Negócios de impacto ou Empresas responsáveis: qual é o estágio mais avançado?

Por on 01/08/2018

Ultimamente os negócios de impacto (social) passaram a ser extremamente valorizados no ambiente corporativo. Tende a ser voz corrente que, do ponto de vista do desenvolvimento sustentável global, a empresa com investimento de impacto está em um degrau superior do que a empresa que (apenas) adota práticas de responsabilidade social, ambiental e de governança.  Em meu post anterior, eu apresentei a hipótese de ser mera alteração de terminologia, sem necessariamente efeito concreto no comportamento mais virtuoso das empresas.

Ter um negócio de impacto diz respeito ao objetivo da empresa, ou à sua razão de existir. Não se refere ao modo como a empresa funciona.

Assim, por exemplo, suponha duas empresas fornecedoras de equipamentos, sendo que uma produz embalagens de baixo custo para a indústria de alimentos com o foco na população de baixa renda; e a outra fornece alguns dos equipamentos para a indústria do petróleo. Pergunta-se: qual das duas empresas está ligada a um negócio de impacto social?

Certamente quase todos responderiam que é a primeira empresa, porque ela contribui para viabilizar alimentação barata e de boa qualidade para famílias vivendo em situação de pobreza. Quanto à segunda empresa, ela está ligada a um setor “sujo”, que destrói a natureza, polui as cidades, causa doenças e, quando há acidentes, estes são mortais.

A meu ver uma resposta ingênua, porque não considera que é a segunda empresa “do setor sujo” que viabiliza o trabalho da primeira empresa “do setor bondoso”. Ou seja, é graças ao petróleo que, em última instância, tanto as embalagens (da empresa 1) como os alimentos são produzidos e transportados até a mesa das famílias pobres.

Na escala da empresa comprometida com o planeta e a sociedade, mais importante do que o(s) objetivo(s) da empresa, é o seu modo de operar.

Quem se posicionou recentemente com clareza e objetividade quanto à importância do modus operandi corporativo foi Larry Fink, fundador e presidente da maior gestora mundial de investimentos, a BlackRock.   Em sua Open Letter desse ano (2018) dirigida aos presidentes das grandes corporações, ele apresentou os argumentos e critérios que norteiam a BlackRock na seleção de quais empresas apoiar. Vale lembrar que a BlackRock atua na condição de agente intermediador dos investimentos aportados por seus clientes, que se tornam, então, os acionistas dessas companhias selecionadas. Resumidamente, veja a orientação dada por Fink:

  • O fundamental é que as empresas tenham uma estratégia de crescimento para o longo prazo. Essa estratégia deve ser construída pelo board de acionistas em diálogo com o board de diretores executivos dessas empresas, e ir evoluindo em função dos desafios do ambiente de negócios.
  • Nesse modelo de governança, os acionistas não devem ficar restritos às reuniões e às votações de final de ano. Ao longo do ano, deve haver uma conversação e engajamento constantes entre os dirigentes da empresa e os acionistas quanto à melhor estratégia de geração de valor no longo prazo.
  • Para prosperar no longo prazo, a empresa não pode “entregar apenas” desempenho financeiro, mas tem que mostrar também a sua contribuição para a sociedade. Por isto, a empresa deve beneficiar todos os seus públicos envolvidos com o negócio (stakeholders), incluindo os acionistas, colaboradores, clientes e as comunidades onde operam.
  • Sem esse senso de propósito, a empresa perde a licença de operar dos seus públicos-chave; sucumbe às pressões de curto-prazo para distribuir lucros, sacrificar os seus investimentos em desenvolvimento dos funcionários, inovação, etc… necessários para o crescimento no longo prazo; e acaba ficando exposta às campanhas bem articuladas dos ativistas, muito embora servindo a objetivos estreitos e de curto prazo.
  • É essa estratégia de criação de valor no longo prazo que vai orientar as tomadas de decisão no curto prazo, preparar a empresa para os potenciais desafios e articular o caminho para o seu desempenho financeiro.
  • Para sustentar esse desempenho financeiro, a empresa deve entender o impacto do seu negócio para a sociedade. Mas, por outro lado, tem que entender também como as tendências estruturantes fora do seu controle (o baixo crescimento dos salários, a crescente automatização e as mudanças climáticas) afetam o seu negócio.
  • Questões relevantes relacionadas aos seus stakeholders, que devem estar sempre presentes na pauta dessas empresas: Qual o papel que desempenhamos na comunidade? Como estamos gerenciando nosso impacto no meio ambiente? Estamos trabalhando para criar uma força de trabalho diversificada? Estamos nos adaptando à mudança tecnológica? Estamos oferecendo a reciclagem e as oportunidades que nossos funcionários e nossos negócios precisarão para se adaptar a um mundo cada vez mais automatizado? Estamos usando as ferramentas devidas, como as finanças comportamentais, para preparar os nossos trabalhadores para a aposentadoria, para que eles invistam de uma maneira que os ajude a alcançar os seus objetivos?

Concluindo, veja que nessa última Open Letter de Larry Fink, para a qualificação de empresa comprometida com a sociedade e o planeta, o que é mais relevante é o modo de atuar da empresa, independente do seu segmento produtivo, se beneficia (ou não) diretamente populações em situação de vulnerabilidade. Nesse modus operandi corporativo, dois aspectos centrais foram destacados por ele: (i) que a empresa tenha uma estratégia de crescimento de longo prazo, sob a qual as demandas de curto prazo vão se ajustando; e (ii) que a empresa atue de forma responsável com os seus stakeholders envolvidos. E aqui vale notar que Fink resgata as ideias centrais do modelo da Responsabilidade Social Corporativa (RSC), que muitos já consideravam ultrapassadas. Ao invés de ficarmos inventando novos termos e modismos, precisamos investir em consolidar as boas práticas de RSC.

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.