Nós brasileiros temos ficado confusos com as notícias desencontradas sobre o enfrentamento da crise do coronavírus. A impressão que eu tinha, e creio que a maioria dos brasileiros também, era a de que o país estava sem liderança e sem uma política consistente que o grave momento exige.
A entrevista do último sábado (28/03/2020) do ministro da Economia Paulo Guedes aos diretores da XP Investimentos me tranquilizou. Mostrou a coerência do plano econômico para enfrentar a crise. Reproduzo a seguir os principais pontos abordados pelo Ministro Guedes.
- Estamos, sim, atravessando uma crise muito grave, uma onda de calamidade pública vinda de fora. Ele concorda que, nesse primeiro momento, é necessário que todos estejam em isolamento social, com exceção apenas das áreas essenciais, de modo a conseguirmos achatar a curva do contágio no Brasil.
Nessa semana que se inicia, o próprio Guedes vai estar em quarentena na Granja do Torto, uma das residências oficiais da Presidência da República. Além de dar o exemplo, evidencia o bom entrosamento entre ele e o Presidente da República, o que é vital nesse momento.
- Nesses próximos 3 meses (abril a junho), o Plano de Emergência deve injetar na economia um total de R$ 760 bilhões, ou seja, 4,8% do PIB. É um valor significativo, porém pontual e imprescindível para o momento. Esses recursos serão distribuídos da seguinte maneira:
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- Saúde: R$ 26 bilhões de imediato, sendo R$ 16 bilhões para os Estados e Municípios. Na Saúde, são 4 as prioridades: (i) aquisição de ventiladores pulmonares (no início da crise, estavam sendo produzidos no país 250 por semana; hoje já são 1.000; a meta é chegar a 1.400); (ii) de máscaras; (iii)de álcool-gel; e (iv) dar escala aos testes, para aumentar a taxa de detecção do vírus (dificultando o contágio) e para dar suporte à transição da atual fase de isolamento horizontal para a vertical. Cada teste tem um custo de R$ 6.
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- Na Economia /dimensão financeira – aumento de liquidez na economia. Subtotal de R$ 500 bilhões, sendo:
Redução do compulsório dos bancos no Banco Central de modo a viabilizar o fluxo de caixa das empresas via crédito – R$ 200 bilhões;
Liberação de recursos da Caixa Econômica Federal e do BNDES – R$ 150 bilhões;
Diferimento do recolhimento de impostos para as empresas (Simples e FGTS), antecipação do 13º de aposentados e pensionistas para abril e maio, e antecipação do abono salarial para junho aos trabalhadores com até 2 salários-mínimos – R$ 150 bilhões.
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- Na Economia / dimensão fiscal – abandono por ora da exigência fiscal do superávit primário de modo a viabilizar as “camadas de solidariedade”. Subtotal de R$ 231 bilhões, sendo:
Auxílio emergencial (R$ 600 mensal por família por 3 meses) para as 1,2 milhão de famílias em situação de pobreza, cadastradas no programa Bolsa-Família – R$ 3 bilhões e pouco;
Auxílio Emergencial aos Informais (AEI) – também R$ 600 mensal por trabalhador “independente” durante 3 meses. Atualmente são em torno de 38 milhões de informais, como os ambulantes, taxistas, feirantes, etc…. que irão ficar praticamente sem trabalho durante esse período – R$ 50 bilhões;
Complementação de salário para os empregados das empresas que não demitirem nos próximos 3 a 4 meses – R$ 50 bilhões
Crédito para Folha de Pagamento (FOPA) para as empresas que não demitirem – R$ 40 bilhões
Recurso emergencial para os Estados e Municípios poderem rolar as suas dívidas – R$ 88 bilhões
- Esses R$ 760 milhões são despesas emergenciais e pontuais para enfrentar a crise inesperada do coronavírus. Não representam despesas permanentes do governo federal, essas sim fortemente nocivas ao equilíbrio fiscal. Guedes espera que, passado esse choque da saúde, haverá a retomada da economia, com os investimentos tão necessários e que serão destravados nas áreas de saneamento, infraestrutura, privatizações, setor elétrico e cabotagem. Com os juros baixos e a taxa de câmbio elevada (e que deverão permanecer nesse patamar), o setor produtivo privado vai conseguir deslanchar, e trazer alívio imediato para o caixa das empresas e os cofres públicos.
Paulo Guedes fez questão de destacar o avanço havido nas reformas estruturantes desde o início do governo Bolsonaro(2019), e que já serão capazes de dar a sua contribuição fiscal para esse ano “excepcional” da crise: (i) redução de R$ 750 bilhões nas despesas da Previdência em 10 anos, sendo R$ 100 bilhões só em 2020; (ii) redução de R$ 400 nas despesas com juros da dívida pública em 4 anos, sendo também R$ 100 bilhões só nesse ano; e (iii) possível “travamento” por 2 anos dos aumentos de salário do funcionalismo público federal, o que irá representar um corte de despesas públicas de R$ 310 bilhões.
Por conta da crise do coronavirus , a agenda das reformas estruturantes deverá ser interrompida, mas ele espera que as discussões com o Congresso nesse sentido deverão ser retomadas por volta do meio do 2º semestre desse ano.
- A implementação das medidas anunciadas (item 2 acima) deve começar daqui a 2-4 dias úteis. A orientação é que “nenhum brasileiro deve ficar para trás”. Daí, nessa fase de emergência, o governo vai preferir pecar pelo excesso, ou seja, correr o risco do erro da inclusão social indevida, de modo a conseguir fazer um processo amplo e rápido de transferência de renda para os mais vulneráveis.
As orientações de ordem prática são:
Por ora, os empresários / microempreendedores já podem ir negociando com os seus trabalhadores questões trabalhistas, tais como antecipação de férias, redução da jornada de trabalho e antecipação de FGTS (ao invés de salário). Assim, passados esses 4 dias, eles devem procurar os seus bancos ou (no caso dos microempreendedores) as “empresas das maquininhas” (tipo Pag-Seguro, Stone) para pegarem o crédito FOPA (da folha de pagamento) a que têm direito, ou buscarem novo empréstimo, ou renegociarem a dívida.
Todos os trabalhadores independentes (ou informais) que são registrados no INSS, a Caixa Econômica deve depositar o auxílio emergencial (R$ 600 p/mês por 3 meses) ou transferir para o banco (tipo Itau, Bradesco, etc….) em que o trabalhador tem conta. Já as famílias do Bolsa-Família também receberão o auxílio pela Caixa Econômica.
Se o trabalhador informal não for registrado no INSS, ele deve ir em qualquer agência da Caixa Econômica, e perguntar “cadê meus R$ 600?” – e ele só precisará fazer um cadastro.
- Sobre a duração do isolamento social, Guedes afirmou que se o isolamento for longo demais, a catástrofe poderá ser econômica. Por outro lado, se o isolamento for curto demais, a catástrofe será de saúde pública. O ponto é que se conseguirmos no Brasil manter os “corredores abertos” (portos e estradas escoando; mercadorias chegando aos supermercados e farmácias), conseguiremos garantir o isolamento horizontal (todos os grupos de pessoas) por mais tempo. Porém, se nesse primeiro momento, o isolamento for total, a capacidade de resistência do sistema econômico ficará menor.
Para o Ministro, uma coisa é certa: o tempo do isolamento prescrito pela área do Ministério da Saúde (de 3 meses) é maior do que o tempo que a economia do país suporta (2 meses). Nesse sentido, pesquisa da XP realizada com 400 empresas privadas, nas últimas semanas, mostrou que 60% delas não conseguem ficar paradas entre 30 a 60 dias. Daí porque ele tende a acreditar que o ‘fim do lockdown` (ou a flexibilização do isolamento) já deveria começar daqui a 2 meses, e para isso contando com o apoio dos testes de detecção da doença. Por outro lado, se o quadro da doença se agravar no país, o momento para encerrar o lockdown deve demorar mais. Tudo vai depender dos ritmos de evolução da doença e da economia.
Paulo Guedes vai na linha do que preconiza Paul Romer, vencedor do Premio Nobel de Economia em 2018. Romer defende a testagem (da Covid-19) em massa da população a cada uma ou duas semanas, como saída para os países irem gradualmente retomando as suas atividades e, com isto, evitarem o colapso econômico. Segundo ele, é a única maneira para enfrentarmos o dilema terrível entre ´matar pessoas ou matar a economia`.
- Ao final da entrevista, Paulo Guedes conclamou a todos para que atravessemos juntos a crise, sem desavenças desnecessárias, porque a luta vai ser feroz. Já Guilherme Benchimol, CEO da XP, fez um chamamento para o papel importante da filantropia nesse momento. No Brasil, temos uma cultura de doações ainda muito tímida, de apenas 0,2% do PIB contra mais de 1% nos Estados Unidos. Nesse momento difícil por que o país atravessa, há necessidade e urgência tanto da filantropia corporativa quanto da filantropia individual, como por exemplo: a doação de recursos (aquisição de respiradores, realização de testes) e a “adoção”(apadrinhamento) de pessoas que vão precisar de apoio nessa travessia. Quem tem mais dinheiro deveria ajudar mais…