para ser bem sucedida. O ideal é que a sustentabilidade esteja impregnada nos valores da empresa desde o início, isto é, nasça com o seu fundador e cresça com a empresa.
Em sentido figurado, é como se fosse uma criança, que vai amadurecendo na ética à medida dos desafios que a vida vai lhe impondo. Assim também deveria ser nas empresas, com o crescimento e a sustentabilidade evoluindo juntos o tempo todo. De forma alguma, a sustentabilidade pode ser uma orientação imposta de fora, mesmo que seja por grandes fundos de investimento. Senão, acaba sendo como uma máscara contra coronavírus (fig), que a todo momento vai parar no pescoço….