Antes de mais nada, devo deixar claro que sou a favor da Lava-Jato, como acerto de contas com a nossa história de patrimonialismo e corrupção sistêmica, que contribui para perpetuar privilégios em um país com tanta pobreza e desigualdade social, como é o caso do Brasil. Não sou advogada. Nem é o meu propósito defender Lula ou Temer.
Faço as colocações abaixo na condição de cidadã brasileira, nascida na divisa entre a geração baby-boom e a geração X, com muitos amigos que, até há bem pouco tempo atrás, tinham orgulho e entusiasmo em trabalharem nas grandes empresas nacionais do país, como Petrobras, Odebrecht, OAS, Furnas, Eletronuclear, Carioca Engenharia e Queiroz Galvão. Sentiam que estavam contribuindo para um Brasil melhor.
O ponto central é que sou fortemente contra injustiças que vêm sendo cometidas recentemente em nome do combate à corrupção.
A identificação dos culpados e a imposição de penalidade a eles por corrupção nessas empresas são de extrema importância nesse momento, pois passa a lição exemplar para que, daqui para frente, crimes dessa natureza não sejam mais cometidos nem tolerados no ambiente corporativo. Porém, em nome do combate a um erro, não se pode incorrer em outro, tão grave, que é a “caça às bruxas” e a condenação à prisão de pessoas inocentes.
É hora, sim, de fazer julgamentos, e o Poder Judiciário tem que entrar em cena. Porém, todo cuidado deve ser tomado para que o risco do erro seja praticamente nulo. Não estou defendendo a complacência com os crimes de corrupção corporativa, mas a seriedade e cautela em seu julgamento.
Dito isto, venho assistindo, com tristeza e preocupação, uma tolerância grande ao erro nos julgamentos dos tribunais de justiça, relacionados a esses casos de corrupção. Algo inconcebível do ponto de vista da justiça: saber que a história de vida de uma pessoa é destruída por erro de julgamento – e, o pior, erro cometido por órgão do Poder Judiciário, a quem justamente é dada a incumbência de fazer justiça.
A esse respeito, o artigo do advogado criminalista Juliano Breda (O Globo, 08.02.2018) faz um alerta importante sobre o risco de injustiça no Brasil com a condenação de acusados inocentes em instâncias inferiores, por questões sobretudo de ilegalidade processual. Como exemplo, ele cita que durante quase 7 anos, de janeiro de 2009 a agosto de 2016, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) julgou 82.500 processos de pessoas já condenadas em 1ª e 2ª instâncias, sendo que 10,3% delas, ou 8.497 pessoas, acabaram sendo absolvidas depois na instância superior. Porém, só no último ano (2017), foram mais de 10.000 processos favoráveis aos réus pelo STJ. Basta isso para dar a dimensão do crescimento da condenação de pessoas inocentes em nosso país.
Em relação aos casos de corrupção corporativa, o que tenho observado é que os julgamentos vêm sendo feitos de forma apressada e descuidada, com a condenação de inocentes, e muitas vezes uma condenação em bloco, sem o cuidadoso e imprescindível levantamento de evidências que justifiquem com segurança a rejeição da presunção da inocência.
Uma possível explicação pode ser a pressão da opinião pública, que clama (e com razão!) pela identificação exemplar dos culpados, como maneira de se começar a estancar as investidas do processo de corrupção que, até então feitas às escondidas, agora se tornaram transparentes. Uma segunda razão, e como decorrência da anterior, pode estar ligada à falta de tempo hábil para aguardar as investigações dos órgãos responsáveis pelo controle administrativo dessas empresas, que deveriam anteceder e serem levadas em consideração no processo criminal (o que não tem ocorrido). Ademais, por falta de recursos financeiros ou por algum outro motivo, o fato é que, em alguns casos, não tem sido contratado o trabalho dos órgãos competentes para executarem o levantamento das informações indispensáveis para embasar o julgamento individualizado desses crimes corporativos.
Assim, um aspecto fundamental para o qual chamo a atenção é o de que, em nome do combate à corrupção nas empresas, não se pode tolerar a condenação à prisão de executivos inocentes. Para evitar que injustiças desse tipo sejam cometidas, é preciso que as diferentes varas da Justiça brasileira possam ter competência, recursos e autonomia para fazerem o seu trabalho de maneira adequada e, assim, terem condições de efetivamente separar o joio do trigo.
Um outro aspecto importante a destacar é que os crimes de corrupção praticados por uns poucos funcionários nessas empresas relacionadas à Lava-Jato estão denegrindo a reputação de todos os demais que conviveram com eles na empresa durante esse período, ou que seguem trabalhando lá.
Pesquisa recente com os principais recrutadores do país (Valor, 01.02.2018) apontou que atualmente ter no currículo o sobrenome corporativo de empresa associada à Lava-jato tem dificultado sobremaneira a recolocação no mercado de trabalho – ainda mais se ocupou nível hierárquico superior, durante os acontecimentos da Lava-jato. Ou seja, o que até há bem pouco tempo atrás era visto como motivo de orgulho (trabalhar nessas empresas), agora virou fator de vergonha.
A razão é que o erro de uma minoria está sendo imputado a todos. Quem trabalhou nessas grandes empresas nos últimos anos sabe muito bem que as coisas erradas não eram feitas a vista de todos, mas de modo muito dissimulado, a ponto de não serem percebidas pelas próprias áreas competentes com a atribuição de fiscalizar, seja dessas empresas ou de órgãos externos. Seriam, então, todos coniventes ou todos cegos?
Não se pode querer incriminar uma geração inteira de executivos que trabalhou nessas empresas, sob a alegação de que foram todos corruptos e improdutivos. Uma pequena minoria já admitiu ter sido. Mas a grande maioria fez um trabalho honesto, dedicado e deu o melhor de si durante o período em que estiveram lá. Aliás, não foi por outra razão que o Brasil avançou tanto nessas últimas décadas no campo do petróleo, da siderurgia, energia, construção pesada, dentre outros.
Concluindo, atualmente o combate a corrupção é primordial, mas a sociedade brasileira e as suas instituições não podem ser injustas com os profissionais sérios que trabalharam nessas empresas durante grande parte de suas vidas.