Empresa consciente e Empresa socialmente responsável: houve avanço?

Por on 09/10/2017

Outro dia o meu filho me aconselhou entusiasmado que eu escutasse a entrevista do Rony Meisler na rádio CBN descrevendo o sucesso da sua empresa, as lojas Reserva de moda masculina, que, em pouco mais de dez anos desde a sua fundação, já tem filiais espalhadas pelos vários estados brasileiros e perto de 1.600 colaboradores. E o melhor de tudo: cresceu e se tornou lucrativa exclusivamente fazendo uso, e sendo porta-voz, dos princípios do capitalismo consciente, que são quatro, a saber:

  • Propósito superior – a razão de ser da empresa é a contribuição que ela tem a dar à sociedade. Uma empresa não existe para dar lucro, assim como uma pessoa não existe para produzir suas células sanguíneas. Tanto o lucro como o sangue representam um meio para uma finalidade superior.
  • Cuidado com todos os seus stakeholders – deve haver engajamento efetivo e comprometido com todos os públicos com os quais a empresa se relaciona (colaboradores, clientes, fornecedores, financiadores, comunidades, meio ambiente), e não apenas os seus proprietários e acionistas.
  • Cultura da confiança – os valores, princípios e práticas da empresa permeiam uma relação de confiança entre todas as pessoas que interagem com a empresa.
  • Liderança energizadora – Que tem o foco no “nós” (stakeholders) e não no “eu” (proprietários), que inspira e estimula para o papel maior que a empresa deve ter na sociedade.

Esse conceito do capitalismo consciente começou nos EUA em 2007, com John Mackey quando ele publicou um artigo intitulado “Conscious Capitalism: Creating a New Paradigm for Business” a partir da sua experiência à frente de sua empresa Whole Foods. Mais tarde, em 2012, ganhou nova  força com a publicação do seu livro Conscious Capitalism: Liberating the Heroic Spirit of Business, dessa vez em parceria com o professor Raj Sisodia.

De fato, escutar o Rony me passou um sentimento reconfortante de que é possível ser empresário no Brasil, crescer e ter lucro nos negócios, sem abrir mão dos nossos sonhos e princípios de honestidade, generosidade e o desejo de contribuir para melhorar as injustiças sociais do nosso entorno.

Por outro lado, me fiz a seguinte pergunta: será que o movimento do capitalismo consciente é diferente ou, em outras palavras, tem mais força do que o movimento da Responsabilidade Social Corporativa – RSC dos anos 1990?

Após refletir, conclui que o capitalismo consciente seria como que a quinta etapa na sequencia evolutiva do papel da empresa na sociedade. Resumo a seguir essas quatro etapas anteriores, aqui levando em conta o contexto dos EUA, evidentemente com reflexos para a realidade brasileira:

  • Durante o longo período da industrialização (do século XVIII até por volta 1970-80), o foco da empresa era produzir, gerar ganhos de produtividade e lucros crescentes para os seus shareholders (acionistas), mesmo que ás custas da exploração dos trabalhadores e da natureza. Nessa época (1962), Milton Friedman teorizou (livro: Capitalism and Freedom) que o papel social da empresa era pagar corretamente os impostos devidos.
  • A semente do movimento da Responsabilidade Social Corporativa (RSC) surgiria  com o livro de Edward Freeman (1984) em que ele apresentou o modelo de gestão das empresas com base na teoria dos stakeholders (livro: Strategic Management:  A Stakeholder Approach). O compromisso das empresas deveria ser com todos os seus stakeholders, e não apenas com os shareholders. Elas não deveriam continuar com aquela estratégia  “selvagem” de se relacionarem com a sociedade, tirando dela os seus lucros para beneficiar apenas os seus acionistas, e prejudicando todos os demais interesses envolvidos .
  • Já no Fórum Econômico de Davos, em 2005, foi a vez do movimento da RSC ser duramente criticado, como mostrei em artigo que escrevi. Era  percebido sobretudo como uma estratégia de gestão que já nasceu supérflua; não tinha  efetividade alguma, além de ter um potencial perigoso de efeitos negativos tanto para os lucros quanto para o bem-estar social; e, o que era ainda pior, não havia como prestar contas (accountability) dos seus resultados. Também em 2008, como comentei em outro texto, a RSC seguiu sendo criticada em razão de haver uma distância substancial entre  a retórica e a prática das empresas,  essa última restrita a meras medidas cosméticas e superficiais apenas para garantir a imagem de empresas “boazinhas”.
  • Em 2011, Michael Porter e Mark Kramer falaram em “consertar” o capitalismo e evoluiram para a ideia do “valor compartilhado”. Como analisei em outro artigo, esses autores defenderam que as necessidades sociais e ambientais deveriam ser consideradas lado a lado com os interesses econômicos das empresas, e não mais deveriam ficar a reboque, como vinha ocorrendo no âmbito do movimento da RSC.

Feito esse breve retrospecto, a conclusão é que no capitalismo consciente, as questões sociais e ambientais assumem papel central na razão de ser da empresa. Ou seja, representam o propósito maior da empresa, sendo a motivação econômica (lucratividade) o meio para a viabilização desse propósito superior. Ou  seja, significou um passo além na noção do valor compartilhado, em que as três dimensões da responsabilidade corporativa – social, ambiental e econômica – são percebidas como tendo igual relevância na gestão organizacional.

Por sua vez, pode-se afirmar também que a tese do valor compartilhado pretendeu corrigir as distorções da prática da RSC, em que as dimensões sociais e ambientais eram relegadas a plano secundário, embora tivessem destaque na retórica organizacional. Por último, há que se reconhecer que o movimento da RSC foi um avanço para a gestão empresarial da época, cujo modelo de compromisso único com a rentabilidade já dava sinais claros de insustentabilidade.

Enfim, não há dúvidas de que, na teoria, a empresa baseada nos princípios do capitalismo consciente é uma evolução virtuosa da empresa socialmente responsável. Resta saber se a prática vai conseguir, de fato, acompanhar a retórica e as boas intenções desses empreendedores comprometidos com a transformação social.

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.