Conflitos pessoais em tempos de Coronavírus

Por on 25/03/2020

Estamos todos, em nível planetário, atravessando um momento difícil e totalmente atípico nesses últimos 100 anos. De muitos conflitos internos e inseguranças. A sensação é a de um inimigo invisível que avança rápido, com suas garras terríveis: o ‘novo coronavírus`. Não sabemos como estaremos ao final do túnel, daqui a 3 meses, 6 meses, ou…….  Estaremos com os nossos entes queridos? Estaremos vivos? Estaremos  trabalhando? E a nossa consciência como estará, vendo tanta gente sofrendo ao redor? Como podemos ajudar, de forma responsável e efetiva?

Nesse momento inicial  (1a semana) de fazer o planejamento pessoal para o enfrentamento da crise, é importante que  cada um faça um balanço pessoal dos seus pontos positivos e das dificuldades / fragilidades,  o que na linguagem dos projetos chamamos por diagnóstico inicial.  Dando como exemplo o meu caso,  entre os meus pontos positivos: moro em apartamento com varanda (e não em ambiente apertado); tenho um marido companheirão (não estou vivendo a quarentena em solidão, nem ´amontoada`); sou autodisciplinada na ocupação do tempo;  e tenho certa folga financeira. Entre os meus pontos de dificuldades, cito: sou grupo de risco (jovem idosa ); sou muito  preocupada como os meus pais, que são muito idosos e, o pior, moram em outra cidade; além da preocupação também com outros familiares, cujas vidas fogem ao meu controle.

 

Quais os conflitos pessoais?  Como agir?

Ao longo dessa primeira semana de 16 a 22 de março (2020), quando essa pandemia foi sendo gradualmente levada a sério no Brasil, eu me vi também atravessando uma sequência de conflitos internos, na ordem que se segue.

  1. Como cuidar dos entes queridos que dependem da gente? No meu caso, o desafio era manter os meus pais em isolamento social, porém continuando a ser cuidadosamente assistidos em casa. Uma reviravolta meio tumultuada na rotina deles, uma fase de riscos que eles correram, de desentendimentos entre nós irmãos, de tentativas, erros e avanços para a decisão final tomada. Nesse processo movido por ansiedade,  ampliada pela distância, fomos entendendo que “quarentena é quarentena”. Agora, acho que chegamos a um equilíbrio: eles estão bem sob os cuidados de apenas uma única cuidadora, uma pessoa alegre, responsável, competente e com o menor risco de transmissão.
  2. Como acessar a informação? Nesses tempos de crise, ter acesso à informação relevante é não apenas necessário, mas imprescindível para orientar as nossas tomadas de decisão. O problema é que somos inundados por informações de todos os lados (whatsapp, tweets, tv, rádio, telefone e rodas de conversa). Na maior parte das vezes, são pessoas querendo ajudar, se solidarizar, e também elas próprias precisando de ajuda. No início, fiquei confusa e ansiosa por esse bombardeio de informações. Como me organizar e agir? De imediato, decidi que teria que filtrar as informações, e “sofrer” menos com elas. Lembrei-me do velho e bom ditado, ´first things first`.
  3. Como adaptar à nova rotina pessoal? No meu caso, a adaptação à crise  foi indo aos tropeços nessa primeira semana. No início tive certa resistência (haveria mesmo necessidade de tanta mudança?), mas fui aos poucos assumindo os ´não podes`  (ir ao supermercado, ao banco, ter reunião, ir à missa, receber a diarista em casa) e os ´não convéns` (usar o elevador, entrar de sapato em casa). Enfim, teria que ficar só em casa: trabalhar, divertir e me exercitar. Pensando apenas em mim, esses novos hábitos não seriam difíceis. Mas, e para os outros?
  4. Buscando enxergar a realidade dos outros. Assim como mostrei para o meu caso, haverá inúmeras outras realidades de pessoas e famílias tentando se adaptar ao novo contexto da crise, com dificuldades possivelmente muito maiores do que as minhas: famílias com crianças e (também) idosos, porém com pouco dinheiro; idosos totalmente isolados de suas famílias; moradores de rua vagando pelas ruas da cidade; empreendedores e empregados, apavorados em perderem os seus negócios e trabalhos; profissionais de saúde atuando diretamente no combate da pandemia, longe dos seus familiares; gente morrendo desassistida; governos e organizações da sociedade civil (OSCs) tentando encontrar maneiras para organizar o caos anunciado, e minimizar os efeitos econômicos, sociais e na saúde das pessoas.

Foi quando o sentimento  de culpa começou a bater mais pesado: vamos ficar encastelados em nossas quarentenas, ou vamos tentar contribuir para amenizar a dor dos outros?

  1. Assumindo a responsabilidade com o próximo mais próximo. O nosso próximo mais próximo são justamente aquelas pessoas que trabalham diretamente conosco, seja em nossas casas ou em nossas empresas / empreendimentos. Nessa hora não devemos ser mesquinhos: temos que conciliar interesses, e cada um (de acordo com as suas possibilidades) perder um pouco, por causa da crise. No meu caso, vou pagar a remuneração devida aos nossos assistentes, mesmo não tendo havido a prestação do serviço correspondente; e também buscar renegociar contratos com base no entendimento das dificuldades do outro.

E como ajudar as outras pessoas, que não são tão próximas da gente?  Ou melhor, aquelas pessoas cujas realidades, muito mais duras que a nossa, só conhecemos pela TV ou pelas mídias sociais?

Tema para um próximo post.

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.