Entendendo os indicadores sociais recentes no Brasil…..

Por on 12/12/2022

 O IBGE lançou a Síntese dos Indicadores Sociais no Brasil para o período 2012-2021 no último 2 dezembro, tendo por base sobretudo os levantamentos da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua.  Podemos ser tentados a querer comparar os dados desse período com os de anos anteriores….  assim, de imediato, cabe alertar que essa pesquisa da PNAD Contínua, iniciada em 2012,  corresponde a uma “nova” versão metodológica da antiga PNAD conduzida pelo IBGE desde 1967. Daí porque os indicadores com base na  PNAD pré e pós 2012  não são comparáveis.

Os dez anos contemplados nessa última Síntese dos Indicadores Sociais abrangem grande parte dos governos Dilma (2011/jan – 2016/ago), Temer (2016/ago – 2018/dez) e Bolsonaro (2019/jan – 2022/dez). No geral, foi um período de fraco desempenho econômico, que incluiu dois sub-períodos  de “crise econômica” – os anos 2015 e 2016, quando  o PIB per capita chegou a cair 4,4% e 4,1% respectivamente; e depois 2020, que foi o auge da pandemia da Covid-19, quando o PIB per capita do país ainda caiu mais 4,6%.  

Comento a seguir os resultados para alguns dos indicadores sociais que foram apresentados nessa Síntese, de modo a contextualizar a atual realidade social brasileira. E, para orientar o leitor, coloquei entre colchetes as referências das páginas da publicação ou das tabelas em excel com esses indicadores.

1 – Evolução da população ocupada

 Em 2021, o número de pessoas ocupadas no Brasil estava em 89,5 milhões, praticamente o mesmo nível de 2012 [pág.16]. Porém, vale destacar duas diferenças importantes havidas na estrutura da ocupação entre esse dois anos.

Primeiro, em 2021 a População em Idade Ativa (PIA – com 14 anos ou mais) era bem maior (172 milhões) do que em 2012 (154 milhões), sinalizando uma taxa de ocupação bem menor em 2021 (52%) do que em 2012 (58%) [pág.15 e tabela 1.1].  Ou seja, em 2021 havia mais pessoas em idade de trabalhar que estavam desocupadas (querendo trabalhar e não conseguindo) ou fora da força de trabalho (não PEA: População Não Economicamente Ativa).

Segundo, em 2021 ( vis-à-vis a 2012), houve queda tanto na participação dos empregados com vínculo (empregados com carteira +militares + funcionários públicos estatutários) para 48% (era de 51%) como também na participação dos empregados sem carteira assinada para 18,7% (ante 19,8%). Já  o percentual dos trabalhadores por conta própria saltou de 22,4% para 26,8% nesse período [pág. 15 e 16]. Esse aumento do trabalho por conta própria mostra que as pessoas estão tendo que encontrar maneiras próprias para garantirem a sua renda, buscando empreender, de modo a compensarem a perda dos seus vínculos de emprego.

2 – Informalidade da ocupação

É quando a pessoa está ocupada sem usufruir dos benefícios /garantias dessa ocupação. Como uma proxy para esse conceito, são consideradas ocupações informais as categorias de empregados e trabalhadores domésticos sem carteira assinada, trabalhadores por conta própria e empregadores que não contribuem para a previdência social e nem têm cnpj, e também os trabalhadores familiares auxiliares (sem rendimento).  Em 2021, a taxa de informalidade das pessoas ocupadas no país chegou a 40,1% , sendo bem menor entre as pessoas brancas (32,7%) do que entre as pessoas pardas e negras (46,3%) [pág.27-28]

3 – Subocupação por insuficiência de horas trabalhadas

Diz-se da pessoa que está ocupada, trabalhando menos do que 40 horas semanais e que quer e está disponível para trabalhar mais horas. Assim, em 2021 tínhamos no Brasil um total de 7,6 milhões de pessoas subocupadas, o equivalente a 8,4% do total da população ocupada – sendo que em 2016, no auge da crise econômica, essa taxa havia sido bem menor, de 5,5%. [pág. 33-34]

4 – Desemprego

Entende-se como taxa de desocupação (ou taxa de desemprego) o percentual entre as pessoas desocupadas (e que tomaram providência para encontrar trabalho) e o total da força de trabalho (ou População Economicamente Ativa que corresponde à  População Ocupada + População Desocupada). Em 2012 a taxa de desocupação estava em 7,4%, subindo para 12,6% em 2017 como reflexo da crise econômica, e voltando a subir ainda mais para 14% em 2021 como consequência da pandemia. [pág. 32]

Vale observar que o desemprego é significativamente maior entre os jovens. Em 2021, a taxa de desocupação bateu em 23,9% entre as pessoas de 15 a 29 anos de idade, tendo sido de 10,7% para pessoas de 30-49 anos, de 8,7% para pessoas 50-59 anos e de apenas 5,5% para pessoas com 60 anos ou mais.

Focando ainda no grupo dos jovens de 15 a 29 anos de idade, veja que 26,6% deles só estudam; 10,8% estudam e trabalham; 36,7% só trabalham; e 25,8% nem estudam nem trabalham. Esse últimos são conhecidos como os “nem-nem” e carecem urgentemente de priorização das políticas públicas. [pág.37]

A taxa de desocupação tende a ser menor  entre as pessoas com ensino superior completo. Exemplificando: em 2021, a taxa média de desocupação foi de 19,2% entre aqueles que tinham ensino fundamental completo; caindo para 15,8% entre os que tinham o ensino médio completo e para 7,1% entre os com superior completo. [tabela 1.1]   Daí porque fazer curso superior é visto como trampolim para garantir uma posição no mercado de trabalho.  Porém, a meu ver, frente às demandas da Nova Economia, mais digital e sustentável, precisamos repensar a valorização do ensino médio.   

5 – Discriminação

De modo geral, as pessoas brancas ganham melhor do que as de raça negra ou parda. Assim, em 2021 o rendimento-hora médio do trabalho principal das pessoas ocupadas brancas foi de R$ 19,00/hora contra R$11,20/hora para as pessoas pretas ou pardas, ou seja, uma diferença exorbitante de 70%. Existe diferença de rendimentos mesmo quando a comparação é feita dentro do mesmo grau de instrução: as pessoas brancas têm rendimento médio de R$ 9,2/ hora contra R$ 7,3 /hora (pretas e brancas) em se tratando das pessoas sem instrução ou com ensino fundamental incompleto; sendo que essa diferença fica bem maior quando se considera o grau superior completo, de R$ 34,4 /hora (brancas) contra R$ 24,5 (pretas e pardas)  [pág.25].

O que explica a diferença grande acima (de 70%) entre a média do total dos rendimentos das pessoas brancas e das pessoas pretas ou pardas é que a média desse último grupo é “puxada” para baixo, em função da predominância de pessoas pretas ou pardas com baixa escolaridade (12,2 milhões contra apenas 6,4 milhões de pessoas brancas na categoria sem instrução ou fundamental incompleto); enquanto a média das pessoas brancas é “puxada” para cima em razão de haver bem mais pessoas brancas com grau superior completo (12,9 milhões contra 7,3 milhões de pessoas pretas ou pardas). 

Também quando se considera o rendimento médio de todos os trabalhos das pessoas ocupadas, essa discrepância por raça (ou cor) é visível. Assim, em 2021 o rendimento médio mensal das pessoas brancas foi de R$ 3.202,00 contra R$ 1.847,00 das pretas ou pardas, isto é, reforçando a diferença no patamar dos 73%. [pág.24]

Também há discrepância por gênero. Em 2021, os homens tiveram rendimento médio de todos os trabalhos de R$ 2.698,00 por mês contra R$ 2.158,00 auferido pelas mulheres, ou seja, uma diferença na casa de 25% [pág. 24]. Uma possível explicação para essa menor discrepância no rendimento por gênero em relação à de raça) é que em 2021 o nível de ocupação entre as mulheres de menor grau de instrução (até fundamental incompleto) foi bem menor do que entre os homens – 21,1% contra 48,6% -, de certo modo contribuindo para “puxar para cima” a média do rendimento das mulheres como um todo. Isso porque, em situações de crise econômica, as mulheres com baixa qualificação tendem a optar pelos afazeres domésticos ao invés do trabalho fora de casa.   

6 – Rendimento dos domicílios

A preços constantes de 2021 deflacionados pelo IPCA/IBGE, o rendimento domiciliar per capita médio do país caiu de R$ 1.417 (2012) para R$ 1.353 (2021), sendo esse último o valor mais baixo observado no período. Os valores médios mais altos foram alcançados nos anos 2014 (R$ 1.505) e 2019 (R$1.520), justamente os anos que antecederam a crise econômica e a crise sanitária. Pode-se dizer que o rendimento médio dos domicílios nesses dez anos flutuou pouco acima do salário-mínimo, de R$ 1.100 em 2021. [pág. 51-52]

Nos domicílios com menores rendimentos, os benefícios advindos dos programas sociais têm tido papel relevante, sobretudo no ano da pandemia. Assim em 2021, nos domicílios com rendimento médio de até ¼ do salário-mínimo, os benefícios de programas sociais corresponderam a 34,7% do rendimento total do domicílio, tendo chegado a 47,1% em 2020. Nesses domicílios mais pobres o rendimento do trabalho representou 53,8% do rendimento total do domicílio em 2021, e (apenas) 43,6% em 2020.

Já no outro extremo, o dos domicílios com rendimento médio superior a 3 salários-mínimos, em 2021 o rendimento do trabalho teve participação de 78,5% e as aposentadorias/pensões corresponderam a 15,5%. E, como não poderia deixar de ser, a participação dos programas sociais nesses domicílios mais ricos foi zero. [pág.47]

7 – Distribuição das pessoas segundo o rendimento domiciliar per capita

Considerando a população brasileira em 2021, 14,6% delas estavam em domicílios com rendimento per capita de até ¼ salário-mínimo, 19,8% em domicílios de ¼ a ½ s.m., ou seja, um sub-total de 34,4% de pessoas em domicílios com renda per capita de apenas até ½ s.m.  No Nordeste, esse subtotal chegou a 54,3%.

No outro extremo, ou seja, em domicílios com renda per capita acima de 3 s.m., viviam apenas 7,5% da população brasileira, sendo que na região Nordeste esse percentual foi de apenas 2,9%, batendo em 9,8% no Sudeste. [pág.54]

O coeficiente de Gini é usado para medir a distribuição dos rendimentos: quanto mais próximo de zero, melhor é a distribuição (tende a ser mais igualitária) ; quanto mais próximo de 1, pior (ou mais desigual) é a distribuição. Considerando o rendimento domiciliar per capital no Brasil no período analisado, veja que o coeficiente de Gini caiu de 0,540 (2012) para 0,524 (2015); subindo para 0,544 (2019), regredindo para 0,524 em 2020, e voltando a subir para 0,544 em 2021. O que explica em boa medida a redução do índice de Gini em 2020 foi a concessão dos benefícios emergenciais durante o auge da pandemia, fazendo crescer os rendimentos dos domicílios com menores rendimentos. Com a redução dos programas sociais em 2021, o índice de Gini voltou a subir nesse último ano. [pág.55]

8 – Pobreza

É cada vez maior o consenso de que o enfrentamento da pobreza deve ter uma abordagem multidimensional abrangente, considerando não apenas o fator da insuficiência de renda das famílias (para proverem o seu bem-estar, ) mas também outros fatores como o acesso à educação, saúde, saneamento, moradia, tecnologia, lazer, etc…. Dito isso, cabe esclarecer que  essa Síntese dos Indicadores Sociais focaliza a pobreza sob o ângulo exclusivo da insuficiência de renda, definindo como pobres as pessoas que estão abaixo de um determinado limite de renda (aqui considerado o rendimento domiciliar per capita). Na prática, a insuficiência de renda continua sendo a abordagem da pobreza mais usual em âmbito mundial. [pág. 59]

O Brasil não tem uma linha oficial de pobreza. Assim, dependendo do critério adotado para a linha de pobreza, a  proporção de pobres no país e nas diferentes localidades pode variar bastante.

 Em 2021, no caso da extrema pobreza, quando se adota a linha do Banco Mundial de US$ 1,90 PPC / dia (PPC é a Paridade do Poder de Compra em diferentes países/moedas para adquirir a mesma cesta de bens e serviços nos EUA) para países de baixa renda, chegou-se a um valor nominal mensal per capita de R$ 168 como linha de pobreza e de 8,4% o percentual médio de pobres no país. Quando se considera ¼ do salário-mínimo vigente no país como linha de extrema pobreza (valor de R$ 275 mensais por pessoa no domicílio em 2021, que é o critério adotado para a concessão do BPC – Benefício de Prestação Continuada) , o percentual de pobres em extrema pobreza passa a ser de 13,4% das pessoas, correspondendo a 28,5 milhões de brasileiros [pág.61]

Já no caso da pobreza, quando se adota a linha do Banco Mundial de US$ 5,50 em PPP /dia adotada para países de renda média-alta, chega-se a um valor atualizado para a linha de pobreza em 2021 de R$ 486 mensais per capita e a 29,4% como sendo o percentual de pobres no país.  Quando o parâmetro passa a ser ½ salário-mínimo (ou R$ 550 mensais por pessoa), que vem sendo usado como referência para o Cadastro Único do Governo Federal – CadÚnico (que é o Cadastro do Governo Federal para computar as famílias de baixa renda), o percentual de pobres no país sobe para 32%, o equivalente a 68 milhões de pessoas vivendo em pobreza de um total de 214 milhões de brasileiros.  [pág. 61]

A pobreza é bastante concentrada nos estados do Nordeste e do Norte. Exemplificando, quando se considera a linha de pobreza do Banco Mundial de US$ 5,50 PPC/dia, em 2021 o percentual de pobres no Nordeste foi de 48,7%, ou seja, quase metade da população de lá, contra 44,9% na região Norte,  20,6% no Sudeste e Centro-Oeste, e 14,2% no Sul.

9 – Insegurança alimentar

Segundo definição da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a insegurança alimentar ocorre quando as pessoas não têm acesso regular e permanente a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para sua sobrevivência. Isso quer dizer que a pessoa em estado de insegurança alimentar passa por incertezas de quando, como e quanto irá comer em sua próxima refeição, colocando em risco sua nutrição, saúde e bem-estar. 

Para medir a Insegurança Alimentar é aplicado, a uma amostra probabilística de domicílios, um questionário com 8 perguntas que compõem a EBIA – Escala Brasileira de Insegurança Alimentar. Dependendo do número de respostas afirmativas, o domicílio é classificado como tendo Segurança Alimentar (SA), ou Insegurança Alimentar (IS) que pode ser leve, moderada ou grave.  [pág. 132-133]

Em 2021, havia no Brasil 15,5% e 15,2% dos domicílios vivendo respectivamente em insegurança alimentar grave e moderada, totalizando 30,7% dos domicílios em situação de insegurança alimentar crítica. Por sua vez, a insegurança alimentar leve atingia 28% dos domicílios, enquanto apenas 41,3% gozavam de segurança alimentar.

CONCLUINDO, é Importante que as organizações do terceiro setor tenham clareza desses resultados para poderem desenhar com objetividade e foco os seus projetos sociais.  

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.