As empresas têm alma?

Por on 20/05/2022

Recomendo fortemente a entrevista que Alan Murray, CEO da Fortune Media, concedeu nessa semana (18.05.2022) a Mark Kramer, professor sênior da Harvard Business School e co-fundador da Shared Value Initiative (SVI).

A motivação para a entrevista foi o recém-lançado livro de Murray “Tomorrow`s Capitalist: My Search for the Soul of Business”, a partir de sua experiência como jornalista, que está sempre em contato com os CEOs das maiores companhias do mundo. Na sua percepção,  a mudança do capitalismo de shareholders para o capitalismo de stakeholders agora é para valer. “Não se trata mais de remendos superficiais e cosméticos que acabaram gerando tanto cinismo no passado, mas de uma revolução real na forma como as corporações são imaginadas e administradas…… pois finalmente os CEOs perceberam que perderiam a sua ‘licença para operar` se não passassem a tratar de questões fundamentais do nosso momento, como: clima, diversidade e inclusão, e desigualdade e oportunidade para a força de trabalho”.

Durante essa entrevista, questões relevantes e provocadoras foram abordadas, tais como:

  • As grandes corporações agora têm alma (soul)?
  • Nesse movimento na direção do capitalismo de stakeholders, o que é real e o que é apenas ‘relações públicas´?
  • Por que as empresas estão se tornando mais humanas?
  • O que fazer para fortalecer o capitalismo de stakeholders?
  • Como lidar com os desafios do curto e do longo prazo?
  • Como conciliar colaboração com o senso de competição que é o que move as empresas?
  • Como ampliar  esse movimento na direção de empresas mais humanas?

O CEO da Fortune foi firme na defesa de alguns posicionamentos. Ele não tem dúvidas de que as companhias estão agora se tornando mais humanas. Sempre foram organizações constituídas por pessoas (humanas), só que a diferença agora é que cada vez mais o valor gerado por elas advêm do capital humano (conhecimentos, patentes, rede de contatos,…), e menos do capital físico (equipamentos, máquinas, minérios, petróleo, etc….). Essa mudança fica nítida da comparação dos balanços entre as maiores empresas da Fortune dos anos 1970 e dos anos 2020.

Para diferenciar entre o que é real e o que não passa de retórica sobre o que as companhias fazem para os seus stakeholders, o fundamental é avançar no sistema de métricas e de prestação de contas. Há que se admitir que, em âmbito global, estamos apenas no começo; ainda falta um longo caminho a trilhar para conseguirmos um sistema de medição robusto, tal como o que já existe atualmente para atender os seus shareholders.  

Para Murray, hoje o fator aglutinador em torno de uma empresa não é mais o  retorno financeiro que ela gera como era no século passado. Tão importante quanto a Lucratividade (profit) da empresa para atrair e reter talentos é o seu Propósito (purpose). O aspecto emocional passou a contar cada vez mais: por que a empresa existe? O que ela faz? Qual a diferença que ela faz?

O longo prazo dá a visão sobre onde as empresas querem chegar: o fato é que elas não podem ser bem sucedidas em um “planeta pegando fogo ou com uma revolta social em curso”. Já o curto prazo representa o caminho a ser trilhado – e aí, novamente, surge o papel das métricas. Porém, é preciso avançar com a infra-estrutura de medição, isto é, com dados padronizados, comparáveis e públicos.

No mundo corporativo, competição e colaboração devem ser conciliados. É preciso identificar o espaço da colaboração. Murray cita o caso da indústria farmacêutica nesses últimos dois anos, um dos setores mais competitivos e “odiados no mundo”, porém que demonstrou uma atuação colaborativa exemplar na produção de vacinas modernas e eficientes no enfrentamento da crise mundial de Covid.

Ao final da entrevista,  o CEO da Fortune deixou clara a importância da comunicação transparente e sincera das lideranças da empresa, que não pode esconder as vulnerabilidades da empresa, mas falar abertamente sobre elas. Para ele, um exemplo comovente nesse sentido foi como o CEO da Marriott (cadeia internacional de hotéis),  Arne Sorenson, apresentou abertamente, em um curto vídeo dirigido a todos os seus públicos (colaboradores, acionistas e clientes), que a empresa estava passando por uma crise sem tamanho e o que seria feito.

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.