Assisti ontem a webinar que me atraiu por seu sugestivo título – “Entendendo e aprimorando a prática da Filantropia global”. Organizado pela Alliance magazine, o webinar foi um dos eventos do lançamento do Centro para a Filantropia Estratégica na Escola de Negócios da Universidade de Cambridge / Londres (Centre for Strategic Philanthropy at University of Cambridge Judge Business School), em 24 de junho último. Do webinar participaram Badr Jafar, fundador e patrocinador do Centro recém-criado; Clare Woodcraft, sua diretora executiva; além de dois diretores de outros centros de filantropia também em universidades, sendo um na África do Sul e outro em Singapura.
Logo no início do webinar foi explicado pelo próprio fundador que o objetivo do novo Centro é desenvolver a filantropia estratégica dentro e a partir dos países emergentes em acelerado crescimento, aí incluídos África, Ásia e Oriente Médio. Uma vez que o capital filantrópico privado vem crescendo muito rapidamente nesses países, torna-se fundamental potencializar o impacto desses recursos. Daí porque o Centro pretende atuar na combinação de 3 áreas principais: pesquisa rigorosa, educação executiva e boa interação entre as pessoas envolvidas.
Se o foco é a filantropia nos países emergentes, por que o Centro está localizado na Universidade de Cambridge?
Segundo explicação do fundador, foi que não ele não queria favorecer um determinado país emergente em detrimento dos demais, o que ocorreria se fosse feita a opção de localizar o Centro em um dos países emergentes. Quanto à escolha ter sido na Universidade de Cambridge, não teve uma razão maior, foi simplesmente pelo fato de ele ter sido aluno daquela Universidade, e gostar muito de lá.
Já em sua fala, a diretora Clare explicitou os conceitos de filantropia e de filantropia estratégica, adotados pelo Centro.
Filantropia é o capital privado em função do bem público.
Filantropia estratégica descreve qualquer forma de doação guiada pelo impacto, baseada em evidências e que usa o planejamento criativo, execução ágil e o acompanhamento diligente, com vistas a alcançar os resultados pretendidos. Abrange uma ampla gama de práticas, desde a concessão tradicional de doações até os modelos mais modernos voltados para a geração de impacto, como a filantropia de risco (ou venture philanthropy, que é baseada em recursos reembolsáveis via empréstimos ou outros instrumentos financeiros).
Clare enfatizou a importância do Centro de Filantropia Estratégica estar nascendo em uma Universidade, e em uma Escola de Negócios. Teve o apoio entusiasmado dos dois outros diretores da África do Sul e de Singapura. Para os palestrantes do webinar, existe uma relação simbiótica e virtuosa de dois tipos: (i) entre a Academia e a Prática; e (ii) entre a Filantropia e os Negócios.
Ela exemplificou também algumas das questões e desafios do campo da filantropia nas quais o Centro deverá atuar, de modo a contribuir para uma abordagem mais científica e efetiva, à semelhança do que já vêm fazendo outros Centros globais, como o Gates Foundation.
- Como saber se o que estamos fazendo está realmente funcionando?
- Como coletar dados e evidências substantivas?
- Como medir impacto?
- Como construir conhecimento?
- Como compartilhar conhecimento? Não precisamos ficar inventando a roda o tempo todo….
- Como entregar mais valor?
- Como escalar?
- Como engajar e estimular a colaboração?
- Como construir times efetivos?
Todavia, alguns alertas soaram….
A meu ver, parecia haver grande concordância entre os palestrantes do webinar quanto à estratégia pensada para a criação do Centro de Filantropia Estratégica em uma escola de negócios da Universidade de Cambridge. Porém, esse consenso não se verificou quando vieram as manifestações dos participantes-ouvintes do webinar, que eram de várias partes do mundo. Destaco dois exemplos.
Primeiro, foi feita a seguinte pergunta a todos os participantes-ouvintes do webinar: São as escolas de negócios os melhores lugares para se aprender sobre filantropia?
Imagino que o desenho desse Centro de Filantropia Estratégica foi feito na suposição de que a resposta seria afirmativa. Também no Brasil me parece ser essa a visão dominante. Porém, qual não foi a minha surpresa quando foram computadas as respostas: 22% (apenas) sim, contra 77% não.
Da leitura do chat (que fica na lateral do vídeo), uma das justificativas para a primazia do ´não` foi que a filantropia é um campo transversal, perpassando várias áreas de conhecimento (ou escolas) nas Universidades.
Como segundo exemplo menciono uma colocação feita, via chat na lateral, por um dos participantes-ouvintes do webinar, Gary Shearer. A meu ver, ele fez um alerta bastante válido e que deveria ser levado em consideração, não apenas por esse Centro de Filantropia Estratégica em particular, mas pelos centros de apoio à filantropia em geral. Ele escreveu….
“Clare, ouça! Talvez os desafios para alcançar os ODS e as outras necessidades não serão resolvidos por estudos e pesquisas. Meros chavões que vêm se tornando em “drivers” ou mantras. Filantropia precisa de mudança de paradigma. O que temos visto é que os métodos propostos para apoiar os indivíduos, educação, instituições e comunidades são geralmente fora de alcance e irreais, e muitas vezes insensíveis às reais necessidades de cada situação. O setor já foca na coleta de dados para alcançar intervenções estratégicas, mas o real impacto continua a ser uma ilusão. Pesquisa ou dados NÃO são o que vai mudar esse panorama. É sobre pessoas, como as suas necessidades são atendidas e como elas são ouvidas também. A questão é: Como as Universidades serão realmente capazes para desafiar essa situação e ativar as mudanças profundas que se fazem necessárias?”
Fiz, então, uma rápida pesquisa na internet para ver quem era o autor desse comentário, que tinha conseguido sintetizar em poucas palavras um alerta relevante. Constatei que Gary Shearer é o CEO da The Saville Foundation, que tem como um dos seus focos “repensar a filantropia, como sendo um novo paradigma para produzir as mudanças a partir dos próprios indivíduos ou grupos apoiados, evoluir com eles, e não a partir de fatores e forças externas, que geralmente acabam por causar dependência contínua e uma dinâmica de poder nada saudável”.
Embora não fosse objetivo do webinar fazer o alerta, ele acabou sendo feito: os centros de filantropia em universidades, por melhores que sejam as universidades, não necessariamente são vistos como a melhor solução para o aprimoramento da filantropia. O mais fundamental é considerar a transversalidade do conhecimento e a interação muito próxima que deve haver sempre com as comunidades atendidas.