Organizações de impacto: entendendo conceitos e práticas

Por on 18/10/2020

São tantos os conceitos e ideias novas que têm surgido ultimamente no campo do impacto e da gestão social que, de repente, a gente se vê emaranhada em uma série de questionamentos, do tipo:

  • O que é uma organização (ou empreendimento) de impacto?
  • Toda OSC é necessariamente voltada para impacto?
  •  Negócio social e empresa de impacto são a mesma coisa?
  • Em que a empresa de impacto difere da empresa tradicional?
  • Toda startup é necessariamente de impacto?
  • Toda empresa considerada ESG é necessariamente empresa de impacto?

Vou a seguir buscar rever alguns conceitos e práticas para buscar sanar essas dúvidas.

O que é uma organização de impacto?

Uma organização de impacto é aquela que tem uma finalidade (ou propósito) explícita de geração de impacto social e/ ou ambiental. Ou seja, propõe contribuir para solucionar um problema social e/ou ambiental específico. Juridicamente a organização tanto pode assumir o formato de organização sem fins lucrativos (associação), ou organização com fins lucrativos (empresa), ou ambos (ICE, 2018).

De acordo com a Carta de Princípios para Negócios de Impacto no Brasil (2015), os empreendimentos de impacto devem obedecer às premissas de gestão ética e responsável, e obedecerem aos  4 princípios básicos, que são:

  • Princípio 1 – Compromisso com a Missão Social e Ambiental
  • Princípio 2 –  Compromisso com o Impacto Social e Ambiental Monitorado
  • Princípio 3: Compromisso com a Lógica Econômica
  • Princípio 4: Compromisso com a Governança Efetiva

Toda OSC é necessariamente voltada para impacto?

Da definição acima, vemos que, para que uma organização da sociedade civil (OSC) possa ser considerada de impacto, ela deve atender a determinados requisitos. Ou seja, ter claramente explicitada a sua lógica de geração de valor social (ou ambiental), como os impactos serão avaliados e ter uma proposta factível de sustentação financeira, para além da filantropia.

E, como sabemos, muitas organizações do terceiro setor não foram mesmo planejadas com o escopo da transformação social. E não há nenhum demérito nisso. Elas foram criadas para complementar a função do Estado, por exemplo,  realizar atendimentos no campo da assistência social e saúde (caso das Organizações Sociais de Saúde – OSS),  ou para disponibilizar atividades gratuitas de lazer, cultura e esporte para a população em geral.

Há também o caso de outras OSCs, como as  comunitárias, que, mesmo atuando de forma independente na base da pirâmide, dificilmente conseguem ter um grau de organização e gestão que as tornem capazes de planejarem e implementarem  uma proposta consistente de impacto.  

Um exemplo de OSC com várias iniciativas voltadas para impacto (e com avaliação de impacto) é o Instituto Ramacrisna (MG). 

No Brasil, a grande maioria das OSCs ainda atua ao sabor das demandas sociais e dos recursos que lhes chegam. Apenas muito poucas conseguem ter uma estratégia de atuação voltada realmente para impacto.

Negócio social e empresa de impacto são a mesma coisa?

Quando cunhou a expressão ‘negócio social` (‘social business`) em 2009, Muhammad Yunus a definiu como sendo “uma empresa com uma missão social no seu centro. Ela é fundada com o objetivo de solucionar um problema social específico, ou seja, para beneficiar os pobres e/ou as pessoas em situação de vulnerabilidade (ter impacto social). E, como toda empresa, ela também deve garantir a sua sustentabilidade econômica, ou seja, ter retorno econômico e buscar lucros. Só não pode haver distribuição de dividendos entre os acionistas. (Yunus Social Business, site)

Por empresa de impacto entenda-se a empresa que tem explicitada em sua missão a geração de impacto social (e ambiental), e a intenção do retorno econômico ao capital investido. Porém, diferente dos negócios sociais, ela  pode, sim, fazer distribuição de dividendos entre os acionistas, como ocorre nas empresas tradicionais.

Como se vê, segundo a tipologia de Yunus, o que distingue um negócio social /empresa social de uma empresa de impacto é apenas a relação com os investidores e/ou acionistas da organização. Vimos que em ambos está presente o compromisso central com o impacto social e o retorno econômico.

Um exemplo de negócio social é o Banco Pérola (SP), que foi inspirado no modelo pioneiro do Grameen Bank (Yunus, 1976), e cujo objetivo é fornecer ‘crédito produtivo orientado` para pequenos empreendedores. Nesse caso específico, o negócio social não foi criado sob a forma de empresa, mas sim de associação. Já um exemplo de empresa de impacto é a Solidarium, que abriu suas portas com a missão de resolver o problema social dos artesãos de Curitiba, que não conseguiam vender os seus produtos. Anos depois, virou uma startup social, comercializando os produtos em plataforma online.

Em que a empresa de impacto difere da empresa tradicional?

O que difere a empresa de impacto da empresa tradicional é a motivação inicial para a sua criação. A empresa de impacto está voltada para resolver um problema social  e/ou ambiental. Já o foco da empresa tradicional é aproveitar uma oportunidade de mercado. Ambas devem ser lucrativas, requisito para garantir a sua sustentabilidade financeira.

Um exemplo do Sebrae ilustra bem essa diferença. Suponha uma empresa de energia solar em uma comunidade rural isolada no Pará, sem acesso à energia elétrica (caso 1). E suponha outra empresa também de energia solar em um bairro nobre do Rio de Janeiro (caso 2). O caso 1 é nitidamente de uma empresa social, voltada para solucionar um problema social; já o caso 2 é de uma empresa tradicional que está aproveitando uma oportunidade de mercado.

Toda startup é necessariamente de impacto?

O termo startup surgiu no final da década de 1990, na região do Vale do Silício (EUA / Califórnia) que é especializada em alta tecnologia e inovação. Normalmente se define startup como sendo uma empresa em fase inicial, que possui uma proposta de negócio inovadora, com um grande potencial de crescimento (escalabilidade), que pode atuar em qualquer área ou tipo de mercado, e que normalmente utiliza a tecnologia como base para suas operações (Toro Investimentos)

No Brasil, é cada vez maior o número de startups surgindo nesses últimos anos, sendo as mais conhecidas o Nubank (fintech), PagSeguro (fintech), 99 (transporte), Quinto Andar (locação de imóveis) e Loggi (entregas rápido). Porém, nenhuma dessas pode ser considerada como startup de impacto.

Já o Dr. Consulta (saúde) é uma startup de impacto, porque ela já nasceu (início década 2010) com o propósito de solucionar um problema social real – o atendimento de saúde de baixa qualidade e moroso na comunidade de baixa renda de Heliópolis (SP). Depois o Dr.Consulta ganhou escala e hoje já atende em várias partes do país, com a proposta de atendimento humano, de boa qualidade, rápido, preços acessíveis, e com o foco no público de baixa renda.  A missão dessa startup é a de “salvar vidas e cuidar das pessoas, porque elas não podem esperar nas filas da saúde” (do SUS – Sistema Único de Saúde, público).

 Toda empresa considerada ESG é necessariamente empresa de impacto?

Importante ter clareza da distinção entre empresa ESG, empresa B e empresa com impacto. Vimos que a classificação empresa com impacto leva em conta o propósito e a razão de ser da empresa, que é o de contribuir para resolver um problema social (de pobreza e exclusão social) e ambiental (de dano à natureza).

Por outro lado, a classificação ESG (Environmental, Social and Governance), que vem ganhando força junto ao mercado financeiro global, leva em consideração critérios de gestão da organização. Já o título ´Empresa B` (B de Benefits) é uma certificação, também de âmbito global, para atestar as boas práticas socioambientais de gestão da empresa.

Como vimos na Carta de Princípios para os Negócios de Impacto, as empresas de impacto devem ter como premissa a gestão ética e responsável com todos os seus públicos (colaboradores, fornecedores, clientes, comunidade, meio ambiente e acionistas). Quer isso dizer que fazer o bem aos seus públicos de relacionamento (stakeholders) é um pré-requisito para a empresa com impacto. Daí, podemos afirmar que toda empresa com impacto deve ser também uma empresa ESG.  

E dentro dessa mesma lógica, toda empresa com impacto pode obter, se quiser, a sua certificação como ‘Empresa B` – só lembrando que se trata de uma certificação voluntária.

Porém, o contrário não se verifica. Nem toda empresa classificada como ESG e/ou empresa B é uma empresa de impacto. Por exemplo, considerando a carteira atual ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) como uma aproximação (para) ESG, dentre as empresas com ações em bolsa no Brasil (B3), vemos que estão nesse grupo empresas como ItaúCemigPetrobras e Lojas Americanas. Assim, elas são classificadas como ESG, produzem bens e serviços tidos como imprescindíveis,  porém não são empresas de impacto.

Da mesma forma, além de ser considerada empresa ESG, a Natura tem também o selo de ‘empresa B`, mas não é empresa de impacto.

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MARIA CECÍLIA PRATES RODRIGUES
Rio de Janeiro - Brasil

Maria Cecília é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV , e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.