Como incluir FILANTROPIA em seu PLANEJAMENTO DE VIDA?

Por on 04/03/2023

Acabo de ler o livro ´Die with zero – getting all you can from your money and your life (2020), de Bill Perkins. Recomendo muito para pessoas em qualquer idade. O autor é um americano na casa dos seus 50 e poucos anos, um bem-sucedido trader em energia. No livro ele propõe  repensar o tripé [Dinheiro – Tempo – Saúde] em nossas vidas, de modo a encontrar a solução ótima para a equação [Maximização de Experiências  com Minimização dos desperdícios] na  vida de cada um. Na realidade, ele faz uma provocação à visão tradicional sobre o que é uma vida bem-sucedida, centrada em  conseguir um bom trabalho, ganhar dinheiro, criar os filhos, seguir trabalhando, construir um bom patrimônio, e ter uma aposentadoria segura e tranquila. 

Mas o que esse livro tem a ver com a Filantropia no planejamento de nossas vidas?

Acredito que tem tudo a ver, considerando a interessante lógica trazida pelo autor sobre como uma trajetória de vida bem-sucedida deveria ser.

Abaixo pontuo as ideias de Bill Perkins que mais me tocaram sobre como deveríamos planejar a nossa vida para sermos felizes e também fazermos os outros felizes.  E, dentro desse raciocínio, busco enfatizar como a concepção tradicional de filantropia poderia mudar, e  acredito seria mais efetiva do que é hoje.

As ideias centrais (Bill Perkins) para otimizar o planejamento de vida

1 –  Otimize a sua vida

A vida é finita, depois de certa idade a saúde vai declinando (em ritmos variados) e um dia nós todos morreremos.

O  tempo passa, as boas experiências vividas não voltam, só ficam as lembranças (memória).

O dinheiro é necessário para garantir acesso a boa parte dessas boas experiências, por isto precisamos trabalhar para ganhar dinheiro.

Portanto, o desafio é conseguir o máximo de boas experiências em vida dentro do nosso tempo que é finito aqui na terra.

2 – Experiências são datadas

Cada fase da vida propicia um tipo de experiência que, se não  vivenciada naquela fase,  se perde a oportunidade – pois o tempo não volta. Assim, há os bons momentos vividos de quando somos criança no aconchego da família,  ou adolescente na convivência animada com os amigos, ou  jovem adulto na vida corrida entre o trabalho e os filhos pequenos, e depois do adulto maduro com uma programação mais introspectiva e tranquila.

Em cada uma dessas fases temos que ir equilibrando tempo, saúde e dinheiro. Por exemplo, o futebol jogado entre garotos é certamente uma experiência plena de energia, corridas, quedas e alegrias. Uma experiência certamente movida a muita saúde e tempo, e pouco dinheiro. Mas para o idoso septuagenário, a boa lembrança daquele futebol de sua  infância é capaz de lhe trazer uma experiência bem mais prazerosa do que propriamente jogar o futebol àquela altura de sua vida – agora ele não tem mais saúde nem disposição para tal, embora tenha muito dinheiro e tempo livre.

Outro exemplo citado no livro é o do jovem adulto que normalmente tem muita saúde, mas tende a ter tempo escasso dividido entre o trabalho /dinheiro e os momentos em família com filhos pequenos. Não é um equilíbrio fácil, sendo que essa curta fase da vida com os filhos pequenos é uma dessas experiências datadas e prazerosas que vai ficar na memória para sempre – não só dos pais, como também dos filhos.  

3 – Invista nas Experiências

As experiências representam o que de bom e prazeroso fazemos ao longo de nossas vidas. As lembranças funcionam como “dividendos” dessas boas experiências vivenciadas. Assim, quando ficamos idosos, em grande medida é a  memória das boas experiências do passado que nos faz felizes. Com o passar do tempo, o campo das  experiências vai se reduzindo e o da memória vai se ampliando. Por isto, enquanto tivermos saúde e/ou tempo, ainda que o dinheiro seja pouco, invista em experiências.  

A vida vale por suas boas experiências. Quanto mais, melhor. Portanto, invista nelas.  

Não desperdice tempo nem saúde em prol de trabalho árduo para ganhar dinheiro além do necessário. Trabalhe o necessário para ter uma vida plena em experiências e, ao final, poder morrer com zero em dinheiro. Quanto menos trabalhar (além do necessário), menor será o seu desperdício de tempo e saúde, que são finitos e não voltam.

Nesse ponto, eu discordo do autor. Para muitas pessoas (e não apenas alguns poucos excêntricos – como ele afirma), o trabalho não representa apenas meio para ganhar dinheiro, mas pode ser, sim, fonte de boas experiências e realizações, que poderão também gerar “dividendos” no futuro.   

4 – Tenha como meta morrer com zero em dinheiro

Se você investe horas e horas de sua vida em ganhar dinheiro, e depois morre sem consumir todo esse dinheiro, então você desperdiçou tempo precioso de sua vida. No fim da vida, a pessoa vai concluir que não valeu a pena o sacrifício de tanto trabalho.

Para o autor, parece um contrassenso uma pessoa na casa dos seus 70 anos de idade seguir trabalhando com afinco e/ou preocupado em ganhar dinheiro de modo a garantir um futuro  com tranquilidade e segurança.

À medida em que vamos envelhecendo, é cada vez menor a nossa propensão em consumir e dispender dinheiro para ter acesso a boas experiências, do tipo fazer viagens, festas e o consumo de novos bens e serviços. Com a idade, vamos nos tornando mais acomodados e caseiros e, portanto, com menos probabilidade de usar o dinheiro.

A confirmar esse ponto do autor, pesquisas nos EUA identificaram 3 momentos no consumo das pessoas, considerando da idade madura em diante: anos ‘vai-vai` (55-65 anos de idade); anos ‘vai devagar` (65-75 anos); e anos ‘não vai` (acima dos 75 anos).  Supõe-se que nesse primeiro momento (vai-vai) temos muito tempo livre  e dinheiro, e saúde ainda razoável; porém, no terceiro momento, a saúde fraqueja e  “não nos deixa ir” como antes.

5 – Faça estimativas do que você tem (ativos e dinheiro) e do quanto você precisa para viver

O propósito não é que a pessoa chegue ao final da vida crivando a meta de todo o dinheiro /riqueza zerados;  e nem que  o idoso fique pobre e na dependência dos filhos.  Longe disso. O propósito do autor é  que a pessoa passe a colocar o  foco de sua vida  em viver da forma a mais plena possível, procurando maximizar as boas experiências em cada fase, e saia do ‘piloto automático`, ou seja, da inércia de querer seguir ganhando dinheiro o tempo todo e maximizando riqueza. Na vida há um tempo certo para cada coisa – e há o tempo certo para ganhar dinheiro.

Assim, não podemos nos transformar em “escravos” do medo de ficar desassistidos na velhice e depois, ao morrer, deixar tudo para trás.  Para isso, a partir da idade madura, é recomendável usar as ferramentas disponíveis (do tipo calculadoras de benefícios de previdência) para fazer estimativas de tempo restante de vida, o quanto você tem em dinheiro e de quanto você precisa ao longo de sua vida, considerando as projeções para a evolução das curvas de receitas e despesas. E como todo bom planejamento, é recomendável também ir fazendo as revisões periódicas.  

E a Filantropia, onde ela entra nesse replanejar da vida?

Olhando os pontos até aqui destacados, a impressão é a de que essa abordagem do “morrer com zero”  é bastante egoísta, pois centrada apenas na própria pessoa e em maximizar as suas experiências de vida. Até eu também estava com essa sensação até chegar ao capítulo das DOAÇÕES. Foi quando percebi que era justamente o contrário. Senão, vejamos a proposta do autor para essa questão em especial.

6 – Faça doações para os seus filhos e organizações filantrópicas quando elas podem ter o maior impacto

Ao invés de deixar herança para os filhos ao morrer, doe em vida de acordo com a sua intenção. Normalmente o momento de vida em que os pais passam a ter disponibilidade de dinheiro para doação, que é a fase da idade do adulto maduro, tende a coincidir com o momento de vida em que os filhos mais precisam do dinheiro /apoio para as suas experiências de vida, pois é quando eles estão começando os seus projetos da “vida séria” e assumindo responsabilidades.

Da mesma forma que no caso da herança, ao invés de deixar doações para as instituições filantrópicas ao morrer, faça doações em vida, buscando atender as necessidades e urgências das organizações que selecionar. Depois que a pessoa morre, a generosidade já não é mais dela, pois a pessoa já não teve que abrir mão de um recurso que era seu, e nem teve que arcar com as consequências desse seu gesto. Na vida há também o tempo certo para fazer doações.

Em relação ao gerenciamento tempo X saúde X dinheiro, em cada etapa da vida temos que ir assumindo os riscos das tomadas de decisões. Quanto mais jovem, mais “coragem” se deve ter para assumir riscos de modo a não perder as “janelas de oportunidades”, pois nessa época temos abundância de tempo pela frente e saúde, se for necessário retroceder, e ainda quase nenhum dinheiro a perder. Mas, embora a equação do tripé seja desfavorável às pessoas em idade madura ou idosas [menos saúde/disposição para fazer diferente; menos tempo pela frente para corrigir erros; e mais dinheiro a perder], elas também precisam ter coragem para assumir riscos em suas tomadas de decisão – e aqui chamo a atenção para o caso das DOAÇÕES.

Por que fazer Filantropia em vida, e não por meio de testamento?

Até hoje, o modelo mais usual de filantropia é a pessoa deixar registrado em testamento a vontade de que,  depois de sua morte, parte (ou o total) do seu patrimônio seja doado para uma (ou algumas) organizações filantrópicas que ela valoriza. Por que mudar essa prática que já está enraizada? Faria diferença quanto á efetividade?

Acredito que sim, e vou elencar algumas razões.

Primeiro quando a doação é feita em nome do falecido, na realidade a doação não foi feita por ele.  É que simplesmente a pessoa morreu, e teve que deixar para trás vários bens e dinheiro. Pois se pudesse, teria levado tudo consigo… Se a doação é feita em vida, a pessoa (que doou) tende a se envolver com a(s) organização(ões) receptora(s) e a “cobrar” efetividade.

Segundo, ao entrar na fase da maturidade, a pessoa pode ter muito a contribuir para o campo da filantropia, valendo-se dos  seus aprendizados (seja com o trabalho, seja em  ganhar dinheiro) e de suas experiências de vida. Pois é justamente,  quando adentrando o momento da aposentadoria e já com os filhos criados,  a pessoa reúne tempo e dinheiro disponíveis para doação – e (ainda!) goza de saúde e vitalidade.

Terceiro, é a própria pessoa que, valendo-se de sua percepção quanto aos problemas humanos e sociais no seu entorno, decide, não apenas as causas e organizações que quer apoiar, como também se envolve e participa do trabalho  e acompanha os resultados. Nesse caso, o benefício tende a ser para a filantropia.

Por outro lado, o poder atuar e se envolver para minorar o sofrimento e a vulnerabilidade dos outros é fonte de experiências gratificantes e prazerosas da vida que vão render “dividendos” valiosos para a memória. Tanto quanto, como afirma o autor, acabamos marcados para sempre pelos bons momentos das brincadeiras do passado. Daí, o benefício tende a ser para o próprio filantropo.

Quarto, ao entrar na fase da maturidade, valendo-se das competências, talentos e do dinheiro acumulados ao longo da vida, a pessoa pode se planejar para dispor dos seus dons e bens para a filantropia, sob duas maneiras principais, e não excludentes: (i) doação de dinheiro e bens, seguindo a lógica do ‘morrer com zero`; e (ii) trabalho voluntário nas organizações, seja em gestão, ou captação de recursos, ou elaboração dos indicadores de avaliação; ou divulgação; ou sistema de informações; ou atendimentos diretos; ou em campanhas, etc…, ou seja, no que melhor a pessoa puder contribuir e no que a organização estiver necessitando. Então, a filantropia vai ganhar não só dinheiro, mas também cérebros e braços.

Quinto, esse tipo de filantropia comprometida, quando se entra na maturidade, deveria passar a fazer parte do planejamento rotineiro da vida das pessoas. Para isto, não precisamos ser bilionários, tais como Andrew Carnegie, Bill e Melinda Gates ou Mackenzie Scott .  Cada um se organizaria de acordo com as suas possibilidades e percepção de riscos quanto a segurança na velhice.

Mudar atitudes não é fácil

Sair do piloto automático, isto é, mudar a nossa cultura de vida não é fácil. A lógica do “morrer com zero” pressupõe mudanças radicais em nosso modo de encarar a vida, sobretudo em se tratando das fases da maturidade e da velhice. Evidentemente não estou me referindo aqui a pessoas ainda na luta pela sobrevivência e com dificuldades financeiras.

Essa nova cultura significa aceitar e colocar em prática que, a essa altura da vida, não temos  mais que continuar em missão para ganhar dinheiro. Ao contrário, temos que saber aproveitar as boas experiências  da vida.  Mas também saber compartilhar o nosso dinheiro, tempo e competências para propiciar boas experiências de vida para quem, por alguma razão, sofre ou não teve as oportunidades que tivemos. Ou seja, a maturidade é o momento ideal para começarmos a colocar, de verdade, a filantropia em nossas vidas!

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EM TEMPO – Sobre um aspecto do livro “Die with Zero” em que apontei certa discordância do Bill Perkins, recomendo ouvir essa entrevista da Layana De Souza [https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity:7036261587111833600/ ] É um exemplo de que, quando se tem um propósito de transformação social firme, o trabalho pode ser, sim, fonte de experiência de vida gratificante e prazerosa. Além disso, o ‘Mudando o Placar – MOP’ conduzido pela Layana pode ser oportunidade para quem já quiser avançar em sua trajetória de filantropia…..

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2 Comentários
  1. Responder

    Izeusse Braga

    29/04/2023

    Bom dia, Maria Cecília.
    Livro e comentários muito interessantes e pertinentes. Como para toda “regra” sempre há exceções, trabalho desde 1967, quando, estudante de Economia da Cândido Mendes (RJ) fui aos 20 anos, um dos fundadores do Projeto Rondon, dos 54 aos 64 anos representei a Petrobras no Pacto Global da ONU, enquanto era professor de uma matéria meio “out of fashion” (Gestão Responsável) na Fundação Dom Cabral e hoje sigo trabalhando aos 77 anos de idade, não por necessidade financeira premente (apesar da situação crítica de nossa PETROS), mas, além de representar a ARPEL no Brasil, por desejar deixar um legado quando partir, através de um lindo projeto que possa fazer diferença na vida de milhares de crianças e jovens brasileiros, que vivem com suas Famílias em grandes dificuldades financeiras e não sabem como empreender para se livrar dessas armadilhas. Quando a gente faz o que gosta, ainda tem energia e “ganas de vivir”, os desafios intelectuais não terminam, nossas mentes inquietas não param de criar e se ainda temos a capacidade de nos indignar com as mazelas de nosso país e nossa sociedade, seguiremos “on the road” indefinidamente, até a chamada final do Criador.
    Mande lembranças ao meu ex-colega de Petrobras, Alexandre Penna, que uma vez, há muitos anos nos apresentou, se não estou equivocado, no lançamento de um de seus excelentes livros. Desejo muito sucesso a você.
    Abçs. Izeusse (+5521)981338354 (ZAP)

  2. Maria Cecilia Prates Rodrigues
    Responder

    Maria Cecilia Prates Rodrigues

    02/05/2023

    Caro Izeusse
    Muito grata por seus comentários!.
    A sua vida pode ser um bom exemplo de pessoa movida por propósito, na fase de jovem, na etapa profissional, e agora na maturidade.
    Vamos depois marcar um cafezinho, e quem sabe somar forças!
    Um abraço.

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.