Um marco na evolução do movimento da RSC (Responsabilidade Social Corporativa) para o atual ESG (do inglês Environmental, Social and Governance) foi janeiro de 2018, com a carta de Larry Fink, CEO do maior fundo de investimentos no mundo (a Black Rock), aos presidentes das empresas participantes do Fundo. Na ocasião ele deu sinais claros de que o mercado financeiro passaria a defender também a bandeira ESG, até então tema periférico nas empresas e reduto de ambientalistas e “pessoas de bom coração”. Tanto no mundo como no Brasil, já havia evidências de sobra de que os riscos ‘de não ser ESG` estavam afetando a lucratividade das empresas (e, portanto, os interesses dos acionistas!), a qualidade de vida das pessoas, além de representarem grave ameaça ao Planeta em futuro próximo.
Com a entrada desse novo parceiro (o mercado financeiro), o movimento ESG começou a ganhar musculatura e a provocar mudanças pra valer no modo e na lógica de operar das empresas, das pessoas e dos governantes. Veja o caso do Brasil: há 5 anos, quem diria que o tema ESG seria capaz de mobilizar o encontro entre o CEO de um dos seus maiores bancos privados, o vice-presidente do Conselho de Administração do maior grupo de comunicação e um ex vice-presidente dos EUA?
Motivada pelas ideias apresentadas nesse encontro (25.05.2021) por Al Gore (vice- presidente dos EUA entre 1993-2001), Sérgio Rial (Banco Santander) e José Roberto Marinho (Grupo Globo), passo a elencar os dez passos que deveriam começar a compor uma Agenda ESG para o Brasil, por enquanto com ênfase na dimensão ambiental.
- Viabilizar a disponibilização de métricas consistentes e padronizadas para avaliar o desempenho das empresas em ESG. Quais são os indicadores e benchmarks para as empresas, considerando as especificidades por setores e regiões de atuação? Dentre as grandes empresas no mundo (faturamento anual acima de U$ 1 bilhão), o Brasil já supera a média global na publicação de relatórios de sustentabilidade, 85% contra 80% (fonte: KPMG). A questão, porém, é a qualidade desses relatórios. No Brasil essas grandes empresas estão em setores fortemente regulados (petroleiras, mineradoras e bancos), sendo livre a forma de apresentar as informações.
- Analisar o desempenho em ESG de uma empresa precisa ter critérios precisos e rigorosos, como ocorre nas análises de desempenho financeiro. Esses critérios precisam ser aprimorados e difundidos. Há que ter todo o cuidado para impedir o greenwashing (ou maquiagem verde) de empresas que apresentam metas aparentemente promissoras, mas não têm plano concreto para cumpri-las.
- Cada vez mais os bancos e as casas gestoras devem priorizar o financiamento de iniciativas voltadas para energia renovável, biodiversidade, preservação de florestas, cidades sustentáveis, saneamento, reciclagem, dentre outras. É dessa forma que o mercado financeiro poderá ter papel fundamental para gerar transformação no modus operandi do sistema produtivo, de modo a colocar ESG como pilar central. Inclusive parece haver um sentimento de mea culpa do setor financeiro por ter falhado em conciliar conservação e bem-estar da população com prosperidade.
- Financiar a transição energética significa avançar da primazia dos combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão) para a priorização da geração de energia renovável (hidrelétrica, eólica, solar, hidrogênio). Sem dúvida, é uma transição mais do que desejável. Porém, ela deve ser gradual, pois se houver o corte abrupto (e demagógico) de apoio aos hoje chamados “setores sujos”, a desestruturação econômica será imediata com danos sociais imensos, sobretudo aos grupos mais vulneráveis.
- No Brasil, os chamados ‘fundos de investimento ESG` deram um salto considerável nesse último ano, haja vista que a sua captação líquida pulou de R$ 107 milhões para R$ 4,43 bilhões, entre os finais de 2019 e de 2020 (fonte: Anbima). Porém, é preciso melhorar a padronização e a transparência na composição dos fundos ESG, isto é, no modo de incluir/ ponderar e retirar empresas desses fundos, sob pena de desacreditar esse importante instrumento do mercado financeiro para a construção da sustentabilidade.
- Se ter a intenção é um primeiro passo para mudar, ter incentivos financeiros é o passo seguinte para viabilizar a mudança. Essa é uma estratégia fortemente defendida pelo Reino Unido, país que conseguiu reduzir o papel do carvão na sua matriz energética de 40% em 2012, para menos de 2% em 2021. Se no Brasil queremos conseguir uma redução significativa das emissões dos Gases de Efeito Estufa (GEE), precisamos aprender a precificar o carbono (seja via mercado e/ou taxação), de modo a estabelecer mercados estáveis e transparentes. Atualmente, o Brasil responde por apenas 1% do mercado global de carbono voluntário, sendo que temos um potencial enorme a explorar nesse campo.
- Os governos têm papel fundamental para estimular e garantir um ambiente propício a mudanças disruptivas. No Brasil precisamos aprender a conviver com as florestas em pé e gerar desenvolvimento usando a biodiversidade local – casos da Floresta Amazônica, Mata Atlântica e o Cerrado, e não destruindo essa riqueza natural para poder crescer. Preservar não pode ter o significado de ser relegado ao atraso, enquanto outros (países ou regiões) crescem. Nessa nova concepção, preservar deve ter o sentido de crescer fazendo uso das novas estratégias ESG, como por exemplo do mercado de carbono.
- No Brasil, precisamos aprender a intensificar o uso da tecnologia dos satélites para monitorar as práticas de sustentabilidade das empresas e das populações, como por exemplo: fazer o rastreamento de desmatamentos, dos riscos de desmoronamento de moradias precárias e de acidentes com barragens, da existência de esgotos e lixões a céu aberto, etc… Dessa forma, vamos conseguir discernir entre o discurso e a prática das empresas e dos governos e, sobretudo, poder criar os estímulos adequados para gerar iniciativas sustentáveis.
- Uma prática que precisamos estimular no Brasil é a da economia circular vis-à-vis à da economia linear, que atualmente é a dominante. A economia circular baseia-se em “repensar a forma de desenhar, produzir e comercializar produtos para garantir o uso e a recuperação eficiente dos recursos naturais”. Atualmente são elencados cinco setores-chave com maior potencial de ganhos significativos em ESG a partir da economia circular, que são: cimento, alumínio, aço, plásticos e alimentos. Por exemplo, empresas de mineração devem se empenhar cada vez mais na transformação de produtos pós-consumo descartados (tipo: eletroeletrônicos) em matérias-primas novamente.
- Na condição de indivíduos e consumidores, é fundamental ficarmos atentos às nossas próprias escolhas cotidianas, pois são elas as sementes para as mudanças que queremos ver. Exemplos dessas escolhas são a não-discriminação em nossa rede de amigos (em função de cor, orientação sexual, nível de renda), o consumo de alimentos orgânicos, o uso econômico de água e luz, o descarte seletivo dos resíduos, a preferência pelo transporte coletivo ou a escolha por um carro econômico, a preferência na compra de produtos de empresas ESG. Sem falar que tais atitudes contribuem para treinar os nossos filhos, as crianças e os jovens em geral a formarem novos valores e hábitos.
Enfim, considero que os dez desafios acima são relevantes para uma Agenda ESG no Brasil. Embora o foco tenha sido a dimensão ambiental, começar a trilhar esses passos vai ter impacto benéfico também para as dimensões social e econômica, sob a ótica de abrir novas oportunidades de trabalho, melhorar a qualidade de vida e promover desenvolvimento social. Não há uma sequência cronológica entre esses passos; ao contrário, o ideal é avançar simultaneamente em todos eles. O que há de comum em todos esses desafios é a necessidade de sintonia que deve existir sempre entre o discurso e a prática das pessoas, das organizações e dos governantes.