Inclusão de pessoas com deficiência: o tamanho do desafio

Por on 15/12/2017

Basta um olhar atento para aquilatar o tamanho do desafio de incluir Pessoas com Deficiência (PCD) no mercado de trabalho em nosso país.

No Brasil, estima-se que 6,2% da população brasileira  é constituída por PCD, ou seja, em torno de 12,9 milhões de pessoas tomando por base a última contagem populacional de 2017. Em termos numéricos esse contingente de pessoas com deficiência equivaleria ao 5º estado da federação mais populoso, depois de SP, MG, RJ e BA.

Assim, já temos um primeiro aspecto do tamanho do desafio, a julgar pelo grande número de pessoas com deficiência (PCD) no Brasil. Vale notar que não estamos falando aqui em auto-declaração de deficiência (seja motora, auditiva, visual ou intelectual), que foi o critério adotado pelo IBGE até o seu último censo demográfico – quando esse percentual foi de (exorbitantes) 24%. Estamos falando de uma estimativa que levou em consideração critérios rigorosos, estabelecidos pelo Decreto 5.296 de 2004 (art.5), que consideram o grau de comprometimento da(s) deficiência(s) da pessoa, capaz(es) de limitá-la ou incapacita-la para o desempenho da atividade laboral.

A chamada lei de cotas (nº 8.213)  foi criada em 1991 para proteger o direito ao trabalho das PCD no Brasil. Essa lei exige, em seus arts. 89 à 93, que toda empresa de grande porte (com mais de 100 empregados) deve preencher de 2 a 5% de suas vagas com PCD, que estejam  habilitadas ou foram reabilitadas.

Porém, o que se percebe é que até hoje essa lei ainda não conseguiu garantir efetivamente a inclusão das pessoas com deficiência nas empresas.  Tomando por base os últimos dados do Ministério do Trabalho (RAIS), o Brasil fechou o ano de 2016 com apenas 418,5 mil de PCD empregadas com carteira assinada, ou seja, praticamente a metade das  827 mil vagas disponíveis para PCD pela Lei de Cotas.

Assim, um segundo desafio já se torna evidente: as empresas estão longe de cumprir a legislação.  E não é por falta de fiscalização dos auditores do Ministério do Trabalho, que vêm fechando o cerco com a fixação de multa elevada por cada pessoa com deficiência não contratada no momento da auditoria anual, e por meio da análise retroativa mensal da situação da empresa quanto ao cumprimento da cota. As principais razões alegadas pela empresa são (i) o alto custo para adaptar o ambiente da empresa à inclusão, em termos da acessibilidade física e da comunicação com os demais colaboradores; e (ii) a falta de qualificação das PCD às vagas disponíveis na organização.

Sob a ótica estritamente monetária, para a empresa o que está em jogo é a relação custo/benefício entre empregar uma pessoa com ou empregar outra sem uma das deficiências consideradas pela lei de cotas. Em igualdade de condições, ou seja tudo o mais constante fora o aspecto da deficiência (severa), a empresa faz as contas e conclui ser mais “lucrativo” para ela não empregar PCD.  Por isso , há casos de empresas que preferem pagar a multa a ter que contratar PCD.

Sob uma ótica mais abrangente, existem os argumentos favoráveis que enfatizam a melhora significativa do clima organizacional quando há a inclusão na equipe de PCD. Sem falar, evidentemente, no lado humano e gratificante da inclusão. Assim, ao invés de focar apenas nos custos da deficiência, pode-se enxergar também o potencial e a complementaridade enriquecedora que podem advir do trabalho da PCD na empresa.

Um terceiro desafio, e como ilustra a figura acima, a inserção de PCD nas empresas não necessariamente significa inclusão.

Nas situações de exclusão e segregação, as pessoas consideradas diferentes são, respectivamente, rejeitadas e separadas geograficamente das pessoas tidas como “normais”. Nesses casos, as PCD não são desejadas dentro do espaço das empresas, porque elas “atrapalham”. Até há pouco tempo atrás, era esse o pensamento dominante….

Em contraposição, com a lei das cotas e sobretudo a partir de 2004 com a regulamentação dos critérios para caracterizar as deficiências, a  integração (ou inserção) das PCD vem lentamente ganhando espaço no contexto corporativo. A integração pressupõe um esforço (unilateral) do grupo das PCD para conseguirem ser inseridas nas empresas. Já a inclusão vai além, e compreende o esforço de ambos os lados – tanto das PCD como também das empresas e da sociedade em geral – para, de fato, romper as barreiras e atitudes que dificultam a vida e o trabalho em comum dentro das empresas.

Como ressaltou Guilherme Braga, CEO da empresa social Egalité, em entrevista recente à rádio CBN, as PCD são “contratadas por seus currículos e logo em seguida demitidas pelas dificuldades do seu comportamento”. A rotatividade das PCD é muito elevada nessas empresas. Segundo ele, isso ocorre por vários motivos advindos da atuação insatisfatória das próprias empresas: não há adequação entre a PCD e o perfil da vaga; a cultura da organização não está preparada para realmente conviver com as PCD; os gestores não estão capacitados para interagirem com as PCD; o relacionamento das PCD acaba ficando restrito à área de RH (Recursos Humanos); e questões de acessibilidade não resolvidas.  Com isto, as PCD são inseridas porém não são verdadeiramente incluídas nas empresas – é como se continuassem “segregadas” dentro da empresa.

Um quarto desafio está associado ao fato de que não bastar incluir as  PCD nas empresas de grande porte. As oportunidades do mercado de trabalho para as PCD podem ser significativamente ampliadas, pois a inclusão poderia se dar também em empresas menores (com até 100 empregados). Basta ver que, em 2016, as 418,5 mil PCD trabalhando nas grandes empresas correspondiam a apenas 0,9% do total dos empregos com carteira gerados no país (de 46,1 milhões). Sem falar que as PCD também poderiam abrir o seu próprio negócio e trabalharem como autônomas e empregadoras.  E por que não?

Para um verdadeiro processo de inclusão das PCD, é necessário haver conscientização da sociedade como um todo. Mudar padrões e atitudes, que vão desde a etapa de escolarização das crianças, passando pela capacitação profissional, condições de mobilidade física nas cidades e prédios, disponibilização de diferentes linguagens de comunicação – como o leitor de telas (para os cegos) e a libra (para os surdos), até a aceitação plena e valorização das diferenças.

Concluindo, para superar esses muitos desafios para a inclusão efetiva das PCD, não basta apenas querer contar com o comprometimento e a Responsabilidade Social Corporativa (RSC), mas também é preciso contar com a responsabilidade social das organizações do setor público e do terceiro setor.

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3 Comentários
  1. Responder

    Marcos

    05/04/2018

    Bom, tem pessoas pcd que realmente não podem trabalhar, mas o nosso governo que rouba bilhões se aumentar salário mínimo ou bancar o povo que não pode trabalhar obvio que vai falir, pois tudo é falência menos os roubos e essa administração horrível. Por isso mandam embora do inss pessoas que recebem auxílio por ser pcd, seja ela adquirida ou mesmo aqueles que nasceram com alguma deficiência. Temos muitos pais de família que sofrem acidentes e mesmo que tenham pago 20 anos de previdência e esteja realmente incapaz são colocados pra fora do inss… uns até com câncer são colocados pra fora ou coisa pior. Fato é que muitas empresas por diversos fatores tem receio em contratar pcd, por n motivos. Dentre eles temos; Os custos mesmo para adequar o lugar para pcd. (O que faz que muitas empresas selecione os pcd). Temos limitações dessas pessoas, pois se é pcd tem limitações se não tivesse seria inútil essa cota… Mas como tem se for pra cumprir tem que criar horário ou algo diferente para haver tal adaptação. Seja o governo ou a empresa dando curso profissional pro pcd, curso ensinando uma ou até mais profissões que ele consiga desempenhar que agrade não só ele como também a empresa. Pcd tbm passa por cirurgias como foi o meu caso que fiz algumas, já passei uns 6 anos operado e mais tempo depois fisioterapia, se for olhar pessoa com deficiência a história de vida de uns ou limitações de outros não tem como “competir” com pessoas normais. Depois pcd vai buscar emprego em cidades pequenas por exemplo não tem vaga e quando acha tem 2/3 vagas e 20 pcd. Eu vejo pessoas dizendo que não encontram pcd então poderiam importar de outras cidades, pois creio eu que em cidades pequenas tem muitos, uns até andam saindo de cidades vizinhas para buscar oportunidades.
    Pessoa mesmo com deficiência quanto maior o problema pior fica, pois sofre com estudos (fica ruim para estudar dependendo da deficiência e do tratamento), sofre com discriminações de empresa (pois empresa selecionam os pcds menos graves), sofre com governo( o governo quer tirar a todo custo do inss, mas devido talvez sua deficiência ele esteja limitado para muitas funções e caso não tenha estudo pior ainda…não vai ou não pode fazer tarefas braçais e não vai se encaixar em vagas mais qualificadas). O que eu acho que deve ser feito é o governo apoiar também esse público oferecendo cursos e incentivando de outras formas até com psicólogos para pcd para quebrar barreiras de todos os jeitos, até mesmo a do próprio pcd com ele em si. Hora talvez do governo liberar auxílio curso ou faculdade pcd pois não basta só jogar em cima das empresas… Pois sim tem muitas que fazem até por amor, mas a maior parte não é bem assim. Governo poderia liberar cursos ou auxílio faculdade pcd pelo inss com limite de tempo e oferecendo curso técnico ou até mesmo superior e caso o estudando abandone o curso corte o benefício. Pois empresas querem pcds qualificados e não podem qualificar todos e creio que nem seja o dever dela, então ótima sugestão eu creio.
    Também continuar fiscalizando e incentivando de todas maneiras possíveis para contratação desse público e de todos os que vivem no Brasil… todo mundo precisa de emprego, não só os pcd. Brasil se diminuísse impostos com certeza venderia mais, pois muita das vezes é mais barato importar do que comprar no seu próprio país que tem de tudo para ser rico e com isso deixamos de gerar empregos. Já passou da hora desse país oferecer condições melhores de trabalho e qualidade de vida para todos sendo pcd ou não! Chegar o dia que um salário mínimo pago para muitos seja o suficiente para viver dignamente. Pior que o pouco que muitos ganham com salário mínimo tá melhor do que aqueles que não tem nada. Hoje o que vemos milhares de pessoas em fila de empregos, pessoal de rh diz que não tem pcd pois abre uma vaga só tem 3 candidatos e pessoas normais tem 20 pois Brasil é país de corrupto. Era para sobrar empregos e não 100 candidatos sendo que só é uma vaga… Se é um candidato e uma vaga tá de acordo! Mas o País tá numa miséria total, não tem como mais assistir tv e tendência é piorar… Situação tá absurda, mas nesse caminho que seguimos impossível. Um cara normal sem ficha criminal com ensino médio já não arruma emprego sem cursos ou graduação, imagina um cara que era criminoso e quer largar a vida… Como ele vai sobreviver? Vai buscar empregos talvez nível fundamental caso tenha e chega na hora tem preconceito contra ele, tem até graduados querendo a vaga nível fundamental. HAHAHAHAHA
    Piada esse nosso Brasil prefiro parar por aqui. Só um desabafo mesmo e espero que essa lei de cota seja um que funcione nesse Brasil e não seja apenas mais uma LEI.

    • Maria Cecilia Prates Rodrigues
      Responder

      Maria Cecilia Prates Rodrigues

      07/06/2018

      Marcos, muito válido o seu desabafo. Imagino o quanto você já deve ter sofrido por ser um PCD! Isso dá o tamanho do desafio que a sociedade (poder público, terceiro setor, empresas), ou seja, que nós todos temos para, de fato, incluir as pessoas com deficiência.
      Muita força para você!

  2. Responder

    Marcos

    05/04/2018

    A única lei que funciona nesse Brasil é a lei da selva mesmo.
    Me desculpa os erros pois escrevi meio que desabafando mesmo e empolguei. Creio eu que o governo é o mais errado.
    Eu fiquei há pouco tempo 3 anos da minha vida, em minha segunda operação de alongamento quase todo tempo em cima da cama, mas é tanta dificuldade que o governo impõe que desisti do benefício confuso a que eu pensava ter direito; e fiquei 3 anos sem salário numa cama operado.
    Agora arrumei laudo médico pcd que, pelo que estou vendo, é mais encheção de saco para ir médico e pegar laudo, pois se tu for pcd ou não tem que ter qualificação e não ganha nada com isso…Eu agora que não busco fazer curso não pra vê, mesmo com todas dificuldades quero fazer curso de vigilante ou operador de ponte rolante, e depois disso posso rasgar esse laudo e focar arrumar emprego fora dessas cotas. Pra mim essa cota só é boa se desse para entrar pm que eu queria ser, mas por ter marcas de operações e umas limitações creio que não posso e nem abrem vagas destinadas para pcd. Esse laudo pode me ser útil no futuro pois pretendo fazer alguma graduação nem que seja nível tecnólogo para tentar entrar nas vagas pcd da prf.
    De resto, pelo menos onde moro pelo o que eu vi até hoje, só perdi tempo com papo de pcd, vaga que pcd entra, quem não é pcd também consegue. Ao invés de gastar com 10 passagens correr atrás de médico pegar laudo pcd, fazer no meu caso raio-x de 100 reais paga um curso operador de ponte rolante de 200 que é bem mais fácil arrumar emprego e ganhando até mais. Depois aquele q.i (quem indique) com o curso já foi.

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.