ESG e projetos sociais: qual a orientação?

Por on 31/03/2022

É inegável que os critérios ESG  (do inglês Environmental, Social and Governance) vêm assumindo cada vez mais relevância na agenda corporativa. Basta ver o destaque que esse tema passou a merecer nos últimos cinco anos junto aos grandes investidores e presidentes de corporações no Fórum Econômico Mundial de Davos (Suiça), embora esses encontros já venham acontecendo desde 1971.  

Em grande medida o que explica essa nova tendência é que o modo até então de operar das empresas, com o foco quase que exclusivo na lucratividade, estava se tornando um forte risco à própria sustentabilidade financeira delas. O movimento da Responsabilidade Social Corporativa (RSC), iniciado na década 1990, mostrara-se cosmético e insuficiente. Daí porque o movimento ESG surge em decorrência da necessidade de haver de fato mudanças profundas no modo de lidar com todos os stakeholders, a governança das companhias, os impactos ambientais e a sociedade em geral,  como forma de garantir o desempenho econômico das próprias empresas e a sustentabilidade do Planeta.

Nessa nova dinâmica corporativa, qual  a relação da agenda ESG nas empresas com os projetos sociais, sejam eles executados diretamente pelas empresas ou por seus braços sociais (Institutos ou Fundações), ou sejam eles executados por organizações do Terceiro Setor (as OSCs, ou ONGs, ou organizações comunitárias), ou sejam projetos em parceria com o setor público?

ESG e o ISE no Brasil

Para essa pergunta, e com o olhar no Brasil, fui buscar a resposta na estrutura do ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) que foi recém reformulada (julho de 2021).

O ISE foi um índice criado no Brasil em 2005 pelo mercado financeiro – a Bolsa de Valores (BOVESPA), hoje conhecida como B3 (Brasil, Bolsa e Balcão).  Desde então, o objetivo do ISE  é  o de ser referência do desempenho médio das cotações dos ativos em bolsa de empresas brasileiras selecionadas, pelo seu reconhecido comprometimento com a sustentabilidade empresarial. Naquela época foi uma iniciativa pioneira nesse campo (1ª na América Latina e 4ª no mundo), tendo sido financiada pelo International Finance Corporation (IFC), braço financeiro do Banco Mundial.

Com o ISE, a intenção da B3 é poder (i) apoiar os investidores em suas tomadas de decisão de investimento,  e (ii) induzir as empresas a adotarem as melhores práticas de sustentabilidade, uma vez que as práticas ESG  contribuem para a perenidade dos negócios  (site do ISE B3).

A reformulação recente da metodologia do ISE (utilizada para a avaliação e seleção das empresas)  buscou tornar o índice mais aderente às necessidades atuais do mercado. O questionário (que deve ser respondido pelas empresas-candidatas) passou por ajustes, se tornando setorizado (pois passou a incluir perguntas específicas de acordo com o setor da empresa), e com uma linguagem mais simples e de fácil compreensão.

Para essa reformulação metodológica, aspectos essenciais do Índice foram mantidos de modo a garantir a sua consistência e continuidade. A meu ver, e por essa mesma razão, o nome do índice  foi mantido (Índice de Sustentabilidade), não havendo mudança (para Índice ESG), embora atualmente o termo dominante, mesmo no Brasil,  seja o da sigla em ingles (ESG).

A nova estrutura do ISE contempla 5 dimensões (ao invés das 7 anteriores), sendo que cada uma delas se sudivide em temas (total de 28 temas). Os temas podem ser gerais (a serem respondidos por empresas de todos os setores) ou específicos (que dizem respeito apenas a setores específicos) Por sua vez, cada tema se desdobra em tópicos e, cada um destes, em perguntas (os indicadores). As 5 dimensões são:

  1. Capital humano – Relacionado aos colaboradores internos, tanto próprios como terceirizados
  2. Governança Corporativa e Alta Gestão –  inclui temas como gestão de riscos, ética, questões relacionados à competição, legislação e regulação
  3. Modelo de negócio e Inovação  – inclui temas como design de produto e gestão do ciclo de vida, gestão da cadeia de fornecedores, eficiência no suprimento e uso de materiais, finanças sustentáveis
  4. Capital social – inclui temas como direitos humanos e relações com as comunidades onde a empresa opera; investimento social privado e cidadania corporativa; qualidade e segurança do produto, práticas de venda e rotulagem; bem-estar e privacidade do cliente; segurança de dados.
  5. Meio ambiente – inclui temas como políticas e práticas de gestão ambiental, impactos ecológicos, gerenciamento de energia, de água e efluentes líquidos, de resíduos e materiais perigosos, e de qualidade do ar.

Essa nova estrutura do ISE está baseada no modelo do Sustainability Accounting Standards Board (SASB), que é um padrão internacional  amplamente adotado para identificar os aspectos de sustentabilidade relevantes (ou materiais) para o desempenho financeiro das empresas e para os seus investidores. E, no que tange ao conteúdo dos temas,  foram usadas também como referência as ferramentas adotadas pelo Global Reporting Initiative (GRI), pelo Sistema B, além do próprio histórico do ISE B3. (site ISE B3)

Assim, podemos concluir que, em termos da abordagem ESG, essa nova versão de 2021 do ISE da B3 incorpora atualmente o que há de mais atual e abrangente em âmbito internacional.

Os projetos sociais no ISE

Vimos que, dentro da atual estrutura do ISE da B3, a relação das empresas com os projetos sociais está contemplada na dimensão 4, que é a do Capital Social.  

E dentro da dimensão 4, o tema (que é ‘geral`) do “Investimento Social Privado e Cidadania Corporativa” está integralmente dedicado à relação das empresas com os projetos sociais. Já o tema dos “Direitos Humanos e Relações com a Comunidade” também aborda essa questão pois inclui, dentre um dos seus tópicos, o papel da empresa para o desenvolvimento local das comunidades onde ela atua.

A seguir, vamos nos ater aos principais aspectos de materialidade referentes aos projetos sociais no âmbito corporativo, que estão apontados no ISE dentro do tema do Investimento Social Privado (ISP) e Cidadania Corporativa. (ISE / Capital Social / ISP e Cidadania Corporativa)

  • Pressuposto – As empresas devem agir como agentes facilitadores de causas, ações e iniciativas que tenham como finalidade gerar valor compartilhado para a sociedade, preferencialmente em sinergia com o seu negócio.
  • Diretrizes – Identificar se a companhia possui diretrizes para o ISP, e qual é o seu grau de formalização. Por exemplo: se contribui na construção participativa de políticas públicas e/ou agendas coletivas de desenvolvimento sustentável; se dialoga e mantém canais abertos com a comunidade para a definição dos seus investimentos sociais; se valoriza o protagonismo e o fortalecimento dos atores locais.
  • Estratégia – Identificar as estratégias da empresa para se assegurar quanto à aplicação eficaz dos seus recursos destinados ao ISP. Por exemplo: se realiza consultas com stekeholders relevantes para a definição das prioridades do investimento social; se define de forma clara os indicadores e metas para a avaliação dos resultados das iniciativas apoiadas; se atua por meio de equipe própria ou por meio de um braço social (instituto ou fundação); se realiza avaliação sobre os resultados e gestão das iniciativas apoiadas; se busca a autossuficiência financeira e organizacional dos projetos apoiados; se comunica os investimentos sociais realizados em suas publicações anuais.
  • Parcerias – Identificar se na construção e/ou implementação dos seus investimentos sociais, a empresa atua em parceria com o poder público (seja na esfera municipal, estadual ou federal), com a comunidade e outros stakeholders. Pois na medida em que a empresa atua  de forma articulada com as políticas públicas, as redes sociais, e com outros atores, ela consegue potencializar a sua contribuição para o desenvolvimento da sociedade e aumentar a geração de valor do seu investimento.
  • Fonte de recursos do ISP – Identificar se as iniciativas de investimento social da empresa  são realizadas com recursos próprios ou oriundos de leis de incentivo fiscal (isto é, recursos incentivados). Nesse segundo caso, devem ser comunicadas como tal, e também devem ser acompanhadas de medidas para evitar a sua descontinuidade quando os incentivos fiscais não estiverem mais disponíveis. Vale lembrar que a definição do GIFE para ISP, que é a mais usual no Brasil, considera apenas o repasse voluntário de recursos da empresa.
  • Recursos não voluntários – Pode ocorrer também do investimento social da empresa  ser obrigatório, isto é, ser decorrência de imposição legal, atos administrativos ou decisão judicial por conta de obrigações advindas de licenciamento ambiental, termos de ajustamento de conduta ou contrapartidas socioambientais de financiamentos adquiridos (Comunitas, BISC). Nesse caso, é preciso identificar se a empresa adota, ao máximo possível, as mesmas medidas praticadas com relação ao seu ISP, de modo a conseguir alavancar os resultados de suas ações sociais obrigatórias – em termos de transparência, planejamento, participação, parcerias e avaliação.
  • Valor dos recursos destinados pela empresa ao ISP –  Corresponde aos recursos próprios e voluntários da empresa que são destinados ao investimento social Privado, como percentual da Receita Operacional Bruta da empresa.

Então, qual a relação ESG e projetos sociais? E qual a orientação a ser seguida?

Tomando essa nova versão do  ISE da B3 como referência para a atuação ESG no Brasil, vimos que os projetos sociais conduzidos ou apoiados pelas empresas vêm assumindo crescente relevância, e cada vez se distanciando daquele papel periférico e secundário que eles tinham nas empresas até os anos 1970. Hoje os projetos sociais, ou o investimento social privado (ISP), são percebidos como um dos elementos centrais do Capital Social  da empresa, em pé de igualdade com os temas de direitos humanos, relações com as comunidades (onde atua) e atendimento aos clientes.

A alguns anos atrás, quem imaginaria que um índice-referência do mercado financeiro no Brasil, que é o caso do ISE da B3, daria espaço e relevância para os projetos sociais?

Atualmente os projetos sociais funcionam como o elo de ligação entre a empresa e a sociedade em que ela está inserida. Traduzem o grau do seu compromisso com os problemas sociais que a circundam e que, em certo sentido, afetam também os seus negócios.  Assim, a empresa tanto pode gerir ela própria (ou por meio do seu Instituto / Fundação) os seus projetos sociais; ou apoiar projetos sociais de OSCs; ou então entrar em parceria nas políticas / programas sociais do setor público.

O importante a frisar é que, independente do formato de apoio das empresas aos projetos sociais, vimos que o ISE da B3 define qual deve ser a estratégia desejável  para a condução do investimento social corporativo, baseada nos seguintes pilares:

  • De preferência, haver sinergia com o negócio;
  • Planejar de forma horizontal, em diálogo constante com governos, stakeholders relevantes, atores locais;
  • Fazer parcerias para potencializar resultados;
  • Planejar com objetivos claros, indicadores e metas. Monitorar e Avaliar resultados.
  • Comunicar resultados.
  • Ter essa mesma atuação comprometida com transparência e resultados, independente da fonte dos recursos – sejam eles próprios, incentivados ou obrigatórios.

Concordo plenamente com essa orientação do ISE da B3 para os projetos sociais desenvolvidos / apoiados pelas empresas. É uma maneira de garantir a sua efetividade para todos: para o seu público-alvo, a sociedade em geral e para a própria empresa. Os projetos sociais não podem se restringir a serem um “mero verniz” que só modifica aparências, mas não geram transformações sustentáveis.  Inclusive, no meu livro Projetos Sociais Corporativos: como avaliar e tornar essa estratégia eficaz? (Atlas, 2010) propus um passo a passo para a implementação dessa estratégia, indo nessa mesma direção do ISE.  

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.