Fundos passivos desestimulam ESG?

Por on 01/03/2022

O saudosos megainvestidor CHARLIE MUNGER, do alto dos seus 98 anos de idade, advertiu (início 2022) sobre a possível incoerência entre o discurso de LARRY FINK e a sua prática como CEO da maior gestora global de fundos, a BlackRock. 

Nas suas “famosas Cartas” anuais,  FINK defende a prática comprometida de cada empresa com os seus stakeholders. Mas na BLACKROCK ele tem estimulado a formação de fundos passivos (ETFs) o que, segundo Munger, representa “uma enorme transferência de poder” das próprias empresas para os gestores /investidores desses fundos passivos. Basta ver que, no final de 2021, dos US$ 10 trilhões que estavam sob a gestão da BLACKROCK, já chegava a 2/3 o percentual gerenciado por fundos passivos. 

Mas, por que investir em fundos passivos não estimularia a tendência ESG  e o movimento pró-empresas com propósito? Larry Fink tem sido um porta-voz veemente deste movimento no Fórum Econômico Mundial em Davos, já há alguns anos.

Inicialmente, é preciso entender o que são fundos de investimento passivo (ou ETFs) e fundos de investimento ativo, e depois ver qual a diferença entre eles.

Os fundos passivos (ou ETFs, ou fundos de índice, como são conhecidos no Brasil) são baseados em uma carteira teórica que acompanha um índice de referência,  seja ele da Bolsa de Valores ou de renda fixa.   A sigla ETF quer dizer Exchange Traded Fund (ou “fundo negociado em bolsa”). É um investimento de renda variável que oscila igual ao índice da Bolsa no qual ele espelha.

Por exemplo, suponha o fundo PIBB11, que é bastante difundido no Brasil.  O fundo PIBB11 é um ETF, que é gerido e administrado pelo banco Itaú, investe praticamente todo o seu patrimônio na carteira de ações do índice Brasil 50 (IbrX-50), em que estão incluídas as 50 ações mais negociadas da bolsa de valores brasileira (B3) em termos de liquidez nos 12 meses anteriores à avaliação.  Ou seja, o fundo PIBB11 espelha “passivamente” a variação /rentabilidade do índice IbrX-50.

Por sua vez, o fundo ativo é aquele que tem uma gestão ativa para os seus investimentos.  Assim, o fundo ativo possui um gestor que realiza uma análise dos melhores investimentos para compor a sua carteira e a gerencia. O objetivo do gestor é conseguir rendimentos acima do benchmark no curto e longo prazo – por “benchmark” entenda-se o índice que representa esse mercado (se for um fundo de ações é o índice Ibovespa, se for um fundo de renda fixa é a taxa Selic ou o CDI). Por exemplo, o Fundo Verde FIC FIM (Verde Fundo de Investimento em Cotas de Fundo de Investimento Multimercado) é um fundo ativo da Verde Asset Management sob a gestão de Luis Stuhlberger.

A principal diferença entre os dois tipos de fundo de investimento é que nos fundos ativos há especialistas constantemente em atividade para escolher as ações e ativos mais promissores, e identificar o momento certo para comprar ou vender, com base no estatuto e nas estratégias do gestor. Os fundamentos das empresas são estudados quando, então, são analisados os indicadores e informações de cada companhia.  Já nos fundos passivos não existe essa escolha ativa das empresas para compor o fundo, uma vez que o critério de aplicação já é pré-definido (basta aplicar nos papéis que compõem o benchmark).  

Os fundos passivos são relativamente recentes. O primeiro fundo de índice do mercado financeiro foi criado nos EUA em 1975  por John Bogle, fundador do grupo Vanguard.   Chamado de First Index Investment Trust, o fundo seguia o S&P Index 500. O Fundo existe até hoje, com o nome de Vanguard 500 Index Fund (VFINX).

Nos últimos anos, os fundos passivos têm crescido muito rapidamente em âmbito global e também no Brasil, visando democratizar o acesso ao mercado financeiro. Apresentam vantagens práticas, tais como a maior facilidade para aplicação, não exigem conhecimento aprofundado do investidor sobre mercado financeiro, menor custo (taxa de administração bem mais baixa do que os fundos ativos), além de boa rentabilidade.

O problema é que nos fundos passivos, ou fundos de índice, os investidores não levam em consideração a atuação responsável, ou não, das empresas nas quais eles estão investindo. Na quase totalidade das vezes, o que  examinam é (apenas) a rentabilidade do índice-referência. Assim, a prática do investidor pode facilmente se tornar dissociada do seu discurso em defesa dos critérios ESG. Aliás, esta foi a advertência de Charlie Munger sobre o que Larry Fink vem fazendo….

A valer essa tendência de expansão recente dos fundos passivos vis a vis aos fundos ativos, devemos, sim, prestar atenção a esse alerta feito por CHARLIE MUNGER. Acredito que possa haver o sério risco de enfraquecer o (ainda frágil) movimento das empresas com propósito…. A ver com atenção!

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.