Nesse início de 2024 os países mais desenvolvidos têm emitido sinais confusos quanto à evolução de suas práticas ESG. Na União Europeia, a tendência ESG parece ganhar musculatura; já nos Estados Unidos, o movimento ESG vem sendo objeto de fortes críticas e, com isso, se fragilizando. E o Brasil, para qual dos dois lados vai pender?
Não tenho dúvidas de que se a tendência ESG (do inglês: Environmental, Social and Governance) se fortalecer e ganhar consistência no âmbito da gestão corporativa seria o melhor dos mundos, pois engendraria uma perspectiva ganha-ganha para todos os stakeholders (públicos envolvidos) da empresa e para a sociedade em geral.
Pois com o ESG se fortalecendo, ganhariam os shareholders (acionistas das empresas), com a abertura ampla de novas oportunidades de negócio, a serem geradas sobretudo a partir do novo ciclo da transição energética. Ganharia a área social em geral, com a abertura de novas oportunidades de trabalho, compensando os postos que vêm sendo rapidamente fechados com a revolução da tecnologia da informação. E inegavelmente sairia ganhando o meio ambiente como um todo, com a redução do acúmulo de resíduos, da poluição e da emissão de gases de efeito estufa.
Nos Estados Unidos, as manchetes recentes dão conta de que “o entusiasmo ESG está despencando” (Real Clear Energy, 06.02.2024) e que “a palavra suja mais recente na América corporativa é agora ESG” (The Wall Street Journal, 09.01.2024).
ESG: a tendência recente nos EUA
Daí porque nos EUA, o ano de 2024 se inicia com os líderes de grandes empresas evitando usar o termo ESG, e sendo aconselhados a darem preferência ao termo “empresa responsável” (pois quem poderia ser contra uma empresa responsável?). Até 2021, o termo era bem-visto: das 500 empresas que compõem o ranking da Standard & Poors, veja que no 4º quadrimestre de 2021, 155 companhias fizeram menção às suas iniciativas ESG, caindo para apenas 61 menções no 2º quadrimestre de 2023… E, só no ano de 2023, pelo menos 165 projetos de lei anti-ESG foram introduzidos, sob a alegação dos políticos de que “ESG tem impacto negativo para os retornos financeiros”. E o que suscitou toda essa aversão?
Do que pude levantar, a principal razão seria a de que as medidas preconizadas para atender aos critérios ESG começaram a ser percebidas nos EUA como colocando em risco a rentabilidade das empresas, e prejudicando os seus acionistas e investidores. Não fazia sentido as empresas passarem a incorporar pautas e agendas abrangentes do ativismo político “de esquerda” (de direitos humanos, justiça social e mudanças climáticas), tratado pejorativamente como “woke capitalismo” (ou capitalismo desperto), ou se submeterem à (obrigação de) elaborar um sem-número de relatórios para atenderem a inúmeros requisitos de medição e divulgação.
Para os observadores dessa nova dinâmica nos EUA, assumir tais custos e procedimentos do receituário ESG não se mostrava compatível com a lógica do lucro sustentável das empresas. Tanto que “em agosto de 2022, o governador da Flórida, Ron DeSantis, proibiu que os administradores do fundo de pensão estadual, que administrava as aposentadorias daquele estado, se baseassem em critérios ESG para tomarem as suas decisões” ( Estadão, 07.07.2023), no que foi seguido por mais de uma dúzia de outras autoridades estaduais.
Também Larry Fink, CEO da maior gestora de recursos do mundo (BlackRock), mudou em 2023 a estratégia usada em suas tão “repercutidas” cartas dirigidas aos CEOs das empresas investidas desde 2012. Não jogou mais o foco, como vinha fazendo desde 2018, nos princípios ESG que os CEOs das empresas deveriam seguir para continuarem recebendo os investimentos da gestora. Dessa última vez (2023), a sua carta foi dirigida aos investidores (e não mais aos CEOs) para reafirmar o compromisso de lealdade da BlackRock “em servir aos interesses de cada um dos investidores (ou clientes), de modo a garantir o melhor retorno de acordo com as diretrizes de investimento que eles estabelecessem”. Pois o “dever fiduciário” da BlackRock era para “com cada um e todos” os seus clientes.
Essa mudança de discurso de Fink se mostrou coerente, além de necessária, frente à crescente perda de interesse dos investidores norte-americanos pelos fundos sustentáveis. Basta ver que, entre 2017 e 2021, os fundos sustentáveis nos Estados Unidos haviam saltado de US$ 95 bilhões para US$ 358 bilhões. Porém, só nos primeiros nove meses de 2023, esses fundos ESG tiveram uma redução de mais de US$ 14 bilhões, não só por conta das pesadas críticas dos políticos mais conservadores, como também da reação dos próprios investidores, da legislação anti-ESG (como proibir, nos estados, que gestoras ditas sustentáveis investissem recursos de fundos de pensão dos seus territórios); e também sem falar na subida recente dos juros no país desde março de 2022, encarecendo o custo do crédito para as empresas de transição energética, em geral capital-intensivas.
ESG: a tendência recente na União Europeia
Já na União Europeia – e sobretudo no Reino Unido, a impressão é que a tendência tem sido oposta. Lá o entusiasmo está em alta, principalmente com o foco na dimensão E (Environmental, ou em português, Ambiental), voltada para coibir as mudanças climáticas adversas. Assim, iniciativas concretas vêm sendo tomadas para consolidar o campo ESG, como exemplifico a seguir.
1 – O Parlamento Europeu vem atuando firme nessa área da regulamentação, cabendo destacar o Regulamento da Taxonomia (junho de 2020) e o Regulamento da Divulgação de Finanças Sustentáveis (Sustainable Finance Disclosure Regulation – SFDR, março 2021).
O Regulamento da Taxonomia estabelece um quadro geral de classificação para “atividade económica sustentável do ponto de vista ambiental”, baseado em seis objetivos ambientais, que são: (i) Mitigação das mudanças climáticas; (ii) Adaptação às mudanças climáticas; (iii) Utilização sustentável e proteção dos recursos hídricos e marinhos; (iv) Transição para a economia circular e reciclagem; (v) Prevenção e controle da poluição; (vi) Proteção e recuperação da biodiversidade e dos ecossistemas. (Atualidade Parlamento Europeu, 11/06/2020)
Para serem consideradas atividades alinhadas à taxonomia, que ficou depois conhecida como “taxonomia verde”, as atividades devem contribuir para pelo menos um desses objetivos e, tão importante quanto, não causar dano a nenhum outro objetivo. Para isso, devem atender aos critérios técnicos específicos que são estabelecidos para cada objetivo. A União Europeia também determinou que os relatórios (ou reportes) baseados na taxonomia já começassem a ser feitos (em 2022, exercício 2021) por empresas com mais de 500 funcionários sediadas na Europa, sendo que elas devem relatar também o quanto de suas receitas, investimentos e despesas operacionais se enquadram nessa taxonomia verde. (Reset, 08/10/2020).
De modo complementar ao Regulamento da Taxonomia (que tem o foco nas atividades econômicas), o Regulamento de Divulgação das Finanças Sustentáveis (SFDR) impõe obrigações de divulgação / reporte ESG para os gestores de ativos e outros participantes dos mercados financeiros (bancos) europeus, que entraram em vigor no início de 2022 (KPMG, 09/03/2021), e se tornaram obrigatórias a partir de jan.2024 (Reset, 02.01.2024).
Dessa forma, o SFRD visou “reduzir o greenwashing, aumentar a transparência e promover o fluxo de capital em direção a ativos mais sustentáveis”. Nessa legislação, fundos de investimento são, então, classificados segundo três artigos, de acordo com o seu foco em sustentabilidade: (Artigo 6) Fundos sem mandato de sustentabilidade; (Artigo 8) Fundos de apoio a iniciativas ESG, ‘light green`; (Artigo 9) Fundos com objetivos explícitos de sustentabilidade, ou ´dark green`. (Fingreen AI, 30/06/2023), (Reset, 16/10/2023)
2 – Outra iniciativa importante no Reino Unido no campo ESG foi o lançamento do ISSB, em junho de 2023 (reset, 26.06.2023). A Fundação IFRS, que é sediada em Londres, lançou o ISSB (International Sustainability Standards Board), que deve se tornar no padrão internacional de divulgação dos balanços em sustentabilidade por parte das empresas. Vale lembrar que a Fundação IFRS já é a responsável pela produção do IFRS – International Financial Reporting Standards, que é opadrão contábil mais aceito para as demonstrações financeiras das empresas em âmbito global desde 2004.
No âmbito do ISSB, foram apresentados 2 conjuntos de normas (ou standards): S1 e S2. S1 diz respeito às informações gerais de sustentabilidade da empresa; enquanto S2 trata diretamente das informações relacionadas a clima. Em ambos os grupos, devem ser relatadas informações segundo os 4 aspectos, que são: (i) Governança; (ii) Gestão de riscos; (iii) Estratégia; (iv) Metas e Métricas.
No grupo S2, o das mudanças climáticas, as empresas deverão reportar o inventário de suas emissões de gases de efeito estufa, subdivididas no Escopo 1 (emissões diretas dos processos produtivos); Escopo 2 (emissões relativas à energia elétrica que é utilizada em seus processos); e no Escopo 3 (emissões provenientes de suas cadeias de valor, seja dos fornecedores ou do uso dos produtos pelos clientes), que é o nível mais difícil de mensurar.
Acredito que tanto o ISSB quanto essas legislações aprovadas da taxonomia verde e dos ativos financeiros verdes podem ser instrumentos relevantes no sentido de contribuir para a padronização de indicadores, comparabilidade, transparência e tangibilização dos resultados e, em última instância, para a consolidação do campo ESG. Evidentemente isso vai depender da qualidade técnica desses instrumentos, de sua capacidade em capturar a materialidade dos avanços ESG, e da qualidade de sua implementação.
ESG: por que a divergência?
Do que comentamos, fica claro a divergência de abordagem ESG existente atualmente entre os Estados Unidos (EUA) e a União Europeia (UE). Enquanto nos EUA, essas questões tendem a ser evitadas, polemizadas e até odiadas, na UE o discurso e a prática parecem convergir em um crescendo virtuoso. Por que esses dois lados tão antagônicos em um contexto de países desenvolvidos?
Há algumas possíveis hipóteses explicativas que ouso levantar:
- Na União Europeia o foco ESG tem sido dado a questões ambientais que demandam novos e diferentes investimentos das empresas, mas com grande potencial de retorno financeiro. Pois as questões ambientais representam novos nichos de negócio. Por outro lado, nos Estados Unidos o foco acabou indo para as questões sociais, que também demandam novos e diferentes investimentos corporativos, porém sem expectativa de retorno financeiro compatível. Assim, essa diferença de foco explicaria, em grande medida, o aspecto controvertido das questões ESG nos Estados Unidos e, por outro lado, o amplo apoio que tem recebido na União Europeia.
- Vale lembrar que ESG surge como um valor organizacional por volta de 1980, na época sob a sigla RSC (Responsabilidade Social Corporativa). E aqui me refiro aos Estados Unidos e à Inglaterra. Até 2020, ESG mostrou ter uma política custo-efetiva bastante favorável para as empresas, no sentido de gerar ganhos de imagem e (até de) produtividade e vendas a um custo marginal relativamente baixo e mais do que compensador. Porém no caso dos EUA, de 2020 para cá, o escopo da política ESG foi rapidamente se ampliando, a ponto de querer assumir funções de Estado na área social, começando a colocar em risco a rentabilidade dos donos e acionistas das grandes empresas naquele país. Assim, penso que o que está acontecendo hoje nos EUA (aversão ao ESG) poderia ser um quadro antecedente do que virá a ocorrer na União Europeia em breve.
- Outra possibilidade é que, nos EUA, a crítica ferrenha às iniciativas ESG tenha conotações eminentemente políticas, sendo orquestrada pelo Partido Republicado (de direita) em oposição ao Partido Democrata (de esquerda). Nesse caso, essa aversão lá ao ESG não passaria de uma “onda” a ser em breve amainada.
ESG: Para que lado o Brasil vai?
O fato é que, nós aqui no Brasil, ainda não temos clareza sobre o porquê dessa divergência de abordagem ESG entre os EUA e a UE, e se ela vai persistir – ou não. Mas, e aqui retomando a pergunta do início do texto: face a essa encruzilhada de abordagens, para que lado o Brasil vai seguir – para o lado dos EUA, ou para o lado da UE?
Pergunta difícil. Cinco conhecidos especialistas brasileiros ouvidos pelo Reset (02.01.2024) elencaram cinco tendências e desafios para o campo ESG no Brasil em 2024:
- Necessidade de maior transparência nas informações ESG das empresas. O Brasil foi o primeiro país do mundo a adotar (nov.2023) o padrão ISSB de reporte. Por ora, a divulgação é voluntária por parte das empresas listadas na Bolsa de ações brasileira (B3), fundos e companhias financeiras securitizadoras (que podem emitir títulos de crédito), mas será compulsória a partir de 2027, segundo determinação do órgão regulador – a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
- Foco nas cadeias de valor, com ênfase para as atividades de mineração, pecuária e agricultura, de modo a continuar garantindo a competitividade dos produtos brasileiros no exterior.
- Os bancos e gestoras de fundos brasileiros precisam se adaptar urgente ao expressivo aumento (desde 2022) da demanda de investidores estrangeiros, sobretudo europeus, por ativos com atributos sustentáveis (mais especificamente atributos climáticos). “Só na União Europeia existem hoje US$ 5 trilhões ávidos por ativos sustentáveis”. Para que o Brasil consiga captar esses recursos externos, e financiar a transição da economia para o baixo carbono, “uma dificuldade é a escassez de fundos de prateleira para absorver esse capital que começa bater à porta” (Reset, 16.10.2023).
- No âmbito do ESG, há a preocupação de que a temática Social (S), especialmente no que se refere a direitos humanos e diversidade, fique para trás. Porém, também “há dúvidas quanto a sua concreta implementação, de forma a gerar valor” para as empresas.
- Já que o Brasil vai sediar a COP 30 (Conferências das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) em 2025 em Belém/ Pará, as agendas da “biodiversidade, bioeconomia, soluções baseadas na natureza, floresta em pé e temas correlatos” precisam ganhar força, de modo a poderem aproveitar essa oportunidade.
A julgar por essas tendências e desafios ESG apontados, tendo a concluir que os atores no Brasil (corporativos, financeiros, governos) estão indo para o lado da União Europeia, e buscando se inserir em suas dinâmicas e práticas ESG. E isso é bom, pois, como visto, a UE parece estar construindo as suas bases e alicerces, por meio da regulação e dos indicadores de monitoramento, de modo a poder delimitar e gerenciar o campo de atuação ESG com efetividade.
Quanto à dimensão social do ESG, acredito que possa ser válido examinar e aprender com a experiência recente dos Estados Unidos, atualmente objeto de tantas críticas. Pois, a meu ver, é importante saber “dosar” o ponto ótimo da gestão social corporativa – “nem só 8, mas também não exagerar para 80” (Artigo – ESG: nem 8 nem 80. Que tal 44?).