Projetos sociais: não sabemos ouvir as comunidades

Por on 14/10/2016

Acabei de assistir a um vídeo muito interessante que alerta sobre um problema sério no engajamento com as comunidades pelas organizações financiadoras de iniciativas em locais vulneráveis. Essas organizações não sabem ouvir as comunidades que elas pretendem ajudar. Há que se reconhecer que tudo o que foi dito para o caso dos financiadores nas iniciativas de impacto coletivo se aplica como uma luva à questão do planejamento e avaliação de projetos sociais.

O vídeo mostra a sessão plenária ocorrida em junho de 2016 no Collective Impact Forum (EUA), quando foram entrevistadas três diretoras de instituições que trabalham com engajamento de comunidades: Sili Savusa (White Center Community Development Association), LaShawndra Vernon (Milwaukee Lifecourse Initiative for Healthy Families Collaborative), e Akilah Watkins-Butler (Center for the Study of Social Policy).

A questão central abordada foi que as organizações financiadoras não levam em consideração as reais necessidades das comunidades. Pode-se afirmar que o processo de engajamento é conduzido quase que na condição de mero pré-requisito a ser cumprido. Os representantes das instituições financiadoras ouvem por ouvir, meio enfadados, porque as suas decisões já estão tomadas ou independem dessa interação. Os líderes das organizações locais tendem a ser chamados a participar, mas eles, na maior parte das vezes, não podem ser considerados como uma liderança da comunidade. Também é muito comum realizar grupos focais, em que os convidados a participar não são as pessoas certas, porque não representam a realidade local e, o pior, se deixam influenciar/seduzir e passam a dizer o que a coordenação do grupo focal espera que eles digam.

O risco é acabar financiando e fazendo o que a comunidade não quer e/ou não precisa, podendo até chegar a prejudicar a quem se quer justamente ajudar. O que as entrevistadas enfatizam é que não dá para se chegar com uma solução pronta, trazida dos escritórios dos burocratas, sem uma escuta verdadeira dos atores locais para construir essa solução. A comunidade não quer ser ouvida apenas na condição de input, mas sobretudo como produtora de solução própria para os seus problemas, a partir de suas especificidades e de sua história.

Aos financiadores, cabe ouvir as vozes da comunidade. A questão básica é: quais são, de fato, as prioridades dessa população-alvo?

Porém, como as entrevistadas destacaram, é preciso saber como ouvir as vozes da comunidade. “Todas as vozes contam”. Divergências de opinião e conflitos sempre vão existir. Cabe aos financiadores e demais articuladores criar os espaços para que os moradores venham, ouçam um ao outro, dentro de um processo autêntico de relacionamento e discussão entre eles. Por outro lado, desde o início eles devem também procurar identificar as organizações locais tidas como mais confiáveis e atribuir a elas a função de atrair as pessoas que melhor representam os interesses da maioria – ao invés deles próprios assumirem essa função.

Enfim, o papel dos financiadores e articuladores é o de conectar e capacitar para o diálogo as lideranças legítimas que vão surgindo nessas comunidades. Em particular no caso do uso dos grupos focais utilizados para avaliação, Vernon afirma que o importante seria ensinar às pessoas (que estão sendo objeto de avaliação) como elas deveriam fazer a avaliação, ao invés de trazer um avaliador de fora, que nunca teve um engajamento direto e real com as pessoas do local.

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.