Suponha uma instituição sem fins lucrativos voltada para o atendimento humanizado de crianças e adolescentes carentes com câncer, que estejam em tratamento. De repente, se descobre que a empresa-líder, responsável pela fundação e a condução dos trabalhos desenvolvidos na instituição, estava fazendo sistematicamente uso de recursos de origem ilícita e não declarados. Então se fica frente ao sério dilema ético: as demais empresas parceiras da organização beneficente devem (ou não) continuar com o seu patrocínio?
Em nome da ética e da reputação, elas poderiam ser levadas a descontinuar o financiamento. Pois não querem ver a sua imagem associada a corrupção e lavagem de dinheiro. Antes elas próprias não sabiam disso; mas agora elas sabem, e toda a sociedade também.
Porém, em nome (também) da ética e do bem social que estão proporcionando, as empresas deveriam continuar com o financiamento. Pois se interromperem esse atendimento de qualidade que vêm prestando justamente àqueles pacientes em situação de pobreza, o sofrimento e as condições de vida deles e de suas famílias terão uma piora significativa, de doer o coração….. E o que é pior, o abandono daquela casa de apoio irá representar uma destruição absurda do valor social já criado.
Fiz a pergunta acima para algumas pessoas. Todas foram unânimes na resposta e em sua justificativa. As empresas financiadoras devem, sim, manter os seus patrocínios – a justificativa está no trabalho relevante e meritório realizado pela casa de apoio, que não deve ser descontinuado. Uma vez vindo à tona os malfeitos da empresa responsável, os culpados devem ser identificados e aplicadas as devidas penas a eles. Caso contrário, corre-se o risco de jogar a água do banho fora com o bebê dentro.
Esse exemplo serve como um paralelo a propósito do caso Inhotim, apresentado no jornal O Globo de ontem (28.01.2018). Bernardo Paz foi o idealizador, fundador (em 2006) e o mecenas até recentemente de um dos maiores museus de arte do mundo a céu aberto (Inhotim) em Minas Gerais. Porém, no final do ano passado, ele foi condenado por lavagem de dinheiro, porque os recursos usados por ele no museu estariam servindo sobretudo para ocultar e dissimular a movimentação de bens e valores das suas empresas de mineração.
A consequência é que as grandes empresas parceiras do empreendimento cultural Inhotim já estão analisando e fortemente considerando a possibilidade de NÃO mais renovarem os seus patrocínios para 2018.
Tanto que na reportagem do Globo, esse questionamento foi feito aos nove maiores patrocinadores, que são as empresas: Vale, Vivo, Furnas, Transmissora Aliança de Energia Elétrica, Banco Itau, Cia Bras. de Metalurgia e Mineração, Pirelli, Cemig e Copasa. Apenas duas delas confirmaram a continuidade do patrocínio, sendo uma delas a Vale, que já avisou que vai reduzir o seu aporte de R$ 4 milhões (2017) para R$ 2 milhões (2018).
Como se sabe, ética é um conjunto de valores e princípios que norteiam a conduta humana da sociedade. Há que se levar em conta que o ambiente corporativo atual no Brasil, após a operação Lava-Jato, está fortemente propício a ofuscar os princípios éticos por certos requisitos de compliance, possivelmente de grande visibilidade porém ainda mal elaborados.
Assim, como no exemplo acima da casa de apoio aos adolescentes com câncer, será que é ético deixar morrer à mingua de financiamentos, um patrimônio cultural da arte brasileira? Ao invés de se penalizar os verdadeiros culpados, se estará penalizando injustamente toda a sociedade. Fica, então, o alerta para que as diretorias de sustentabilidade ou RSC das empresas brasileiras passem a analisar com cautela não apenas o caso Inhotim, mas também os outros casos semelhantes relacionados aos seus investimentos sociais.