Estamos todos, em nível planetário, atravessando um momento difícil e totalmente atípico nesses últimos 100 anos. De muitos conflitos internos e inseguranças. A sensação é a de um inimigo invisível que avança rápido, com suas garras terríveis: o ‘novo coronavírus`. Não sabemos como estaremos ao final do túnel, daqui a 3 meses, 6 meses, ou……. Estaremos com os nossos entes queridos? Estaremos vivos? Estaremos trabalhando? E a nossa consciência como estará, vendo tanta gente sofrendo ao redor? Como podemos ajudar, de forma responsável e efetiva?
Nesse momento inicial (1a semana) de fazer o planejamento pessoal para o enfrentamento da crise, é importante que cada um faça um balanço pessoal dos seus pontos positivos e das dificuldades / fragilidades, o que na linguagem dos projetos chamamos por diagnóstico inicial. Dando como exemplo o meu caso, entre os meus pontos positivos: moro em apartamento com varanda (e não em ambiente apertado); tenho um marido companheirão (não estou vivendo a quarentena em solidão, nem ´amontoada`); sou autodisciplinada na ocupação do tempo; e tenho certa folga financeira. Entre os meus pontos de dificuldades, cito: sou grupo de risco (jovem idosa ); sou muito preocupada como os meus pais, que são muito idosos e, o pior, moram em outra cidade; além da preocupação também com outros familiares, cujas vidas fogem ao meu controle.
Quais os conflitos pessoais? Como agir?
Ao longo dessa primeira semana de 16 a 22 de março (2020), quando essa pandemia foi sendo gradualmente levada a sério no Brasil, eu me vi também atravessando uma sequência de conflitos internos, na ordem que se segue.
- Como cuidar dos entes queridos que dependem da gente? No meu caso, o desafio era manter os meus pais em isolamento social, porém continuando a ser cuidadosamente assistidos em casa. Uma reviravolta meio tumultuada na rotina deles, uma fase de riscos que eles correram, de desentendimentos entre nós irmãos, de tentativas, erros e avanços para a decisão final tomada. Nesse processo movido por ansiedade, ampliada pela distância, fomos entendendo que “quarentena é quarentena”. Agora, acho que chegamos a um equilíbrio: eles estão bem sob os cuidados de apenas uma única cuidadora, uma pessoa alegre, responsável, competente e com o menor risco de transmissão.
- Como acessar a informação? Nesses tempos de crise, ter acesso à informação relevante é não apenas necessário, mas imprescindível para orientar as nossas tomadas de decisão. O problema é que somos inundados por informações de todos os lados (whatsapp, tweets, tv, rádio, telefone e rodas de conversa). Na maior parte das vezes, são pessoas querendo ajudar, se solidarizar, e também elas próprias precisando de ajuda. No início, fiquei confusa e ansiosa por esse bombardeio de informações. Como me organizar e agir? De imediato, decidi que teria que filtrar as informações, e “sofrer” menos com elas. Lembrei-me do velho e bom ditado, ´first things first`.
- Como adaptar à nova rotina pessoal? No meu caso, a adaptação à crise foi indo aos tropeços nessa primeira semana. No início tive certa resistência (haveria mesmo necessidade de tanta mudança?), mas fui aos poucos assumindo os ´não podes` (ir ao supermercado, ao banco, ter reunião, ir à missa, receber a diarista em casa) e os ´não convéns` (usar o elevador, entrar de sapato em casa). Enfim, teria que ficar só em casa: trabalhar, divertir e me exercitar. Pensando apenas em mim, esses novos hábitos não seriam difíceis. Mas, e para os outros?
- Buscando enxergar a realidade dos outros. Assim como mostrei para o meu caso, haverá inúmeras outras realidades de pessoas e famílias tentando se adaptar ao novo contexto da crise, com dificuldades possivelmente muito maiores do que as minhas: famílias com crianças e (também) idosos, porém com pouco dinheiro; idosos totalmente isolados de suas famílias; moradores de rua vagando pelas ruas da cidade; empreendedores e empregados, apavorados em perderem os seus negócios e trabalhos; profissionais de saúde atuando diretamente no combate da pandemia, longe dos seus familiares; gente morrendo desassistida; governos e organizações da sociedade civil (OSCs) tentando encontrar maneiras para organizar o caos anunciado, e minimizar os efeitos econômicos, sociais e na saúde das pessoas.
Foi quando o sentimento de culpa começou a bater mais pesado: vamos ficar encastelados em nossas quarentenas, ou vamos tentar contribuir para amenizar a dor dos outros?
- Assumindo a responsabilidade com o próximo mais próximo. O nosso próximo mais próximo são justamente aquelas pessoas que trabalham diretamente conosco, seja em nossas casas ou em nossas empresas / empreendimentos. Nessa hora não devemos ser mesquinhos: temos que conciliar interesses, e cada um (de acordo com as suas possibilidades) perder um pouco, por causa da crise. No meu caso, vou pagar a remuneração devida aos nossos assistentes, mesmo não tendo havido a prestação do serviço correspondente; e também buscar renegociar contratos com base no entendimento das dificuldades do outro.
E como ajudar as outras pessoas, que não são tão próximas da gente? Ou melhor, aquelas pessoas cujas realidades, muito mais duras que a nossa, só conhecemos pela TV ou pelas mídias sociais?
Tema para um próximo post.